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Um a cada quatro professores foi afastado por doenças em 2019

Problemas psiquiátricos e ortopédicos são os que mais afetam docentes da rede estadual da região

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
10/02/2020 | 00:01
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Praticamente um em cada quatro professores das escolas estaduais do Grande ABC precisou se afastar da sala de aula por problemas de saúde em 2019. Dados obtidos pelo Diário via Lei de Acesso à Informação mostram que dos 10.555 docentes da educação básica do Estado, 2.547 obtiveram licença concedida por meio de perícia médica no ano passado. Problemas psiquiátricos e ortopédicos são os principais motivos das ausências. Segundo especialistas e profissionais da rede, o cenário é reflexo das condições de trabalho e desvalorização da categoria.

Embora os registros de licenças docentes tenham apresentado queda nos últimos três anos – foram 3.037 casos em 2017 e 2.694 em 2018 –, especialistas destacam que a ausência do profissional em sala de aula representa prejuízo tanto ao trabalhador quanto ao aluno. “Interrompe o processo de aprendizagem. Muitas pessoas julgam o professor, como se ele não quisesse trabalhar, e a gente se culpa por não conseguir dar sequência ao trabalho. Por mais que as pessoas pensem que estamos de férias, viajando, a realidade é que estamos afastados e mal em casa”, relata o docente da rede estadual de Santo André Bruno Monteforte, 32 anos.

No caso de Monteforte, contratado há 11 anos pela Secretaria Estadual da Educação para lecionar sociologia e que atualmente dá aulas de filosofia e geografia para estudantes do ensino médio regular e do supletivo, o afastamento psiquiátrico – foram três períodos, em 2014, 2015 e 2019 – está associado ao acúmulo de tarefas no dia a dia. “São 40 a 45 alunos por sala, jovens que estão em processo de descobrimento e que muitas vezes trazem problemas externos para a sala de aula, e nós, professores, temos de dar conta tanto do processo cognitivo, sem os recursos tecnológicos necessários para tornar as atividades mais atraentes, quanto das tarefas burocráticas de preparar aulas, corrigir provas, atualizar diário, fazer relatórios. Tudo isso sob a cobrança dos superiores em relação às metas, índices educacionais”, destaca.

Para o coordenador do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Ítalo Curcio, “sem dúvidas, a maior parte dos afastamentos dos docentes por motivos psiquiátricos é consequência das condições de trabalho exigentes”. Ele observa que o profissional da educação acumula as questões que todo cidadão tem, como problemas financeiros, afetivos, sociais, familiares, com os problemas que os alunos trazem para a sala de aula, já que existe relação de empatia. “Um psicólogo, por exemplo, que também lida com as aflições do outro, precisa passar por análise constantemente. O professor não tem esse acompanhamento e, por isso, muitos acabam não tendo esse autocontrole sozinhos.”

Professora da rede estadual andreense há 23 anos, Vanderleia Aguiar, 53, comenta que cabe ao docente resolver desde conflitos em sala de aula até auxiliar os alunos a respeito de questões familiares. “Eles gostam de desabafar e eu os enxergo como seres humanos, que não têm para onde correr. Só que isso gera um desgaste. Tem dias que vou para casa chorando, porque não consigo ajudar em tudo”, revela a docente, que precisou se afastar no ano passado por depressão.

Já em relação aos afastamentos motivados por problemas ortopédicos, uma das situações que pode estar associada à sala de aula é a necessidade de o docente ficar em pé durante longos períodos, considera Curcio. “Talvez seja um fator que não diga respeito apenas às atividades docentes, como no caso da depressão e ansiedade, mas podemos considerar que ficar em pé muito tempo, se a pessoa é magra demais ou obesa, pode afetar a coluna.”

Por meio de nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo informou que “é equivocado associar todos os pedidos de licença médica de servidores da educação ao ambiente escolar”. A pasta destacou que a valorização do professor, figura central no processo de aprendizagem, “é prioridade para a gestão” e que são desenvolvidas medidas “voltadas não só para a maior eficiência na sua gestão de recursos humanos mas também para a melhoria das condições de saúde de seus profissionais”. Uma das iniciativas citadas é o serviço especializado oferecido pelo Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual), onde os servidores podem buscar atendimento inclusive de forma preventiva.

Insegurança e violência afetam a rotina

Pesquisa do Instituto Locomotiva e da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) indica que a violência contra professores cresceu nas escolas públicas paulistas nos últimos anos. De acordo com os dados, divulgados em dezembro do ano passado, cinco em cada dez docentes da rede (54%) já sofreram algum tipo de violência nas dependências das unidades onde lecionam – esse número era de 51% em 2017 e de 44% em 2014.

Coordenador do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Curcio ressalta que o cenário de violência no ambiente escolar tem total relação com os quadros de problemas psiquiátricos dos professores. “Os docentes acabam absorvendo essa situação. As condições de trabalho não são as ideais em nenhuma escola, mas em algumas ainda temos a questão da insegurança pública, com casos de assaltos, violência.”

Na comparação com os anos passadas, os tipos de violência que mais cresceram foram bullying (70% dos professores relataram casos em suas escolas) e discriminação (54% souberam dos fatos em suas escolas).

Professora de geografia da rede estadual de Santo André há 23 anos, Vanderleia Aguiar, 53 anos, relata que chegou a ser agredida duas vezes no ano passado ao tentar separar brigas de alunos do ensino médio (15 a 18 anos). “Mesmo que não seja uma agressão direta à minha pessoa, chega a machucar e a gente acaba ficando abalada. Ainda mais porque não temos para onde encaminhar esses jovens, uma mediação de conflitos. A solução da escola é sempre expulsá-los”, comenta.

Vanderleia precisou ficar afastada no ano passado por 100 dias para tratar uma depressão. “Me dei conta de que eu não estava bem quando me vi gritando com um aluno, algo que não faço, porque acho que o professor deve dar exemplo”, diz. A licença médica, segundo ela, está associada à considerada cobrança extrema em relação a índices educacionais e à necessidade de realizar tarefas além das docentes. “São quase 200 alunos por dia, das 7h às 12h20, de segunda a sexta-feira. É humanamente impossível corrigir atividades de 1.800 jovens na escola, então a gente acaba trabalhando em casa, aos fins de semana, quando deveríamos usar o tempo para ir ao teatro, ao cinema, descanso, lazer. Sem falar no salário, que é baixo. E chegam a nos pedir para lavar o banheiro quando não temos serventes da limpeza”, ressalta. Um professor recebe, em média, R$ 2.500 pelo piso de 40 horas semanais.




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