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Kiss reúne 40 mil em Interlagos
Por Do Diário do Grande ABC
18/04/1999 | 15:40
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O Kiss armou uma vertiginosa montanha-russa na noite de sábado (17) no Autódromo de Interlagos, revisando com sua tradicional performance kitsch o legado do rock'n roll. A decana banda americana mostrou que domina como poucas a arte do espetáculo para a multidao, embora seu bombardeio visual chegue ao final apontando para o tédio e a saturaçao.

Mais de 40 mil pessoas foram ao autódromo de Interlagos, segundo os organizadores, para ver o show Psycho Circus, a nova aventura em terceira dimensao da banda criada em Nova York no início dos anos 70. O Kiss entrou às 23 horas. Pontuado por avisos de "glasses on", "glasses off" (coloquem os óculos, tirem os óculos), o show leva ao extremo a estratégia de apoteose dos grande shows de rock, assim como os Stones fazem com Bridges to Babylon e o U2 com PopMart. É o tipo de espetáculo que traz embutido a seguinte questao: o que mais eles farao depois disso?

Mas o fato é que, por baixo da estrutura de Playcenter, o Kiss leva a termo um timing clássico de rock'n roll e o faz com bastante competência - principalmente enquanto o vocalista e guitarrista Paul Stanley é o mestre de cerimônias. Stanley é a alma do negócio, o líder carismático e também a voz poderosa do Kiss. A banda perde potência e precisao quando o verborrágico guitarrista Ace Frehley ou o linguarudo baixista Gene Simmons ganham a ponta do palco.

Frehley tem voz limitadíssima e pouco vocabulário para atuar como front man. Quando Stanley passa a ele, em Shock Me, a batuta do show, Psycho Circus quase naufraga. Certo que, na noite de sábado, houve problemas com a amplificaçao da voz de Frehley, mas ele realmente tem pouco a mostrar, assim como o Batfino Gene Simmons, que é mais um logotipo do que um músico.

Os truques do show sao dignos de um Mr. M do Fantástico, porque sao tao risíveis que trazem consigo a chave dos seus segredos. Gene Simmons cospe sangue, o baterista Peter Criss levita com toda sua bateria e a guitarra de Frehley, tocada freneticamente, entra em combustao, queima e sobe até o alto do palco, libertando-se do seu dono. Durante a execuçao de Love Gun Paul Stanley fica deslizando num teleférico sobre a estrutura de aço do palco.

Ao todo, durante quase duas horas e meia, o Kiss tocou 19 cançoes, começando com Psycho Circus, passando por Do You Love Me, Firehouse, Shock Me, Let Me Go Rock'n Roll, Into The Void, King of The Night, God of Thunder, I Was Made For Lovin' You, Rock'n'roll All Nite ( entre outras), e trazendo três músicas no bis, fechando com Black Diamond.

Nao se sabe se por populismo ou por genuíno reconhecimento (já que Sao Paulo tem uma legiao respeitável de kissmaníacos), Paul Stanley fez especial reverência à cidade. "Nós estivemos em Porto Alegre, mas essa noite você sao o número 1", berrou. "Vocês sao os melhores, vocês terao o melhor."

Rammstein - O show do Kiss foi aberto pela banda Rammstein, cujo nome provém da cidade do mesmo nome na Alemanha. O grupo surgiu na antiga Alemanha Oriental e a proposta para abrirem os shows da turnê Psycho Circus veio do próprio Kiss.

O Rammstein entrou em cena às 21 horas. Sua mistura de música eletrônica com a base pesada do heavy metal tinha tudo para desagradar os fas do Kiss. O que de fato aconteceu: durante todo seu show, parte do público atirava copinhos de água e gritava palavroes.

O som do grupo é interessante. Atualiza a tradiçao do Kraftwerk, o comentário sobre os dejetos da sociedade industrial e, ao mesmo tempo, sugere uma dicotomia entre o mundo primitivo e o dito "civilizado".

Eles demonstram uma vocaçao meio piromaníaca, botando fogo em microfones, teclados, guitarras e no próprio corpo. Mas é uma série de recursos low tech, reforçando a crítica sobre o divórcio entre Primeiro e Terceiro Mundo, entre opulência e segregaçao.

O vocalista, Til Lindeman, de voz gutural, bate em si próprio com um açoite e esmurra o peito enquanto canta Sehnsucht ("nostalgia", em alemao). Depois, com um arco flamejante e envolto numa cortina de fumaça vermelha, atira para o céu dois foguetes de sinalizaçao vermelhos, daqueles que se usam em navios para ajudar na localizaçao.

Certo que toda a performance do Rammstein é meio marcadinha, bonitinha, artificial. Mas o som é uma mistura ousada e inventiva. Tao ousada que um dos momentos mais vaiados pelos fas do Kiss é quando o guitarrista Richard Kruspe deixa a guitarra e ataca de DJ, ensaiando um ataque tecno contra a platéia.

Um dos momentos mais controversos do show do Rammstein é quando Lindeman simula fazer sexo com o tecladista da banda, e depois "urina" sobre a platéia (munido de um pênis artificial que jorra água em profusao). O show é encerrado com Rammstein, cançao que dá nome à banda e que se refere a um episódio ocorrido em 1988 naquela cidade alema. Lá, três avioes de uma base americana chocaram-se no ar e um deles caiu sobre o lugarejo, matando 80 pessoas e ferindo centenas.

Público - Apesar do grande afluxo de público e da distância, o Autódromo de Interlagos acabou se revelando um bom local para megashows como o do Kiss, por causa do espaço amplo. A polícia registrou poucos incidentes, entre eles uma queixa de um fa que diz ter sido agredido por um policial militar. Como os banheiros químicos eram em número reduzido, os guard-rail da pista de Fórmula 1 acabaram virando sanitário.

Houve um único contratempo. Pouco antes do show, a Polícia Militar proibiu a venda de cervejas, temendo problemas como arremesso de latas entre o público e na direçao do palco. Mas os estoques da bebida, de uma maneira ou de outra, acabaram indo parar nas caixas de isopor dos vendedores, só que a preços de mercado negro: entre R$ 3,00 e R$ 4,00.

O público passou a maior parte do tempo com os óculos de 3-D, promovendo um espetáculo à parte - 40 mil pessoas de óculos brancos olhando fixamente para algum ponto inexistente no espaço. A noite fria pegou desprevenida boa parte dos espectadores, que usava apenas camisetas com a língua descomunal de Gene Simmons.




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