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Walmor Chagas declama Fernando Pessoa no Sesc
Do Diário do Grande ABC
02/04/2000 | 15:51
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O ator Walmor Chagas retoma nesta segunda-feira, em Sao Paulo, um dos principais desafios de sua carreira. Ao declamar os versos de Fernando Pessoa em "Passagem das Horas', às 21 horas, no Sesc Pinheiros, Walmor reassume a batalha pela devoçao aos textos em língua portuguesa. "Precisamos assumir o poder do idioma", acredita. "O ator é o repositário da tradiçao oral e só pode exercer esta funçao em profundidade na própria língua."

Eis o motivo da escolha dos versos de Pessoa para iniciar o projeto "A Palavra em Cena", que o Sesc Pinheiros pretende levar todas as segundas-feiras, sob a coordenaçao de Mariangela Alves de Lima, crítica teatral. Nas próximas semanas virao o diretor Eduardo Tolentino e o ator Guilherme Santana.

"Retomo um desafio que me foi involuntariamente lançado por Ziembinski que, ao ouvir a sonoridade da nossa língua, dizia ser o Brasil um país de poetas, nao de dramaturgos", conta Walmor. "Assim, decidi transformar em prosa o que é poético." A luz brilhou, na verdade, quando, em 1972, aos 42 anos, atingiu a maturidade artística ao mesmo tempo em que se descobriu diante de um impasse.

"Foi o momento em que decidi encenar Hamlet, de Shakespeare", lembra. "Até entao, havia me preparado com o melhor do teatro mundial, com Eugene O'Neal, Friedrich Dürrenmatt, Edward Albee, que serviram como degraus até o ponto mais alto: Hamlet." O efeito, porém, foi devastador. "Coroei minha carreira e desmontei - descobri que ninguém pode ser trágico em traduçao."

Por mais que tenha se preparado e concentrado, Walmor acreditou nao ter atingido o grau máximo de Shakespeare pelas diferenças entre o idioma português e inglês. "O ator só pode atingir o auge em sua língua." Foi o bastante para diminuir suas incursoes pelo teatro e aumentar na televisao, meio em que autores nacionais, como Lauro César Muniz e Dias Gomes, já se exercitavam.

As chateaçoes atingiram um nível insuportável até que, em 1985, Walmor catou as obras completas de Joseph Conrad, um livro de Jung, fez a mala e embarcou, no Porto de Santos, em um cargueiro do Lloyd, com destino a New Orleans, nos Estados Unidos. Foi uma viagem diferente das que havia feito antes - nao ia vasculhar teatros em busca de uma novidade para montar na volta. "Foi um tempo que dediquei aos meus sonhos e pesadelos", conta

Teatro dos sonhos - Em um deles, teve a visao que acreditou ser a indicaçao do novo rumo: viu-se diante do próprio teatro, que se chamaria Ziembinski. De volta ao Rio, vendeu dois apartamentos, comprou duas casas na Tijuca e construiu o Teatro Escola Ziembinski, onde privilegiaria a dramaturgia nacional. A experiência, porém, durou poucos anos: além da escassez de novos talentos, a maioria que surgia nao tinha qualidade.

Também a pequena presença do público contribuiu. "Descobri que infelizmente nao temos amor pelos nossos autores", comenta. "Só damos valor a Plínio Marcos e Nélson Rodrigues porque, apesar de ótimos dramaturgos, sao exóticos." Walmor detectou também uma ausência de temas recorrentes à sociedade na maioria das peças nacionais. "O país parece nao estar preparado para encarar sua classe média no palco, preferindo dramas europeus e americanos", observa. "Nao temos mais a ideologia como havia nos textos do Vianinha e Guarnieri."

O ator anima-se ao observar algumas exceçoes, como os textos de Juca de Oliveira, que apontam o problema da corrupçao, apesar do verniz de comédia. Ou ainda o trabalho de Antunes Filho frente ao Centro de Pesquisa Teatral (CPT), que prepara a nova dramaturgia brasileira a partir do surgimento de um "novo ator", que tenha pleno domínio da voz, do corpo, e possua, acima de tudo, uma ética.

Dos seus quase 70 anos (completa-os em agosto), Walmor Chagas passou 48 no palco. Um tempo considerável em um país em que a persistência é muitas vezes confundida com teimosia. Apesar de resistir à volta aos palcos (prefere cuidar da carreira musical da filha, Clara, que teve com Cacilda Becker, e de sua fazenda em Guaratinguetá), o ator está disposto a encenar textos nacionais. "Quero peças que tenham uma visao brasileira do mundo, que, nao tenho dúvida, sao de alta qualidade."




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