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Tímidos lutam contra isolamento
Por Carla Navarrete
Do Diário OnLine
02/10/2005 | 07:43
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"Só por hoje evitarei o isolamento." É com esse lema que o IA (Introvertidos Anônimos) realiza suas sessões todos os domingos e segundas-feiras em Santo André, oferecendo ajuda para pessoas que sofrem de timidez, isolamento e alienação. A irmandade existe há cerca de três anos na região e funciona nos moldes do Alcóolicos Anônimos, oferecendo uma espécie de terapia em grupo para as pessoas com dificuldades para se relacionar com a sociedade.

Segundo Manuel Morgado Resende, doutor em Saúde Mental e professor de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo, ser naturalmente tímido ou se sentir retraído de vez em quando é normal. O problema é quando a introversão passa a dificultar a convivência social e profissional (veja quadro). Um exemplo é o criador do IA, que se identificou apenas como Gustavo. Ele descobriu que sua introversão era o pano de fundo que o levou ao desenvolvimento de depressão e síndrome do pânico. Já C.G., 43 anos, uma das participantes do grupo, até hoje sente taquicardia desencadeada pela ansiedade em falar com as pessoas, e somente agora teve coragem de procurar um cardiologista.

O IA fica numa pequena sala nos fundos do Museu de Santo André, nas dependências da União Cívica Feminina. Atualmente, cerca de 30 pessoas participam das duas sessões semanais. O grupo é auto-suficiente. Os membros pagam uma pequena contribuição em todas as sessões para o aluguel do local, que é simbólico, e o material de leitura utilizado.

O símbolo da irmandade é um caracol, "pois para onde quer que ele vá, leva a sua concha protetora para se esconder do perigo", diz o folheto que o iniciante recebe ao chegar no local. Lá, a pessoa se depara com cadeiras dispostas em círculo. O formato da sessão é parecido com o do AA. Os integrantes falam quando querem sobre seus problemas. Não há debates ou discussões. O objetivo é que um escute o outro e se identifique com as questões apresentadas. "Os companheiros vão enxergando nos outros aquilo que não conseguiram enxergar em si mesmos, e isso vai gerando uma série de insights.", explica Mônica, uma das coordenadoras do grupo.

Os relatos começam sempre com a afirmação "meu nome é ... e eu sou um introvertido em recuperação". Os depoimentos são sempre relacionados à dificuldade de se relacionar com as outras pessoas. Problemas para arranjar emprego, participar de eventos sociais ou encontrar um parceiro amoroso. Um dos participantes fica responsável por contar o tempo. Mas os membros sempre acabam falando mais de uma vez durante a sessão.

Abstinência - Segundo Mônica, a terapia não faz com que a pessoa deixe de ser tímida, mas a ajuda a lidar melhor com seus problemas. "Como nós não falamos em cura no IA, digamos que conseguimos atingir patamares cada vez mais elevados de recuperação. Não existe algo do tipo 'agora eu posso sair do grupo porque estou bem'. Como no AA, aqui também existe a recaída", discursa.

O grupo foi autorizado pelo AA a adotar os chamados 12 passos, sugeridos para a recuperação individual. E também utiliza sete recursos básicos para auxiliar no programa. Dentre eles, um dos principais é a prática da abstinência. De acordo com Monica, a "droga" do introvertido é o isolamento. A timidez e o medo de se relacionar faz com que a pessoa se isole cada vez mais, se fechando em seu próprio mundo. "Essa coisa da introversão começou na infância e piorou na adolescência. Eu era um adolescente muito isolado, não andava em turma, e acabava até sendo atacado pelos outros por causa disso. Tinha dificuldade em me relacionar com as pessoas e nos últimos anos a coisa piorou, principalmente com as mulheres. Hoje eu estou melhor, voltei a freqüentar festas por exemplo, algo que eu tinha parado de fazer", disse R.J.R., 42, outro participante.

Assim como no AA, o IA também utiliza o sistema do apadrinhamento, em que o iniciante procura um membro mais velho para ajudá-lo a seguir o programa e a se inserir no grupo. "Formar vínculo com os companheiros ajuda no fortalecimento", diz a coordenadora.

O IA não tem ligação com religião ou com psicólogos, garantem os membros. "Nós não temos nenhum tipo de terapeuta, porque isso vai justamente contra as nossas tradições, adaptadas do AA, que proíbem a participação de profissionais. Mas também não impedimos que um membro, se sentir necessidade, procure fora da irmandade um terapeuta", declara Mônica.

Raiz - Os problemas relacionados à timidez extrema costumam surgir na passagem da infância para a adolescência, ou da adolescência para a vida adulta, segundo Manuel Morgado Resende, professor de Psicologia da Universidade Metodista. Por isso, é preciso que os pais prestem atenção a eventuais mudanças na personalidade dos filhos. "A pessoa pode ter tido ótima infância, mas na adolescência começa a ficar mais isolada na escola, não tem amigos, evita freqüentar festas. Isso também pode levar a uma predisposição ao uso de álcool e a outras drogas, na tentativa de romper com essa percepção da realidade que não agrada".

Ainda de acordo com Resende, existem muitas diferenças entre os chamados transtornos de personalidade. Atualmente, a fobia social é o conceito mais usado e caracteriza-se por um estado de ansiedade exagerada gerado pelo contato social. Mas também existe o transtorno de personalidade esquiva, quando a inibição é causada pelo sentimento de inferioridade em relação aos outros, e a personalidade esquizóide, relativa à pessoa que evita o relacionamento social e mantém uma faixa restrita de expressão emocional.

O professor Manuel Resende frisa que a introversão e a timidez não são necessariamente ruins quando aparecem em menor escala. O problema se torna patológico quando a pessoa passa a evitar sair de casa, deixa de ir à escola ou ao trabalho. Em relação ao grupo IA, Resende acredita que o fato de os participantes procurarem um grupo de ajuda "já um grande avanço". No entanto, ele acredita que "é preciso um pouco mais que os 12 Passos" para superar a dificuldade de se relacionar socialmente, e que a ajuda de um profissional é necessária.

Introvertidos Anônimos - rua Gertrudes de Lima, 499, Centro. Reuniões às segundas-feiras, das 19h às 21h, e aos domingos, das 12h às 14h. Tel.: 9769-9193. Internet: www.introvertidosanonimos.org.br

Os 12 Passos dos Introvertidos Anônimos

"Nós admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção ao isolamento afetivo e que nossas vidas haviam-se tornado ingovernáveis".

 "Viemos a acreditar que um poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos para a sanidade".

"Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, como cada um de nós o concebia pessoalmente".

"Nós fizemos um profundo, minucioso e corajoso inventário moral de nós mesmos".

"Nós admitimos - perante a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano - a natureza exata das nossas falhas".

"Nós nos prontificamos inteiramente a permitir que Deus removesse todos estes defeitos de caráter".

"Humildemente nós rogamos a ele que nos libertasse destas imperfeições".
"Nós fizemos uma lista de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado - e nos dispusemos a fazer reparações dos danos a elas causados".

"Nós fizemos reparações diretas a tais pessoas - sempre que possível - exceto quando fazê-lo pudesse prejudicar essas pessoas ou a outrem".

"Continuamos fazendo o inventário moral - e quando estávamos errados nós o admitíamos prontamente".

"Nós procuramos, por meio de prece e meditação, melhorar o nosso contato consciente com Deus, como cada um de nós o concebia pessoalmente - rogando apenas o conhecimento da sua vontade em relação a nós e o poder de realizar esta vontade".

"Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos, nós procuramos levar esta mensagem a outros introvertidos, e praticar estes princípios em todas as nossas atividades".

Os sete recursos

1º) Lista de padrões
Fazer e manter uma lista pessoal de padrões de comportamento como introvertido.
 
2º) Abstinência
Praticar a abstinência destes padrões numa base diária.
 
3º) Freqüência às reuniões
Freqüêntar e participar assiduamente das reuniões da Irmandade, inclusive se possível prestando serviços dentro dos comitês do grupo

4º) Contínuo contato
Manter um contínuo contato com os outros membros da Irmandade, numa base diária (se possível sem interrupção) em confraternizações, atividades de lazer em grupo ou pela lista de telefones de companheiros.

5º) 12 passos
Praticar os 12 Passos o melhor possível e estudar a literatura da Irmandade.
 
6º) Padrinho
Valer-se de um padrinho de Irmandade para abrir-se e dividir estas experiências com os 12 passos, ou para ser acompanhado em suas atividades ou demandas sociais, como apoio à recuperação.

7º) Poder superior
Estabelecer uma relação diária com um poder superior a si mesmo para receber força, conforto e orientação.




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