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O que aprendemos com a Lei de Cotas?
Carlos Ferrari
26/07/2014 | 07:00
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No dia 24 de julho, a Lei 8.213/1991 soprou 23 velinhas, motivo de dupla comemoração. Podemos celebrar como cidadãos os avanços assegurados pela legislação e, como pessoas com deficiência, as conquistas proporcionadas pelas cotas para inserção no mercado formal de trabalho, demarcadas no artigo 93. O texto diz que a empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência.

Este tipo de conquista está entre aquelas que têm impacto positivo para toda a sociedade. Temos situações em que muitas vezes o cara que nunca ouviu falar da lei compra a ideia da inclusão de pessoas com deficiência, pois tem em seu departamento de trabalho um colega contratado por conta das exigências legais. Desta forma, podemos afirmar que é momento de comemoração, porém, creio que também pode ser boa hora para reflexões.

Vejo como primeira grande lição o fato concreto de que quando se tem rigor na exigência do cumprimento de uma norma legal, a coisa acontece. Os números mostram que nas cidades em que se tem uma aliança entre sociedade civil e órgãos de fiscalização, as empresas acabam acelerando suas estratégias para inclusão.

A segunda lição é a constatação de que não avançamos tendo por aliado apenas o fantasma da multa. Precisamos com urgência de outros elementos, que façam com que as empresas percebam a revolução positiva, diante de uma consciência inclusiva na composição de seu quadro de colaboradores. As organizações da sociedade civil com trabalhos de qualidade nesta área têm colaborado significativamente para isso, fazendo de suas ações de sucesso, cases incontestáveis, mesmo para aqueles executivos mais céticos e pragmáticos. O Estado brasileiro precisa urgentemente também dar sua contribuição, ou seja, já podemos afirmar que mais do que assustar com punições, nossos governantes podem encantar com possibilidades. Incentivos fiscais, financiamento facilitado de recursos de tecnologia assistiva, certificações específicas e exigência legal vinculada ao fornecimento de produtos e serviços contratados, podem ser boas novas que com certeza farão dos próximos vinte anos de lei de cotas uma nova etapa para esta jornada rumo à inclusão plena.

Também vale destacar o paradigma em torno da preparação para inclusão no mundo do trabalho. Esse objetivo inserido no âmbito da proteção social, meta da Política Pública de Assistência Social, precisa ser repaginado e tratado com mais ousadia. O novo modelo nos desafia a preparar as pessoas alinhadas com a realidade do mercado.

A Lei de Cotas é uma conquista, contudo, não podemos deixar de nos desafiar diante do que ainda não alcançamos. Devemos buscar empresas que contratem olhando para os potenciais humanos, rompendo com a lógica arcaica reafirmada por alguns profissionais de seleção que ‘pedem’ pessoas com deficiência como se estivessem diante de um cardápio de pizzaria. “Cego não serve, surdo talvez, tenta me mandar um sem braço”, pode acreditar, tem gente ainda trabalhando desse jeitão. Agora imaginem um profissional com essa mentalidade tendo como superior hierárquico uma pessoa com deficiência? Pois é, há ainda muito caminho a ser percorrido e, felizmente, a cada dia tem mais gente com disposição para seguir em frente.

Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde). 




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