Setecidades Titulo Impunidade
Motorista de Santo André
passa impune pela Lei Seca

O teste de bafômetro não está sendo suficiente para prisão;
de 100 motoristas flagrados, apenas um chegou a ser preso

Por Cadu Proieti
Do Diário do Grande ABC
02/07/2012 | 07:00
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A Lei Seca, que desde junho de 2008 proíbe o consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas por condutores de veículos antes de assumir o volante, é marcada pela impunidade em Santo André. Segundo o MP (Ministério Público), a cidade registra uma centena de casos de pessoas que não foram presas em flagrante mesmo após serem submetidas e reprovadas no teste do bafômetro.

O promotor Roberto Wider Filho, da 1ª Promotoria de Justiça Criminal do município, afirma que, de 2008 até hoje, recebeu 100 casos de motoristas que foram pegos dirigindo embriagados. No entanto, apenas um deles foi preso. "Isso é crime e não pode ficar impune", comenta.

Levantamento feito pelo representante do MP mostra que, no segundo semestre do ano passado, a promotoria criminal da cidade recebeu sete inquéritos de condutores que realizaram o teste de alcoolemia com a comprovação de nível de álcool no sangue acima do permitido por lei. Desses, apenas um foi preso em flagrante. A Polícia Militar informou que, no mesmo período, autuou dez pessoas dirigindo embriagadas pelas ruas de Santo André.

"Isso mostra que a polícia até faz a autuação, mas, ao chegar na delegacia, o flagrante não é dado pelo delegado e o motorista é liberado", disse o promotor. A equipe do Diário teve acesso a inquérito referente a caso ocorrido em abril do ano passado. No documento, a autoridade policial justifica a não lavratura da prisão em flagrante alegando que o teste do bafômetro não registra a quantidade de álcool no sangue, conforme a lei 11.705/08, mas sim o no ar expelido pelo pulmão (leia abaixo).

No entanto, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julga que "realizado o teste do bafômetro e verificada concentração alcoólica no ar dos pulmões que corresponde a concentração sanguínea superior ao que a lei proíbe, não se pode falar em ausência de justa causa para a persecução penal."

Se comprovada, por etilômetro ou exame clínico, presença de seis decigramas por litro de sangue, a legislação prevê de seis meses a três anos de detenção ao motorista, sendo pena afiançável (de R$ 300 a R$ 1.200, em média, valor definido conforme o entendimento do delegado).

O promotor afirmou que, nos últimos quatro anos, enviou cinco ofícios para a delegacia seccional do município. O documento pedia que os delegados lavrassem prisão em flagrante em todos os casos de embriaguez ao volante.

Wider Filho diz que o atual responsável pela Polícia Civil na cidade, Guerdson Ferreira, recebeu um desses documentos. No entanto, o delegado afirma desconhecer o problema. "Não recebi nenhuma informação de que isso esteja acontecendo", justifica o seccional.

Por outro lado, o Capitão Vlamir Luiz Machado, do 41º Batalhão da Polícia Militar, relatou que já recebeu notícias de que só o bafômetro não está sendo suficiente para a prisão em flagrante.

 

Especialistas comprovam eficiência de teste

A alegação da Polícia Civil de Santo André de que o bafômetro não mede o nível de álcool no sangue não é válida. Segundo especialistas, a medição feita pelo equipamento é suficiente para comprovar se o motorista está ou não desrespeitando a lei.

"O aparelho é homologado pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito). Mesmo que alguns não deem a precisão perfeita, já são suficientes como prova contra a pessoa que assoprou. A eficiência é comprovada", comenta o médico Fábio Racy, diretor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).

Racy critica a postura dos delegados do município, que não estão prendendo em flagrante os motoristas reprovados no teste do etilômetro. "O ar alveolar captado é compatível com a concentração de álcool no sangue. O aparelho é aferido para isso. Dizer que não é prova para flagrante é ignorância", critica. "Significa que não querem ajudar a evitar mortes no trânsito, tanto de quem dirige, quanto dos terceiros atingidos nos acidentes. É uma vergonha."

O presidente da associação, Mauro Augusto Ribeiro, também contesta a atitude da Polícia Civil de Santo André. "O bafômetro é um aparelho de precisão altíssima e o resultado positivo do teste é a prova de que o motorista está, sim, embriagado."

O médico teme que o desrespeito à lei por parte dos delegados faça aumentar o número de casos de embriaguez ao volante. "Tudo que cria sensação de impunidade acaba reforçando o pensamento de não cumprir a lei na população. Isso proporciona a visão de que dirigir sob o efeito de bebidas alcoólicas não traz punição alguma", acrescenta.

 

Movimento recolhe assinaturas para aumentar rigor da lei

O movimento Não Foi Acidente recolhe assinaturas em todo o País para conseguir enviar Projeto de Lei ao Congresso com objetivo de tentar mudar a legislação de trânsito. Isso só é possível se 1,3 milhão de pessoas assinarem a petição pública. O número representa 1% do total de eleitores registrados no Brasil. No total, já são 508.224 pessoas que aderiram ao movimento, aproximadamente 39% do necessário.

O projeto prevê que o exame de sangue ou bafômetro não seja mais necessário para a comprovação do consumo de álcool. A constatação passaria a ser feita com análise clínica de um médico legista ou agente que goze de fé pública. Além disso, o movimento exige que a punição seja aumentada caso comprovado que o motorista estava sob efeito de bebidas alcoólicas. A pena máxima, que atualmente é de três anos de reclusão, passaria a ser de cinco a nove anos.

A iniciativa partiu do publicitário Rafael Baltresca, 32 anos. "Tantas mortes acontecem por pessoas embriagadas que, na hora da alegria e da bebedeira, não entregam a chave do carro para um amigo, não voltam de táxi, não colocam a mão na consciência e pensam na consequência", disse Baltresca, em depoimento no site do movimento.

A mãe e a irmã do publicitário foram mortas em setembro, vítimas de atropelamento por um carro em alta velocidade, na Capital. O motorista, Marcos Alexandre Martins, se recusou a fazer o teste do bafômetro, mas fez exame de sangue. No boletim de ocorrência, testemunhas afirmam que Martins estava completamente bêbado.

O consultor de engenharia de tráfego Horácio Figueira também pede alterações na lei e cita outra alternativa. "Proponho que, ao tirar a habilitação, seja necessário que a pessoa assine termo se comprometendo a fazer o exame quando exigido." Atualmente, o condutor pode se negar a fazer os testes. A legislação diz que nenhum cidadão é obrigado a criar prova contra si mesmo.

 

 




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