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Senador Flaquer: ‘a rua dos bancos’

Agências impulsionam comércio em Sto.André; trajeto, criado por volta de 1906, ligava estação a fábrica no Ipiranguinha

Por Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
21/09/2020 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Basta ouvir falar na ‘rua dos bancos’ para imediatamente entender que o nome refere-se à Senador Flaquer, característica via do Centro de Santo André que, entre residências, comércios e serviços, mantém-se como polo financeiro da cidade há pelo menos 40 anos, quando as primeiras agências bancárias ali se instalaram.

A fama se deve ao movimento que as nove unidades financeiras atraem, inclusive porque ajudam a impulsionar os negócios nos 68 comércios que se espalham ao longo dos 998 metros da via, e facilitam a vida de quem mora nas 169 residências (26 delas também são de uso comercial).

No entanto, a história nem sempre foi essa. Conforme levantamento feito junto ao Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa, a Senador Flaquer é uma via em constante transformação. Embora não haja data oficial sobre a abertura da passagem, um mapa de 1906 revela que o espaço, antes denominado como Rua do Theatro, mantinha cenário bem diferente, com poucas construções e muitos terrenos.

A via, no seu início, servia de ligação entre a região do Parque Ipiranguinha – onde havia uma importante fábrica de tecidos, a Silva & Seabra, que transportava os tecidos e sacarias produzidos via ferrovia – e a Estação.

Mas ao longo do tempo a Senador Flaquer se transformou em via de uso misto, com comércios, serviços e residências, além de atividades culturais, impulsionadas pelo Cine Theatro Carlos Gomes – que está em reforma –. a Escola Profissional Masculina – que depois se transformou na ETE Julio de Mesquita – , o Hospital Pró-Matre e a Faculdade Senador Flaquer.

Foi somente em 1980 que os bancos começaram a chegar no local. Agências como do antigo Banespa, Bandeirantes e Unibanco, também conhecidas como as maiores da época, deram o pontapé para que o espaço se transformasse em polo financeiro, fama esta que perdura até os dias de hoje, e deu vida ao apelido que tornou-se referência para quem mora ou visita Santo André.

A via também ficou famosa em 1980 por causa das brigas entre punks, headbangers (fãs de heavy metal) e o grupo Carecas do ABC, que marcavam os embates no endereço porque a rua, que mantinha lojas musicais, se tornaria um ponto cultural e, portanto, de misturas.

Quem pôde acompanhar essa evolução foi a aposentada Márcia Maria Fuzzo Freire, 76 anos, que recebeu a equipe de reportagem  Diário e contou parte dessas passagens. Moradora da Senador Flaquer há 45 anos, ela revelou que sua experiência vai muito além de sua vivência ali, já que sua sogra, Maria Aparecida Alvarenga Alves, foi a primeira professora do Grupo Escolar Professor José Augusto de Azevedo Antunes – o primeiro de todo o Grande ABC, que ocupava o prédio que hoje abriga o Museu de Santo André (leia mais abaixo) –, e também uma das poucas moradoras da via naquela época.

Márcia garante que antigamente o local era descampado e “muito sossegado”. “Meu marido, já falecido, costumava dizer que aqui era o beco do conforto, já que muitas pessoas procuravam morar nessa rua, principalmente por sua calmaria”, explicou.

Segundo ela, ao longo dos anos a rua passou a ser chamada apenas como Senador, principalmente na época em que os bancos “dominaram o espaço”. “Gosto de morar aqui, principalmente porque estou pertinho de tudo. É só sair de casa que encontro o que for preciso”, revelou, explicando que, além disso, considera a via como parte do giro de capital da cidade e, portanto, mais importante que outros locais. “Aqui é o polo financeiro de Santo André, toda a riqueza e economia da cidade está aqui. É uma das ruas mais conhecidas.”

NOME
O nome Senador Flaquer foi oficializado por meio da Lei número 192, de 4 de maio de 1916, homenageando o então senador José Luiz Flaquer. Nascido em Itu, em 1854 (morreu em 1924), Flaquer era de família de cafeicultores e ficou conhecido por ser signatário da Convenção de Itu e a favor da proclamação da República. Estudou medicina no Rio de Janeiro e, nas décadas finais do século 19, se instalou em Santo André, em áreas próximas à estação ferroviária, prestando serviços como médico à extinta empresa ferroviária São Paulo Railway.

Sua atuação, porém, foi além, dedicando-se aos cuidados da população em algumas epidemias, com destaque para a de 1881, de varíola. Além de seu trabalho como médico, se destacou como chefe político local junto ao PRP (Partido Republicano Paulista). Foi deputado estadual e senador entre 1910 e 1919 e vereador em algumas legislaturas, além de juiz de paz do município.

Casarão construído em 1912 reúne história do município

Não há quem não pare para olhar o casarão localizado no meio da Senador Flaquer, que hoje dá vida ao Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa, preservando a estrutura construída em 1912. O espaço foi cenário educacional de 1916 a 1978, quando abrigou o Grupo Escolar Professor José Augusto de Azevedo Antunes, o Grupão – que antes se chamava Grupo Escolar de São Bernardo –, o primeiro do Grande ABC, e que mais tarde foi transferido para a Rua Tatuí, no Casa Branca.

O prédio passou a abrigar o museu municipal em 1990, recebendo mais de 70 mil itens que contam a trajetória andreense. Devido à importância histórico-social, foi tombado pelo Comdephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André) em 1992 e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural Estadual, em 2002.

O casarão, porém, tem mais do que histórias contadas por meio de objetos e textos, já que há também raízes que vão além dos muros do terreno. Em frente ao prédio, por exemplo, há palmeiras plantadas e, pelo menos três delas, foram semeadas pelas mãos de Selma Maris Almeida, 77 anos, há sete décadas, quando estudou na escola, nos anos 1950. 

Dona Selma contou que, na época, era comum que no dia da árvore – celebrado em 21 de setembro – os melhores alunos plantassem uma muda. Em três anos consecutivos, ela foi eleita, e deixou ali sua marca. “Uma vez estava passando em frente ao museu, entrei e abracei a árvore. O segurança me olhou estranho e eu disse a ele que eu poderia fazer aquilo, porque aquela árvore havia sido plantada pelas minhas mãos”, brincou Selma.

Embora more há 14 meses em Ubatuba, no Litoral Norte, Selma, que passou quase que toda a sua vida em Santo André e mantém familiares na cidade, explica que o espaço é importante para sua vida. “Além das árvores, sempre cantei em eventos escolares” disse, revelando que até hoje canta MPB (Música Popular Brasileira). “A Senador tem clima próprio e é o verdadeiro coração de Santo André”, finalizou.

Via mantém comércios com quase 70 anos de existência

Com diversidade comercial, a Senador Flaquer, no Centro de Santo André, é um ponto de referência econômica na cidade. Não à toa, a via mantém estabelecimentos antigos, alguns com quase 70 anos de existência, e que tornaram-se pontos-chave da cidade.

Exemplo disso é a Gaslar, que se instalou na via em 1953. Hoje, a loja vende diversos produtos de utilidade doméstica, mas o ponto forte do comércio é o serviço de assistência técnica. O proprietário, André Ramos Alcântara, 37 anos, viu o comércio, iniciado por seu avô Jurandir, crescer gradativamente. “Quando começou, meu avô transformava fogão, que era em querosene, para gás de botijão. Era mais uma loja de prestação de serviços”, contou, orgulhoso. “Com o passar dos anos, fomos agregando serviços, principalmente com a chegada de indústrias na cidade. Chegamos a ter mais de 20 marcas autorizadas para assistência”, celebrou.

Outro ícone da via é a Pizzaria Queiroz. Fundada em 1962 por uma família de portugueses, o local ganhou espaço na vida dos andreenses, inclusive sendo point dos jovens dos anos 1980. Hoje, quem está à frente do estabelecimento é David Vezzaro, 30, que há seis anos comprou a pizzaria justamente pela importância histórica. “Quando vi que tinha mais de 50 anos, não tive dúvidas. Tinha uma história muito bacana e uma relação de décadas na Senador, que é uma das vias mais importantes de Santo André, e isso me interessou bastante”, revelou.

Vezzaro lamenta que, com a pandemia, a frequência esteja baixa, tendo mais movimento nos pedidos por delivery. “Reabrimos, com todos os cuidados necessários, mas a retomada do movimento ainda é bem tímida. Espero que as pessoas voltem logo, e garanto que aqui tem uma das cervejas mais geladas do Grande ABC”, brincou.

OPORTUNIDADE
Para a proprietária da loja Menina Moça, Vanuza de Brito Santos, conhecida como Tati, 36, a pandemia foi um momento de oportunidade de crescimento, já que aproveitou para adquirir, reformar e inaugurar (no último dia 16) a quarta unidade do comércio.

Com duas lojas na Senador (as outras duas ficam na Rua Elisa Fláquer, também no Centro),Tati garante que o comércio local é diferenciado. “Aqui tem muito movimento. Aproveitei os três meses que tivemos de fechar para preparar um espaço maior”, revelou. “A Senador é um ponto de muito sucesso” garantiu Tati.

Calçadão que vai ligar a rua com a Oliveira Lima será entregue este mês
 

O novo calçadão comercial que ligará o Cine Theatro de Variedades Carlos Gomes, na Senador Flaquer, à Coronel Oliveira Lima, ambas no Centro de Santo André, será entregue ainda este mês. A informação foi confirmada ao Diário pela Prefeitura.

As obras, iniciadas em março, incluem, além da implantação do calçadão, a adequação do sistema de microdrenagem e repaginação do piso. No local será feita também a implantação de mobiliário, além de nova iluminação e paisagismo. O acesso seguirá até a altura do número 105 da Senador Flaquer, tendo início na esquina da Rua Dr. Cesário Mota.

A Prefeitura investiu cerca de R$ 1,4 milhão na obra, que também vai trocar os pisos das calçadas no trecho do Carlos Gomes até a Rua Siqueira Campos e no trecho da Rua Cesário Mota entre a Senador Flaquer e Xavier de Toledo.

Segundo o prefeito do município, Paulo Serra (PSDB), a obra tem o objetivo de melhorar a acessibilidade e conforto dos pedestres, dinamizando o comércio da região, que unirá duas ruas em um só espaço.

“Fizemos modernização na Senador Flaquer, dando continuidade ao calçadão da Oliveira Lima e recuperando ainda o Cine Carlos Gomes. A rua, que passou de residencial para rua dos bancos, se tornará, em breve, um polo cultural da cidade”, afirmou o chefe do Paço, que contou que a via tem importância para a família Serra. “Quando meu avô, Américo Serra, chegou em Santo André, em 1921, ele montou sua alfaiataria (Casa Serra) ali na Senador Flaquer. Então, meus avós, meus pais e depois as outras gerações, têm uma ligação muito forte com essa localização”, disse. 




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