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Posso ajudar?

Entidade tem 2.400 voluntários espalhados pelo Brasil para auxiliar quem busca por um pouco de atenção

Por Bianca Barbosa
Especial para o Diário
16/07/2018 | 07:00
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Marina Brandão/Arquivo DGABC


 Ligo para o número 188 e aguardo na linha. Uma gravação informa que é do CVV (Centro de Valorização da Vida) e pede que aguarde alguns instantes. A primeira tentativa falha. Poucos minutos depois, tento de novo. Do outro lado, alguém responde: “CVV, boa noite! Posso ajudar?”, diz Mariana, com voz doce. Conversamos durante poucos minutos, afinal não se pode atrapalhar o programa, que recebe cerca de 8.000 ligações por dia, mas foi o suficiente para entender o quanto o serviço é importante. Ela pede para não perguntar idade, sobrenome nem de onde é, para não gerar problemas, mas nos poucos minutos de conversa, Mariana revela: “Um dia já precisei de ajuda e o CVV foi minha válvula de escape. Hoje retribuo dando atenção para outros que estão aflitos e precisam de alguém que os ouça.”

Das frases que ela mais escutou ao longo dos nove anos de voluntariado, “eu não deveria existir” e “não sirvo para nada” são as mais repetidas, por gente de todas as idades. “A maioria das pessoas só quer conversar. Elas expõem os problemas e nós as escutamos. No fim, chegam sozinhas a alguma conclusão, se precisam de ajuda médica, de um psicólogo ou só desabafar mesmo.” Vale lembrar que nada substitui uma consulta médica ou um horário com o psiquiatra, mas, na maior parte das vezes, segundo Mariana, o que as pessoas querem é apenas um ombro amigo, e nisso ela se diz especialista.

Outro veterano no atendimento que salva vidas é o engenheiro Carlos Correia, 65 anos, do CVV de São Caetano. Desde 1992, ele faz parte da equipe e hoje é porta-voz do local. “Queria fazer um trabalho voluntário, procurei bastante, até que um dia vi uma faixa do centro, chamando para trabalhar lá. Fiz o curso e fui me envolvendo, me intrigava bastante o porquê de a pessoa desistir de viver”, disse, com voz calma. Ele começou a entender o processo com o tempo: “Em geral, elas ligam em momentos de crise. Vão deixando de lado, sufocando a dor, mas isso não faz bem, vira uma panela de pressão. A gente nunca sabe o que nos espera, pode vir uma notícia ruim, uma gravidez indesejada, perdas, isso tudo gera sofrimento enorme. Quando a pessoa não está em equilíbrio é perigoso”, explica.

Correia diz que o trabalho dele é “tirar a fervura da panela”, pois quando a pessoa está em crise, não consegue enxergar nada que a salve e após a conversa com os voluntários, se acalma. Em determinada situação, uma pessoa ligou por ter tomado ‘um fora’ de uma paixão, estava muito triste, mas no fim do bate-papo, contornou a situação, vendo o lado bom: “Tomei um toco? Graças a Deus!”, disse, bem-humorado.

Na rotina tranquila de acordar, se exercitar, trabalhar e cuidar do filho adolescente, Correia tira quatro horas da semana para ouvir quem precisa. “As conversas sempre tocam a gente. Me chama muito a atenção quando pessoas idosas ligam, sentem falta do contato humano, estão em isolamento tão grande que só querem ouvir um boa noite, coisa simples”, relata.

Sobre as ligações, que podem ser anônimas e durarem o tempo que for preciso, nenhuma pergunta é feita por parte dos voluntários. “Às vezes, a gente conversa com pessoas e não percebe a idade real delas, nem identifica o sexo. É um ser humano que está ali, que não tem religião, posição política, não enxergamos dessa maneira. É uma pessoa que precisa de ajuda, apenas.” Com o trabalho, o voluntário aprendeu a se conhecer melhor e a identificar os próprios sentimentos. “O médico vê a minha pressão, aponta uma dor aqui, mas o emocional é diferente, nós mesmos temos que observar.”

Associação atua há 56 anos e atende a 8.000 ligações por dia em todo o País
O CVV é uma associação civil sem fins lucrativos, com 56 anos de existência. O serviço tem cerca de 2.400 voluntários espalhados por cidades de todo o Brasil. Eles se disponibilizam quatro horas por semana para atender em torno de 8.000 ligações por dia. Atualmente, o centro de São Caetano possui cerca de 30 voluntários, mas tem capacidade para receber até 84 pessoas. Portanto, a média está abaixo do esperado. Cada voluntário de São Caetano chega a atender até 30 ligações por plantão.

Segundo o voluntário Carlos Correia, o horário da madrugada é o que tem menos voluntários no Brasil todo. “Estamos iniciando um projeto para atendermos fora da sede, em casa, por exemplo.” Quando estiver disponível, os voluntários terão mais comodidade para trabalhar em horários alternativos.

O centro atende por telefone, e-mail, chat e VoIP (Skype). Segundo a voluntária Carmela Acioli, quem se interessar em ser voluntário pode fazer a inscrição no site www.cvv.org.br, clicar no link ‘quero ser voluntário’ e completar os dados. “Para participar, além de interesse no serviço, é necessário passar por um curso de capacitação e seleção. Basta ser maior de idade e ter disponibilidade para um plantão de quatro horas e meia semanais.” A partir de agosto, serão disponibilizados cursos para novos voluntários na região. As inscrições estão abertas e já podem ser feitas a partir de agora.

A regional possui oito postos, três deles são em cidades do ABC: Santo André, na Rua Siqueira Alves, 97, na Vila Alzira. (telefone 4972-4111); São Caetano, na Rua Marechal Deodoro, 70, bairro Santa Paula (4228-4111); e São Bernardo, na Avenida Francisco Prestes Maia, 646, no Centro (4125-4111).

‘O outro sempre vem em primeiro lugar’, afirma voluntária
Também voluntária em São Caetano, Mirtes (nome fictício) marca presença no atendimento do CVV. Quando questionada se sente-se uma heroína, é enfática: “Nunca. Sou uma eterna aprendiz. O outro sempre vem em primeiro lugar”, diz, humilde. Ela é voluntária no centro há cerca de 27 anos. De início, o fato de não ficar em evidência foi o que chamou a atenção para o trabalho. “Depois, foi ver que a filosofia do CVV funciona e também perceber o cuidado na capacitação continuada dos voluntários para dar o apoio emocional”, conta. Ela diz que o voluntariado no CVV é preventivo. “Antes de o copo encher, vamos tentando esvaziá-lo.” No geral, as pessoas buscam quem as ouça sem julgamentos. Ela não se considera uma amiga, mas voluntária com disponibilidade para conversar e apoiar emocionalmente no momento, é “um ouvir fraterno, sem cobrança ou preconceito”. No status do Whatsapp, ostenta mensagem que quer levar para todos: ‘Seja a mudança que você quer no mundo’.

Para melhor atender à população, desde o início do mês, as ligações para o CVV passaram a ser gratuitas em todo o País. Um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde, assinado em 2017, permitiu o acesso gratuito ao serviço, prestado pelo telefone 188. Para quem não entende a importância de uma iniciativa como o CVV, basta conhecer os dados da OMS (Organização Mundial de Saúde): são 800 mil suicídios todos os anos no mundo. No Brasil, o registro do Ministério da Saúde aponta 30 casos por dia. No Grande ABC, a Fundação Seade informa que entre 2010 e 2015 subiu em 58,9% o número de pessoas que tiraram a própria vida.

A necessidade de falar sobre suicídio é clara, assim como a importância do CVV. Porém, a demanda alta bate de frente com os poucos voluntários, cerca de 2.400 no Brasil, eficientes, mas insuficientes para atender a todos que ligam para o 188.<EM>




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