Opinião Titulo Família
Burocracia atrapalha a adoção

Falhas do Judiciário e exigência por crianças com menos de 3 anos são os principais entraves do processo

Por Bia Moço
17/06/2018 | 07:00
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Agência Brasil


Adotar é missão que exige paciência daqueles que decidem enfrentar a burocracia necessária para realizar a vontade de ter um filho. Embora o cenário seja motivador, tendo em vista que a região possui 471 crianças aptas a adoção em situação de acolhimento e 711 pretendentes (veja arte abaixo), na prática, o processo não é simples. Os motivos são diversos: a estrutura falha do Poder Judiciário e, principalmente, no caso dos pais, a exigência por crianças com idade inferior aos 3 anos, brancas e a negativa por aceitar irmãos.

Dados do CNA (Cadastro Nacional de Adoção) do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aponta a existência de 43.696 pretendentes em todo o País para 8.860 crianças e adolescentes disponíveis para inclusão familiar. No entanto, conforme o mesmo CNA, somente 48,15% dos pretendentes aceitam adotar crianças ou adolescentes de qualquer raça. Além disso, apenas 64,11% dos candidatos estão aptos a receber tanto meninas, quanto meninos e 64,11% aceitam irmãos. Para piorar, somente 0,36% dos pretendentes nacionais aceitam crianças acima de 13 anos.

O juiz da Vara da Infância e Juventude de São Bernardo, Luiz Carlos Ditommaso, explica que há, ainda, fatores que implicam o trâmite. O primeiro deles é que o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) – Lei 8.069/1990 – determina que o Judiciário tente promover a reintegração familiar do menor antes de liberá-lo para adoção. “Até entender qual foi o problema que levou o menor à situação de abrigo, provar os fatos, estudar o caso e buscar essa reintegração, demora.”

Ditommaso destaca que, caso não seja possível a retomada do menor ao seio familiar, o próximo passo é buscar avós, tios e outros familiares capazes de obter a guarda da criança. Somente depois de constatado que toda a família não está apta a cuidar do menor ou a partir da demonstração de desinteresse é que a Justiça determina a adoção.

“Uma questão muito presente (que prejudica o processo de adoção) é a restrição que os pretendentes fazem em relação ao perfil do filho adotivo. Os cadastrados costumam escolher raça, idade, (crianças) sem irmãos, sem doenças, enfim, quanto mais se restringe o perfil, menor será a chance de que o processo corra mais rápido”, explica o juiz.

Advogado e coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Ariel de Castro Alves reforça que a preferência dos pais adotantes não condiz com a realidade dos abrigos. “Os pretendentes querem adotar bebês recém-nascidos e a maioria das crianças que pode ser adotada tem mais de 3 anos. Além disso, é comum a preferência por meninas e crianças brancas e, nos abrigos, temos, principalmente, crianças negras do sexo masculino.”

Ditommaso reforça ainda que é preciso quebrar tabus. “As pessoas não têm de ter medo da adoção. Vejo que os interessados estão mais aptos a abrir o leque do perfil. Mas é preciso quebrar a questão de que que os mais velhos podem trazer costumes e dar trabalho. Vejo histórias lindas, de muito sucesso”, diz o juiz.

 

Demora de seis meses até um ano para aprovar candidatos
Do momento em que é dada entrada no processo de adoção até a aprovação da Justiça, pais costumam esperar entre seis meses até um ano. 

Um dos principais motivos para o período de espera, na visão do advogado e coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Ariel de Castro Alves, é a falta de estrutura das Varas da Infância e Juventude. “Depois, demoram para agendar os cursos e palestras que os pretendentes precisam participar durante. As entrevistas com as equipes técnicas das varas e os estudos psicossociais também demoram, porque muitas varas se quer possuem equipes técnicas exclusivas e, quando possuem, são sobrecarregadas, já que não atuam apenas em processos de adoção”, explica.

“A falha está na Lei estadual, que é antiga. De fato, temos falta de estrutura na questão do quadro de funcionários. Faltam assistentes sociais e psicólogos para dar conta da demanda. O problema é que a demanda aumentou e não houve reformulação na lei para que o Estado contratasse profissionais”, ressalta o juiz assessor da Corregedoria Geral do Estado, Iberê de Castro Dias.

O magistrado ressalta ainda que o tempo de habilitação dos pais, de até um ano, é razoável, tendo em vista a necessidade de a Justiça analisar quem são essas pessoas. “A vida de uma criança está em jogo.”

 

Projetos sociais promovem eventos para auxiliar pais durante o processo
O casal de advogados Larissa Milani, 43 anos, e Victor Batos, 43, adotou três irmãos com idades mais avançadas. O processo correu de forma rápida, tendo em vista que aceitavam mais de um filho e não havia restrição de idade para os pequenos. Gabriele, 10, Ariele, 8, e Gabriel, 6 – nomes mantidos de acordo com o registro – são de Santa Catarina e foram deixados pelos pais por conta de drogas e álcool.

Embora o casal more no Butantã, na Capital, deram palestra ao grupo de pretendentes de São Bernardo para incentivar a adoção tardia. “Somos muito felizes. As pessoas precisam quebrar esse tabu de não adotar irmãos, e principalmente, crianças mais velhas. Temos hoje a missão de divulgar nossa história e queremos isso.”

LAÇOS DE TERNURA
O grupo de apoio a adoção Laços de Ternura é um programa do Feasa (Federação das Entidades Assistenciais de Santo André), com trabalho voltado a assessoria e capacitação de todas as entidades do município e, paralelamente, conduz o grupo de apoio. Fundado há 17 anos, o objetivo é oferecer orientação e subsídios para que as adoções tenham êxito.

O trabalho está incentivando de forma mais ativa a compreensão da adoção tardia, com doenças e inter-racial. “São encontros realizados com pais e pretendentes adotivos onde discutimos e apresentamos temas ligados a adoção dentro dos aspectos jurídicos, sociais e psicológicos”, explicou a assistente social, Maria Inês Villalva.

 

‘Filho não se escolhe’, diz mãe sobre as exigências
Embora a maior parte dos pretendentes à adoção delimite um perfil de criança, há quem esteja aberto a se tornar pai e mãe, seja como for o filho. Este foi o caso da gerente de projetos Roseli Schosser, 45 anos. A moradora de Santo André encontrou seu “grande amor”, o filho Adam, 5, em Salvador, na Bahia, quando ele ainda era um bebê.

Ela revela que, assim que foi constatada sua habilitação para adoção, soube de Adam, na época um bebê de 5 meses, com deficiência. No entanto, não titubeou diante do quadro clínico.“Além de cadeirante, ele é traqueostomizado (utiliza sonda para respirar). Sua mãe biológica era usuária de crack e o deixou. Por conta do uso da droga, ele nasceu com siringomielia, doença na medula muito rara”, destaca.

Os problemas não foram empecilho na vida de Roseli. Ela, que não é casada, sempre carregou o sonho de ser mãe. “Nossa família inteira adotou ele e somos muito felizes. Hoje, ele está se recuperando muito bem. Se todos os pais pensassem que filho não se escolhe, não seria tão difícil realizar o sonho.”




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