Política Titulo 60 anos em 60 entrevistas
‘Antigamente se pensava em união regional’
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
21/03/2018 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Aarão Teixeira até hoje sustenta o título de prefeito mais jovem do País, quando recebeu 1.359 votos e se tornou chefe do Executivo de Rio Grande da Serra aos 19 anos. Foi o precursor da família Teixeira à frente da Prefeitura de Rio Grande, que nos anos seguintes foi administrada por José Teixeira (entre 1993 e 1996) e Adler Kiko Teixeira (de 2005 a 2012). Ao se deparar com apenas R$ 32 em caixa e dívidas que superavam em três vezes o volume do Orçamento, Aarão não pensou duas vezes em pedir ajuda aos municípios mais ricos. Pediu emprestado maquinário e funcionários e assegura: a união era mais forte nos tempos antigos.

Aarão Teixeira e o Diário
Edmundo Luiz da Nóbrega Teixeira era diretor do Sindicato dos Bancários e, apesar de morar na Avenida 9 de Julho, tinha sítio em Rio Grande da Serra , onde passava os fins de semana com a família – a mulher, Zulmira, e seus sete filhos. Um deles era Aarão Teixeira. Desde cedo Aarão aprendeu com o pai a apreciar a leitura de jornais. Entre eles o News Seller, precursor do Diário. Como prefeito, Aarão ‘salvou’ algumas pautas de jornalistas do Diário. “Fiz amizades com o pessoal da Redação. Várias vezes recebia ligação porque o repórter precisava falar de data específica. E eu falava: ‘Venha aqui, tenho uma boa história’.”

Como o sr. foi parar como candidato a prefeito de Rio Grande aos 19 anos?
Meu pai (Edmundo Luiz da Nóbrega Teixeira) faleceu, dois anos antes da eleição (em 1974), estava doente do coração. Ele puxava o partido (MDB) e eu o acompanhava. Ele queria que eu fosse candidato a vereador e eu não queria. Estávamos apenas organizando o diretório e daí meu pai faleceu. Morreu aos 52 anos, era bem novo. Fiquei desgostoso da política. Depois de seis meses fui entregar o partido a quem era de direito, que eram os três vereadores que tínhamos na época, o Jackson (dos Santos), o Eliezer Menezes e Zé Leão. Quando formos entregar o partido, chamamos a presidente, a dona Madalena, para fazer essa transferência. Foi então que eles falaram que se eu não entregasse o partido iriam tomar de mim. O sangue ferveu. Dali para frente o MDB teria um candidato, eu mesmo. Fomos para briga, com 19 anos.

E como foi enfrentar uma eleição tão novo?
Era bem treinado. Frequentava as reuniões com meu pai, na casa do (Franco) Montoro. Sempre tive acesso grande à política por causa de meu pai. Ele tinha sido sindicalista. Não cheguei tão cru na política.

Depois de eleito, como o sr. encontrou a Prefeitura?
Tinham R$ 32 nas contas bancárias e R$ 600 mil em dívidas. E um Orçamento de R$ 200 mil na época, mais ou menos (na conversão da moeda da época). Assumi com pelo menos três orçamentos endividados. Com ajuda da população trabalhamos bastante. Desde que entrei na Prefeitura não parei um dia. A gente sabia tudo, quando que custava um caminhão de areia, caminhão de pedra. Virei padre, delegado, juiz, era tudo lá. A cidade tinha mais ou menos 12 mil habitantes apenas. Não tinha uma casa, um lote, que a menos de 500 metros não tivesse uma obra nossa, tudo feito com recursos próprios. Fizemos uma coisa que até os antigos de lá se questionam até hoje. Tinha amizade, conhecimento. A rua principal, a Avenida Dom Pedro I, não tinha asfalto. Pegamos o pessoal, com carrinho de pedra, e com terra mesmo para tapar os buracos. Conseguimos depois com recursos da Secretaria de Negócios Metropolitanos asfaltar aquilo lá. Minhas obras maiores eram escolas, guias e sarjetas. Éramos da oposição ao governo do Estado. Começamos o mandato com Paulo Egydio Martins (1975 a 1979), que nos ajudou um pouco até, mas quando entrou o (Paulo) Maluf acabou com tudo (Maluf assume o governo do Estado em 1979). Não tinha jeito. Tinha verba que era para asfaltar de um município a outro, ele mandava parar na divisa. A gente colocava guia, sarjeta e iluminação. Depois entrávamos na Justiça, porque a verba era carimbada. Foi uma luta diária.

Como era a relação com os demais prefeitos da região?
Tinha muita ajuda. Tinha cooperação, principalmente com o prefeito Tito Costa (de São Bernardo) e o (Lauro) Michels (de Diadema). Eles me emprestavam máquinas, engenheiros. Eu tinha engenheiro uma vez por mês, assim como um advogado. Não tinha dinheiro para tanto. Tudo foi gente que nos ajudou. Tinha um engenheiro que assinava as plantas e era da Prefeitura de Mauá. O (Estádio) Teixeirão é exemplo disso. A medição foi feita por um pessoal de São Bernardo e o maquinário foi de uma construtora que havia acabado de derrubar um morro em Ribeirão e que estava fazendo obras de guia e sarjeta. Eles aplainaram lá. Era um terreno sem dono.

Vendo os atuais debates regionais, o sr. acredita que há falta de integração como havia no passado?
Naquele tempo se pensava assim (em união). Se eles não fizerem isso, estaremos perdidos. Porque a água está em Ribeirão e Rio Grande. Se a gente poluir lá a gente perde tudo. O Consórcio (Intermunicipal do Grande ABC) é importante, mas não precisa de tanta gente. Hoje tem muitos técnicos e pouca mão de obra. Antigamente, na minha Prefeitura, eram os funcionários da Prefeitura que carpiam, roçavam. Hoje o prefeito virou um mero contratante, tudo terceirizado. A Prefeitura está cheia de gente, cheia de cabos eleitorais.

O sr. conseguiu, em 1982, emplacar seu sucessor, Willian Ramos. Mas, depois disso, nunca mais foi eleito. O que houve?
Fomos para Ribeirão Pires e estávamos tentando fazer a cidade crescer. Quando saí para prefeito de Ribeirão (em 1988), era para ser bem votado. Houve união para apoiar o (Luiz Carlos) Grecco e ele venceu a eleição. A gente tinha fundado o PSDB, em Ribeirão e em Rio Grande. Fizemos uma chapa, com três grupos, o do (Valdírio) Prisco (ex-prefeito de Ribeirão), do Manoel Mendes e o meu grupo. Mas também naquela eleição fiquei doente, tive diverticulite e tive que fazer colostomia. Não saí candidato direito.

Como era a relação sua com o Diário?
Era boa. O jornal dava suas cutucadas, mas eu chamava os jornalistas e pedia para que eles fizessem melhor do que eu. Eu não tinha dinheiro, não tinha assessor, poxa. Milagre não conseguia fazer. Tanto que fizemos amizade com os jornalistas. O Édison Motta (jornalista do Diário, morto em 2015) foi um dos grandes amigos que tive, me ajudava muito. Por eu ser o prefeito mais jovem, não havia só o Diário na nossa cobertura.

Por que Rio Grande elegeu três representantes da família Teixeira como prefeitos?
Por causa do alicerce que foi feito. O trevo fui eu quem fiz, o asfalto, guias, sarjetas. No último mandato do (Adler) Kiko (Teixeira, entre 2009 e 2012, em Rio Grande) foram terminados os calçamentos de ruas onde tinha feito guias e sarjetas. Fizemos isso porque o pessoal de Rio Grande costumava sujar o pé de barro ao ir trabalhar. A escola onde está instalado o Teatro Dona Zulmira era um brejo. Fizemos patamar grande de concreto, para não causar rachadura. Tanto que até hoje não teve rachadura. A gente fazia com amor, como se fosse nossa casa. Não era obra para durar quatro anos.

A lei permitia que o sr., mesmo com 19 anos, assumisse a Prefeitura?
Eu não poderia assumir porque era menor de 21 anos. A lei não permitia. Mas o Montoro deu uma segurada e fez projeto que eu me emancipei pelo voto popular. Um cara da Arena sempre dizia que os jovens da época gostavam de Fusca, violão e uma nega chamada Tereza (em referência à música País Tropical, composta por Jorge Ben Jor). O Montoro rebatia, dizendo que os jovens do MDB não pensavam assim e sempre me citava.

Houve atrito político entre o sr. e seu irmão e também ex-prefeito José Teixeira, com troca pública de farpas. Isso atrapalhou a relação?
Sempre soubemos separar as coisas. Política é uma coisa, família é outra. Eu não concordava com os atos políticos dele. Tudo que achava eu falava pessoalmente a ele. Lavava bastante roupa suja em casa. Ele parecia não aprender. Eu cheguei a pensar em levá-lo para a Justiça, chamar promotor. Mas, para não chegar a esse extremo, eu dava umas porradas para ver se ele aprendia, para ver se ele acordava.

Ele aprendeu?
Eu acho que não, né (risos). E olha que é bem mais velho. Ele pensa diferente, veio de Portugal, tem 70 anos.

Até hoje a relação é assim, de turbulência nos ideais políticos?
A gente conversa, ele vai na minha casa, eu vou à casa dele. Mas a política fica do lado de fora. Eu até falei para ele que nesta última eleição, quando ele foi candidato a vereador, ele tinha que ir para as ruas. Ele foi de salto alto (para o pleito) e perdeu a eleição. Quando ele foi candidato a prefeito a primeira vez (em 1988) eu ajudei até onde pude, porque estava doente. Mas a outra (em 1992) eu ajudei mais e conseguimos fazer mais ou menos o que houve na eleição de Ribeirão Pires em 2016, porque o Zé se elegeu prefeito e o Kiko, vereador. Agora, o Kiko virou prefeito de Ribeirão e o Rato (Teixeira, PTB), meu filho, foi vereador.

Como tem visto o mandato do Rato?
Ele tinha que ter mais apoio, porque o vereador hoje em dia precisa fazer lei e fiscalizar o prefeito. Hoje você vê vereador limpando rua. Você está ensinando tudo errado. Vereador é para legislar. Procurar coisas boas para o município, procurar verba para o município. Eu, por exemplo, não queria ver o Rato na política. Foi vontade dele e da mãe dele. Eu perdi minha juventude na cidade. Dei minha juventude para Rio Grande da Serra, para administrar a cidade. Eu não me arrependo, me deu uma visão muito grande.

O sr. processou seu filho por uma venda não consentida de égua. Por que o sr. decidiu fazer isso?
A gente tenta educar todo mundo, até os filhos. Quando a gente fala e ele não obedece, qual o melhor caminho para educá-los? A Justiça. Tentei no diálogo. Se eu perdesse é porque estava errado. Como ganhei, acredito que estou certo. Ele (Rato) sentiu, mexeu com ele.

O modo de fazer política mudou muito?
Muito. Antes era no fio de bigode, a gente tinha honra, tinha hombridade. Não é brigar hoje e amanhã você dá beijinho. Era honra. Hoje não tem nada disso. Você respeitava os adversários. Sempre existiu linha de conduta. Hoje a política não tem mais honra. Você faz trato com a pessoa e tem de cobrar para ela cumprir. Antes você fazia o trato e dormia sossegado. Hoje é negociata em tudo.

O sr. testemunhou aquele período de constante troca de prefeitos, seja por morte natural ou assassinatos e até renúncia – entre 1997 e 2000, Cido Franco, José Carlos Arruda, Expedido de Oliveira e Danilo Franco administraram o município. Como o sr. viu aquela época?
Eu saí candidato naquela eleição (em 1998) porque minha cidade estava precisando. E só perdemos porque o Kiko também quis sair candidato. O Danilo (Franco) ganhou, mas não podia por causa da Constituição (que veda sucessões de parentes, já que Danilo era filho de Cido Franco). Se o Kiko não fosse candidato a gente não perdia.

Por que os dois saíram candidatos então?
Porque não pode brilhar a estrela só de um, tinha que brilhar a dos dois. Ele saiu e não perdeu mandato (de vereador) porque foi eleição atípica. Depois se negociou para que Ramon (Velásquez, PT) assumisse.

Esse período de mortes atrapalhou o desenvolvimento?
O que atrapalhou foi a classe política. O desenvolvimento todo foi atrapalhado pela classe política. Porque não souberam conduzir. Eles tinham que conscientizar a população. E isso não foi feito. Em vez de unir, todo mundo separou.

O sr. tem intenção de retornar à política?
Minha última campanha foi a vereador de Rio Grande em 2008, pelo PSDB. Fui conscientizando a população, de casa em casa. As pessoas diziam que já tinham compromisso, que fulano havia pago. Foi a experiência que precisei ter para fazer meu filho vereador (Rato).  




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