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Manics com sangue renovado
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
22/01/2005 | 13:24
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Neste sábado mesmo, antes, durante ou depois da leitura desta reportagem, o trio Manic Street Preachers participa de show solidário às vítimas do tsunami que varreu a Ásia em dezembro passado, em Cardiff, capital do País de Gales e terra natal da banda. É bastante provável que entre as cinco músicas que a eles competem na performance beneficente, que terá também artistas como Eric Clapton, estejam os singles The Love of Richard Nixon e Empty Souls, faixas que preenchem Lifeblood (Sony Music, R$ 32 em média), sétimo disco de estúdio desse grupo que não se enfurnava em laboratório de gravação desde 2001, ano de Know Your Enemy, álbum anterior.

Lançado ao fim de 2004, Lifeblood já forneceu para as paradas o atual segundo single mais vendido na Inglaterra, justamente Empty Souls. E marca a ferro o retorno de um grupo formado há 15 anos e que vem peitar a lobotomia receitada ao pop-rock atual, com os adventos sistemáticos e periódicos da “banda que vai salvar o rock da UTI” ou “da melhor banda de todos os tempos da última semana”.

Qual o sangue – conforme insinua o título do disco – que corre nas artérias sonoras do MSP? É claramente um plasma que resulta da centrífuga entre U2, Joy Division, New Order e David Bowie. Um material que aí está, tão transparente, para não negar que o pop tem passado sólido e não basta redecorá-lo, como é prática corrente, mas recriá-lo para tê-lo vivo e corado.

Lifeblood não é melancolia, mesmo porque o andamento acelerado dos acordes não permite, mas carrega uma nota de lamento, sem pranto e reflexiva, sobre a humanidade e a política da vida. Em Empty Souls, cantam o destino das almas que “esperam para ser levadas para casa”, “expostas a uma verdade que desconhecemos/ ruindo como as Torres Gêmeas/ despencando como as chuvas de abril”. The Love of Richard Nixon, um bilhete musical endereçado ao ex-presidente dos Estados Unidos, encara os contrastes da existência perecível e da fama congelada em almanaques e enciclopédias de um mesmo homem, um Atlas moderno que tinha “o mundo nos ombros, o amor de sua mãe e medo do futuro” e a quem “todos traíram”, “inclusive seu país”.

O engajamento do MSP é filosófico, como James Dean Bradfield (vocal e guitarra), Nicky Wire (baixo) e Sean Moore (bateria) fazem questão de explicitar na faixa 1985, que retrata um ano em que tudo se perdeu, “exceto meu coração”, conforme previra George Orwell (autor de 1984). O presente é a ressaca do passado.

O tom de preocupação de Lifeblood é, de certa forma, uma certidão poética em resposta ao maior trauma já vivido pelo MSP, que nem Axl Rose no auge de seu estrelismo conseguiria superar. Em fevereiro de 1995, a banda perdeu Richey James Edwards, guitarrista e letrista. Não foi caso de morte; o músico e compositor simplesmente desapareceu do hotel londrino Embassy, sem deixar indício ou pista. Seu carro e passaporte foram encontrados; sorte diferente da de Richey – ex-interno de uma clínica psiquiátrica após diagnósticos como anorexia, automutilação e alcoolismo –, jamais visto desde então.

Sem extravios, é a Richey que remetem faixas como I Live to Fall Asleep (eu vivo para cair adormecido) e A Song for Departure (uma canção de partida). Os integrantes do MSP são todos amigos de infância, criados em Blackwood, cidade galesa de 20 mil habitantes. Não foi só um músico que sumiu, foi um amigo; quanto a isso, Lifeblood não deixa dúvidas.



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