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Florestas públicas na Amazônia
Marco W. Lentini, Mark D. Schulze Johan C. Zweede
24/08/2009 | 07:04
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A concessão de florestas públicas para a exploração por empresas privadas e comunidades tradicionais organizadas vem sendo apontada como uma alternativa que permitiria conciliar a conservação e o uso dos recursos naturais da Amazônia. Porém, para ser bem sucedido, esse sistema - já em prática no País - precisa superar obstáculos que vão desde percepções equivocadas de empresários sobre os custos do manejo sustentável até a carência de profissionais para sua efetiva implantação.

Em 2007, o governo iniciou o processo de concessão de florestas públicas para a produção de bens florestais como madeiras, óleos e serviços. Foi o fim de uma longa discussão sobre o tema, que culminou com a aprovação, em 2006, da Lei de Gestão de Florestas Públicas. A ideia é manejar os recursos de florestas públicas amazônicas de forma a produzir renda e empregos. O governo se encarregaria de controlar o tipo de exploração e as condições segundo as quais essas concessões serão executadas. Para o sucesso dessa iniciativa, no entanto, há desafios importantes a serem superados.

Em primeiro lugar, a história da ocupação da Amazônia é marcada pela oferta de incentivos do governo para a instalação de um modelo de desenvolvimento econômico baseado no desmatamento e na implantação da agropecuária extensiva e de baixa qualidade, o que influencia a decisão dos empresários da indústria madeireira de não investir em manejo florestal. Hoje, embora a sociedade mostre intolerância à degradação das florestas e ao desmatamento, esses hábitos persistem.

Em segundo lugar, mesmo com os avanços nas ações de fiscalização, o acesso à matéria-prima ilegal ainda é fácil e barato, e há poucos incentivos para investimento em práticas que conservam a floresta. Além disso, a falta de regularização fundiária estimula o uso predatório das florestas, já que as normas legais impedem a implantação de projetos de manejo em terras sem documentação. Finalmente, os empresários do setor madeireiro insistem em acreditar que as práticas convencionais - arcaicas, mal planejadas e sem equipamentos e pessoal adequados - trazem maiores lucros.

DESAFIOS TÉCNICOS - Importantes avanços têm sido feitos para eliminar os entraves, como as novas ações de ordenamento territorial e as medidas de apoio a pequenos, médios e grandes produtores interessados em adotar boas práticas ambientais. Esses avanços, porém, podem ser insuficientes para promover o manejo sustentável das florestas públicas, uma vez que persistem dois desafios técnicos cruciais para que a meta seja atingida.

O primeiro deles está relacionado às reais implicações do termo ‘sustentável' no manejo florestal. Segundo a maior parte dos cientistas da área, embora haja conhecimento e tecnologia para realizar a exploração madeireira com o menor impacto possível, as práticas de manejo não garantem que as espécies exploradas ou afetadas pela exploração não sofrerão prejuízos ou que não serão extintas. Portanto, o primeiro dos grandes desafios técnicos é assegurar que o manejo florestal não comprometerá os recursos públicos. A pesquisa florestal tem trazido respostas sobre como manter as florestas sadias e produtivas, mas os investimentos em pesquisa precisam aumentar para que essas respostas sejam mais elaboradas.

O segundo desafio técnico está relacionado à existência de recursos humanos. O governo brasileiro pretende, nos próximos dez anos, disponibilizar pelo menos 13 milhões de ha na Amazônia para concessões florestais, o suficiente para suprir cerca de um terço da produção atual por madeira em tora da Amazônia para fins industriais. Estima-se que para que esse sistema seja implantado de forma eficiente, em curto prazo, serão necessários pouco mais de 10 mil profissionais. Se considerarmos que toda a demanda atual por madeira em tora da Amazônia (cerca de 25 milhões de m3 por ano) poderia, em longo prazo, ser originada de manejo florestal, seriam necessários no mínimo 37,5 milhões de ha de florestas públicas manejadas. Isso corresponde a uma vez e meia a área do estado de São Paulo. Nesse caso, para que o sistema fosse bem-sucedido, usando as melhores técnicas de manejo existentes, seriam necessários cerca de 27 mil profissionais florestais, cuja capacitação exigiria um investimento substancial.

Importantes avanços têm sido empreendidos para permitir um uso mais eficiente das florestas públicas da Amazônia. Entretanto, para superar as atuais barreiras técnicas às concessões na região, é essencial investir em pesquisa científica, além de formar profissionais capazes de fazer com que o manejo de fato promova a produção sustentável de bens e serviços ambientais para a sociedade brasileira.




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