Setecidades Titulo Ribeirão Pires
É possível descansar em paz?

Cemitério está perto da superlotação e
adota rotatividade para acolher mortos

Daniel Tossato
do Diário do Grande ABC
Catarina Armelin
especial para o Diário
09/10/2017 | 07:10
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Denis Maciel/DGABC


Prestes a completar 110 anos, inaugurado no dia 3 de maio de 1908, o Cemitério São José, de Ribeirão Pires, caminha para o fim de sua vida útil. Com o número de jazigos igual ao de corpos enterrados e deficit mensal entre mortos e exumações, o espaço público corre sério risco de entrar em colapso.

Segundo a Prefeitura, são 54,3 mil jazigos, mesmo número de corpos enterrados na área de 150 mil metros quadrados, em declive. Considerando a quantidade de covas com o tamanho do terreno, há um espaço para cada 2,76 metros quadrados (em conta simples, sem levar em consideração a estrutura administrativa, velórios e sanitários, por exemplo). Ainda de acordo com dados oficiais, há demanda média mensal de 50 sepultamentos ante 40 exumações – ou seja, há necessidade de se criar dez vagas a cada 30 dias em local onde está cada vez mais raro encontrar valas. A administração, entretanto, não admite haver superlotação (veja mais abaixo), uma vez que adotou modelo de rotatividade.

Paliativos são adotados há pelo menos três gestões – Clóvis Volpi (sem partido, 2005-2012), Saulo Benevides (PMDB, 2013-2016) e Adler Kiko Teixeira (PSB), que iniciou seu mandato em 1º de janeiro. As medidas vão desde a limpeza de espaços mais remotos do cemitério à permissão de sepultamento em antigos caminhos de carrinhos que conduzem os caixões e até à redução do prazo máximo de exumações das ossadas.

A equipe do Diário esteve no Cemitério São José por três vezes entre o fim de setembro e o começo deste mês e ouviu reclamações dos munícipes. A analista de suporte Ângela Amorim, 25, visitava o túmulo do pai enterrado lá em junho. Para chegar ao jazigo, tinha de percorrer por cima de outras sepulturas. “É realmente um desrespeito ter que caminhar onde há pessoas enterradas. Mas é o jeito.”

Em 2009, então prefeito, Volpi adotou a primeira medida que ele mesmo considerou paliativa: diminuir o prazo de exumação. Antes, a ossada precisava ser retirada em até cinco anos. Após a lei 5.349, o tempo foi para três anos. “Determinei que as exumações dos corpos fossem mais rápidas, passando de cinco para três anos em pessoas adultas e de dois anos para crianças. A decisão foi tomada como um paliativo visando que algo pior não ocorresse”, consentiu o ex-chefe do Executivo.

Concomitantemente, Volpi projetou a construção de um cemitério vertical. Pediu autorização para a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), mas não obteve resposta e engavetou a ideia. Por nota, a companhia paulista afirma que Ribeirão, apesar de ter boa parte do terreno em área de manancial, pode abrir outra estrutura para receber seus mortos, desde que siga diversos trâmites burocráticos para preservação do meio ambiente local.

Outra medida para aumentar a capacidade do Cemitério São José foi feita no governo de Saulo Benevides. Entre outubro e dezembro do ano passado, 31 corpos foram enterrados na quadra 30, onde existia uma rua de servidão utilizada para passagem de veículos que levavam os caixões até as covas. O fato foi confirmado pelo encarregado administrativo Ronaldo Almeida, que trabalha no local há 20 anos. Segundo ele, o sepultamento foi realizado com autorização do governo da época sob alegação de falta de espaço útil.

Saulo não soube explicar por qual motivo jazigos foram abertos em uma rua de servidão. Também declarou que tentou efetivar a construção de um crematório, projeto esse que não avançou. O secretário de Infraestrutura Urbana no governo de Saulo, Júlio Maria, o Julião, também afirmou desconhecer o episódio. A Pasta de Infraestrutura Urbana é responsável pela administração do cemitério.

No começo do ano, a gestão Kiko informou que havia aumentado a capacidade em 300 jazigos rotativos após serviço de roçagem e limpeza de locais “repletos de mato”. O governo, segundo material encaminhado à imprensa em fevereiro, comentou sobre planos de adotar sistema de gavetas verticais “com o objetivo de ampliar ainda mais o serviço”.

A utilização do cemitério municipal é dividida por concessão gratuita, na qual os familiares pagam apenas a taxa de sepultamento, cerca de R$ 33 (são 52 mil nesta faixa). Na concessão remunerada são pagos R$ 3.193,20 e as vagas são adquiridas por meio de licitação (são cerca de 2.000 nesta modalidade).

Analista cita realocação de corpo sem aviso

Entre os familiares que tiveram que reviver a dor da perda dos entes queridos, por conta da realocação dos corpos, está a analista fiscal Denize Aparecida Lacerda, 39 anos.

No dia 29 de dezembro do ano passado, a mãe de Denize, Adelia Maria Coelho, 62 anos, foi enterrada no Cemitério São José após morrer de câncer. Para a surpresa da filha, passados nove meses do sepultamento, ela descobriu que os restos mortais de sua mãe foram colocados em outra cova, sem que ela fosse comunicada.

“Quando cheguei ao local, vi que não havia identificação das sepulturas e, ao questionar o coveiro, tive a resposta de que ali não havia mais corpos, pois se tratava de uma área irregular”, comentou Denize. “Eles não podem simplesmente abrir a cova e jogarem o corpo da pessoa para outro lugar.”

Denize disse que não sabe a data exata da realocação do corpo de sua mãe, apenas recebeu a informação de que as trocas de espaços começaram em abril. “Concordo que seria melhor mudar de lugar e, se tivessem me comunicado, eu teria comparecido ao cemitério, mas não foi o que aconteceu. Foi feito sem autorização”, relatou a analista.

Em nota, a Prefeitura de Ribeirão Pires informou que devido à não atualização dos dados cadastrais de Denize, não foi possível efetuar o contato imediato, mas que na ocasião em que ela esteve no velório municipal, após a mudança do corpo de sua mãe de lugar, as informações foram atualizadas.

O advogado Eurides Munhoes Neto alerta que, na esfera civil, o município pode até responder por violação do túmulo e transferência dos restos mortais do ente querido caso não tenha a notificação e autorização da família, podendo ser obrigado a pagar indenização por danos morais aos familiares.

Prefeitura nega proximidade de fim da vida útil do espaço

A Prefeitura de Ribeirão Pires, sob gestão de Adler Kiko Teixeira (PSB), afirmou que o Cemitério São José não está superlotado. A administração também refutou a possibilidade de fim da vida útil do espaço.

“O cemitério não está superlotado, pois existe rotatividade nas valas de concessão gratuita. E nas valas de concessão onerosa é possível a inumação (sepultamento) de até seis corpos. Quando alcançado o limite do jazigo, o cemitério pode realizar, a pedido da família, a exumação dos restos mortais (enviados para o ossário do próprio jazigo). Devido à rotatividade, não é possível estimar o tempo de vida útil do cemitério”, informou o Executivo, por nota.

O governo declarou também que realocou os 31 corpos que estavam irregularmente enterrados na quadra 30, onde funcionava uma rua de servidão para veículos condutores dos caixões. “A Prefeitura estuda a realização de obra de redirecionamento do escoamento das águas pluviais, de modo que o desvio não cause dano ao local das exumações. Se o estudo identificar impossibilidade do desvio, o local ficará inutilizado.”

A administração também declarou não existir nenhuma reforma em andamento no Cemitério Municipal, havendo previsão futura para isso acontecer.




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