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Romance 'Doze' é mais que biscate intelectual
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
02/05/2004 | 17:40
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White Mike não bebe, não fuma e não se droga. Órfão de mãe, ele assessora informalmente o pai, que é dono de uma rede de restaurantes em Nova York. Transita com desenvoltura entre a parcela jovem da alta sociedade nova-iorquina, na qual é muito benquisto aos 17 anos, uniformizado com um sobretudo da marca Brooks Brothers. Basta acionar seu bipe para ele atender prontamente, entregando o produto que representa a domicílio, do Central Park à Broadway. E não vende cosméticos. White Mike é traficante. E é o protagonista do romance Doze (232 págs., R$ 35), recém-lançado no Brasil pela Geração Editorial.

Aos 20 anos, Nick McDonell tem tudo para ser filhinho de papai. É cria de um conceituado jornalista, ex-editor da revista Rolling Stone, e de uma roteirista. Celebridades literárias como Hunter S. Thompson e P.J. O’Rourke gozam com sua família aquela intimidade que autoriza as visitas a consultarem a geladeira. Vestido em Prada e Quicksilver, Nick McDonell é escritor. E é o autor do romance Doze, produzido aos 17 anos durante um punhado de dias das férias de verão, cuja publicação pela Geração o trouxe dos Estados Unidos à 18ª Bienal do Livro de São Paulo, encerrada na semana passada.

Criatura e criador compartilham idade e ambiente social. Pronto: as possíveis relações entre um e outro, afora a precocidade do romancista, incitaram as comparações de Doze a O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, ou ainda a O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Mais lenha na fogueira das associações: são todos os três retratos de diferentes gerações de playboys sub-20.

A falta de pachorra ao buscar referenciais para o jovem autor segue até Bret Easton Ellis (Psicopata Americano e Regras da Atração). É um prodígio, não duvide, esse tal de McDonell. Mas tanto marketing, tanta informação acessória, resulta em sombra na leitura de Doze.

O título do romance faz referência a uma droga nova (e fictícia) chamada doze. É a coqueluche na jornada anfetamínica da hi-society imberbe, que desfila aditivada em open houses com seus guarda-roupas de alto padrão, enquanto os pais viajam pela Europa no intervalo entre Natal e Réveillon. White Mike, especializado em maconha, ainda ensaia a venda do novo narcótico. Um duplo homicídio abala os contatos do traficante, absorto em lembranças-relâmpago de seu passado.

Antes de acender o coquetel molotov comportamental, McDonell explicita suas influências. Cita a teoria do caos, uma espécie de efeito dominó dos fenômenos imprevisíveis no mundo ensaiada por Edward Lorenz. Menciona também Nietzsche e Camus, leituras freqüentes do traficante alter ego do autor. Segundo o primeiro, Deus estava morto; para o segundo, o silêncio de Deus era responsável pelas mazelas da humanidade. A onipotência transfere-se então para a juventude retratada em Doze, que representa uma aberração do livre-arbítrio. A uma certa altura, uma amiga diz a White Mike que ele não consome o que vende porque a sobriedade lhe dá poder sobre a “gente chapada”. Falta maturidade e controle de ritmo a Doze, mas o livro revela-se algo mais que biscate intelectual de um playboy.




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