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Dedé protagonista

Em 2018, Trapalhão de 81 anos vai estrear peça, filme e contar tudo em biografia

Por Marcela Munhoz
25/12/2017 | 07:39
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Celso Luiz/DGABC


“Estou trabalhando há dois meses todos os dias. Às vezes, me pego cansado para decorar 60 páginas, mas fiquei doido por esse trabalho. Mesmo com 81 anos sinto que tenho muito a viver, ensinar.” Assim, cheio de modéstia, Manfried Sant’Anna conversou à vontade, sentado em uma das cadeiras de teatro na Capital para falar sobre seus orgulhos, frustrações, mágoas e sonhos.

Dedé, um dos quatro Trapalhões, está se preparando para estrear Os Palhaços, peça dirigida por Alexandre Borges, em janeiro em Brasília e, provavelmente, em março em São Paulo. Na trama, escrita por Timochenko Wehbi na década de 1970, o palhaço Careta (Dedé) e o espectador Benvindo (Fioravante Almeida) refletem sobre o rumo que suas vidas tomaram. “Apesar de estar com uma ‘friagem’ na ‘garagem’, estou vendo estrelas com esse personagem, são várias facetas em uma só pessoa. Além do mais, nasci no circo.”

Dedé é filho do palhaço Picolino (Oscar Santana) e da contorcionista Ondina Santana. Aprendeu muito do que sabe sob as lonas e tem na sua origem o maior orgulho da sua vida. “Levei o humor do circo para a televisão com os Trapalhões.” Mas foi também para ajudar os pais no circo que perdeu a chance de estar em uma das produções brasileiras que mais fez sucesso: O Cangaceiro, de Lima Barreto – em janeiro faz 65 anos de lançamento – gravado na Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em São Bernardo. “Era para ter sido um dos garotos, mas meu pai não deixou. Cada vez que via o filme, chorava.”

O circo da família de Dedé vivia pelo Grande ABC. Foi em São Bernardo que o artista ouviu sua primeira vaia. “Meu pai tinha anunciado Tonico e Tinoco, mas por causa da agenda eles atrasaram. Tentei distrair a plateia, parece que não deu certo”, diverte-se o Trapalhão, que chegou a morar perto da Cidade das Crianças, época em que se aproximou do compadre Mussum, que morava no bairro Baeta Neves. “Sempre ria dele nos shows dos Originais do Samba. Após mais de dez anos de parceria com o Didi, precisamos aumentar o programa na TV e chamamos Mussum. Na sequência, chegou o Zacarias, de terno e gravata”, detalha.

Antes do indiscutível sucesso nos Trapalhões, Dedé trabalhou nos bastidores. “Meu sonho era ser piloto de avião ou diretor de cinema. Minha família não teve condições, então, virei contrarregra. A oportunidade surgiu quando faltou um ator. Acertei de primeira. Nós, os mais ‘usados’ tivemos direito de errar, experimentamos na medida que fomos fazendo. A nova geração não pode.”

O artista afirma que gostou do remake feito recentemente pela Globo do quarteto e que admira o trabalho dos novos comediantes como Lucas Veloso (no papel de Didi), Gui Santana (Zacarias) e Leandro Hassum. “No início fiquei com medo (do remake), mas considerei boa homenagem.”

Quando o assunto são homenagens, Dedé chega a embargar a voz. Desde o início da década de 1960 produzindo e atuando em filmes – foram mais de 150 milhões de espectadores nos cinemas -, ele lamenta nunca, sequer, ter sido chamado a participar de festivais. “Sinto-me injustiçado. Batemos recordes de bilheteria, dirigi ‘na marra’, ensinamos as crianças a gostar das produções nacionais e nunca veio um convite, não digo homenagem – o que, sinceramente, acho que também merecia –, mas sequer para assistir, que já seria de bom tamanho. Será que eles vão esperar eu morrer?”, questiona o velho, doce e incansável Trapalhão, que estará em, ao menos, dois filmes em 2018: A Repartição do Tempo e Pura Ficção.
 

Livro traz todos os detalhes dos altos e baixos do artista

A história de vida do Dedé está longe de ser resumida em Os Trapalhões. O comediante, que já foi verdureiro, engraxate, ajudante de mecânico e cortador profissional de camisa, soma tragédias pessoais e histórias de superação. Ele perdeu o pai muito cedo, chorou a morte de um filho por leucemia (ele é pai de oito), foi casado quatro vezes, entrou em depressão após perder o irmão, viveu na pobreza e chegou a dormir na rua.

Além dos trabalhos artísticos, participa bastante de ações solidárias, especialmente em Barra Velha, em Santa Catarina, onde frequenta eventos nas entidades e comunidades carentes. Sempre lamentou não ter gerenciado o dinheiro da forma certa e carrega a fama de ser o mais sério dos Trapalhões.

Todas as facetas da vida de Dedé estarão em biografia (pela editora Estronho), que deve ser publicada no começo do ano. Quem teve a ideia foi Rafael Spaca, radialista, pesquisador cultural, escritor e fã dos Trapalhões, autor de outras obras sobre o quarteto. Ele recebeu ajuda de Vitor Lustosa, amigo e colega de trabalho há décadas do artista. “Ele estava reticente e me disse: ‘Você quer escrever a minha biografia? Tudo bem, faça enquanto estou vivo’”, conta Lustosa. “Com disposição e paixão, desenvolvemos cronograma de entrevistas para mergulhar no rio subterrâneo de Manfried Sant’Anna acompanhando-o Brasil afora.”

“Dedé é uma figura subestimada. Dos Trapalhões é o que mais se aproxima de nós, com sua vida errática, cheia de nuances”, explica Spaca, que recomenda a biografia porque ela não tem amarras ou censura. “Estamos instigando a memória de Dedé. São mais de 1.000 documentos pesquisados, procurando fatos ocultos e desconhecidos e fazendo-o reviver tudo aquilo que presenciou. Sua vida é rock’n’roll não é bossa nova”, garante.




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