Setecidades Titulo Habitação
Barraco na periferia da região custa até R$ 25 mil

Mercado ilegal de venda de lotes em áreas invadidas é impulsionado pela crise econômica do País

Por Daniel Macário
03/09/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


 Sustentado pelo antigo e ainda não resolvido problema de falta de habitação – o deficit regional é de 230 mil moradias –, o comércio ilegal de venda de moradias em assentamentos precários e áreas invadidas tem se espalhado por municípios do Grande ABC. Sem qualquer tipo de documentação que garanta a propriedade do lote, barracos são negociados com facilidade pela internet e nos próprios terrenos invadidos. O custo da moradia irregular pode chegar até R$ 25 mil.

Impulsionado, segundo especialistas, pela crise econômica do País, que além de frear a produção habitacional também diminuiu o poder aquisitivo dos brasileiros, o mercado ilegal de venda e compra de moradias ocorre de forma escancarada, sem qualquer preocupação dos vendedores com a fiscalização por parte do poder público ou da polícia.

A venda, inclusive, é feita próximo de grandes empreendimentos imobiliários construídos na região. Ao longo da última semana, a equipe do Diário percorreu invasões espalhadas pelos municípios de Santo André, São Bernardo e Mauá. Nestas áreas, é possível, por exemplo, comprar por R$ 3.500 barraco de um cômodo no Morro da Kibom, núcleo carente de Santo André, localizado em área de risco. E para fazer a compra não é preciso nem sair de casa. Anúncio publicado em página do Facebook detalha o imóvel e ainda destaca os “benefícios” do negócio, como o custo zero pelo fornecimento de água e luz, já que as ligações clandestinas garantem os serviços. “Tem fio que passa em cima do barraco. É só ligar”, explica um vendedor à equipe de reportagem sobre a instalação da ligação clandestina.

Nas invasões, a situação não é diferente. Placas instaladas na frente das moradias anunciam as vendas, sem qualquer receio de fiscalização. No Morro do Tucano, invasão instalada no Jardim Oratório, em Mauá, a equipe do Diário encontrou barraco com dois cômodos ao custo de R$ 5.000. “Quero vender, pois vou me mudar para o Interior”, disse o ocupante, sem se identificar.

Em São Bernardo, mesmo com a proibição de ampliação do Núcleo Pereira Barreto, no bairro Baeta Neves, é possível encontrar moradia de alvenaria à venda. Neste caso, o proprietário não foi localizado pela equipe do Diário até o fechamento desta edição. Mesmo cientes de que a venda e compra de lote sem registro é ilegal, uma vez que desobedece o artigo 37 da Lei 6.766/79 – que fala sobre os loteamentos clandestinos, sujeito a crime de estelionato – muitos compradores enxergam na compra dos imóveis irregulares alternativa para realizar o ‘sonho da casa própria’.

“Pagava R$ 500 de aluguel por dois cômodos na minha outra casa. Aqui, meu marido e eu juntamos uma economia de R$ 4.000 para saírmos do aluguel”, cita uma moradora do Jardim Oratório, em Mauá, que arriscou comprar um lote irregular no fim do ano passado. A moradora, que possui uma filha de 2 anos, entretanto, assume o medo de ser despejada da área. “Nosso único medo é um dia a Prefeitura vir aqui e destruir a casa, o que é direito deles”.

Não é possível precisar ao certo o quanto de dinheiro este mercado ilegal movimenta. No entanto, especialistas descrevem série de danos causados pelo comércio clandestino. “Estamos falando de uma prática ocasionada pela crise econômica do País, mas que, na verdade, afeta todo um sistema, com a explosão de atividades ilícitas nesses núcleos, além de problemas de urbanização e depredação do meio ambiente”, enfatiza Rodrigo Oliveira Salgado, professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O discurso é compartilhado pelo secretário de Habitação e Regularização Fundiária de Santo André, Fernando Marangoni. “É um problema que tem crescido em todo o País e que dificulta ações do próprio município em sanar a falta de moradia, além de impactar em todo o sistema como Saúde e Educação.”

 

Municípios dizem investir na fiscalização
Cientes das dificuldades para sanar o deficit habitacional da região, estimado em 230 mil moradias, conforme último levantamento do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, prefeituras afirmam investir na fiscalização de áreas espalhadas pelos sete municípios. Em Santo André, segundo o secretário e Habitação e Regularização Fundiária de Santo André, Fernando Marangoni, além da implantação de um cadastro único para programas habitacionais, o município tem empenhado esforços na criação de mecanismos que possibilitem à administração pública sanar a problemática de invasões. “Neste ano já conseguimos realizar a reintegração de posse de duas áreas.”

Paralelo a isso, o município realiza o mapeamento de áreas particulares consideradas abandonadas, tendo como objetivo reaver possibilidade da posse do imóvel, inclusive lotes que sofreram invasões recentemente. O mesmo mecanismo tem sido utilizado por São Bernardo que afirma, por meio de nota, “realizar rigorosa fiscalização para controle e interrupção de adensamento populacional irregular em área de preservação ambiental permanente”.

GRUPO DE TRABALHO
Em Mauá, o atual secretário de Habitação, Marco Ratii, afirma ter criado, no último mês, grupo de fiscalização composto por integrantes de diversas pastas, que será responsável por realizar três vezes por semana rondas em invasões espalhadas pela cidade com o objetivo de promover a reintegração de posse de lotes cuja propriedade seja da administração municipal. “Nosso objetivo é recuperar essas áreas invadidas que futuramente poderão ser utilizadas para construção de escolas, unidades de Saúde”, explica. Dentro desta proposta, o município visa ainda coibir a venda de propriedades irregulares, além de combater novas ocupações.

Ribeirão Pires, que possui 34 núcleos de moradias irregulares, também tem empenhado esforços na fiscalização dos assentamentos. Os demais municípios não retornaram aos contatos do Diário até o fechamento desta edição.




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