O epicentro da crise é o Departamento de Cochabamba (centro), reduto do setor camponês historicamente mais aguerrido e radical do país. A crise tem ultrapassado todas as previsoes e eclipsado as conseqüências políticas das 776 greves registradas entre 1982 e 1985, durante o governo do ex-presidente Hernán Siles, que teve seu mandato encurtado para quatro anos, num período marcado pela hiperinflaçao, que chegou perto dos 25.000%.
O governo é muito malvisto na regiao de Chapare, centro de Cochabamba, a cerca de 600 km de La Paz, onde sao realizadas as maiores operaçoes do governo contra o narcotráfico no país, nos últimos três anos. Cerca de 60 mil famílias indígenas conseguem seu sustento, há décadas, através do cultivo das folhas de coca, que sao a matéria-prima principal para a elaboraçao da droga.
Numa situaçao sem precedentes desde 1982, a crise social e econômica está fazendo ruir, a olhos vistos, a estabilidade política do governo Banzer, segundo o analista político Marcelo Varnoux. Entre estes fatores, estao a falta de atençao do governo às exigências dos sindicatos nas cidades e no campo, onde a miséria é crescente.
Banzer, que nas últimas horas manteve reunioes com o empresariado boliviano, a Igreja e a Defensoria Pública, na tentativa de encontrar uma soluçao para a crise, atravessa o pior momento de seu governo em 31 meses.
As atividades no país se desenvolvem a marcha forçada, sob estrito controle policial-militar e em meio a conflitos de rua. Em Achacachi, a 100 km de La Paz, dois indígenas e um oficial do exército morreram no final de semana. Em Cochabamba, outros dois manifestantes morreram. A sexta vítima dos conflitos morreu na comarca andina de Batallas, perto de La Paz.
A crise econômica internacional foi mais sentida na Bolívia, onde as medidas do governo para reduzir o déficit público nao sao bem recebidas. O mais recente estopim das manifestaçoes é a chamada Lei das Aguas, que provocou protestos e açoes de desobediência civil dos camponeses, levando o perigo do desabastecimento às principais cidades do país.
Na manha desta terça-feira, a cidade de Cochabamba estava praticamente sitiada por 10 mil camponeses, apenas três dias depois de um protesto dos policiais contra o estado de sítio - recurso constitucional usado pelos governos de Víctor Paz (1985-89), Jaime Paz (1989-93) e Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-97) - e por melhorias salariais.
O ambiente é de alta tensao na regiao, apesar de a concessionária Aguas del Tunari - gerenciada pela Internacional Water Limited, da Gra-Bretanha, associada à empresa espanhola Abengoa e a dois poderosos empresários bolivianos - ter rescindido seu contrato, que gerou muitos protestos em La Paz.
Acusada pelos empresários de ``subversao política financiada pelo narcotráfico', a populaçao de Cochabamba exigiu que a empresa abandonasse o país, por causa de suas altas tarifas e principalmente por ter decidido cobrar, antecipadamente, suas contas aos usuários, a pretexto de construir uma represa.
Enquanto que o governo se reúne nos gabinetes para pensar numa soluçao para a crise generalizada, a Central Operária Boliviana (COB, que representa 40 mil trabalhadores) buscou o apoio dos estudantes das universidades públicas e dos camponeses, desafiando abertamente o estado de sítio - tudo com o apoio do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Para esta quarta-feira, está sendo convocada uma greve geral para exigir a revogaçao do estado de sítio, a indenizaçao para as famílias das vítimas dos conflitos com a polícia e protestar contra a política liberalizante do governo.
O cerco político a Banzer está aumentando cada vez mais. Três congressistas da oposiçao se declararam em greve de fome, para exigir a suspensao do estado de sítio. As organizaçoes políticas e sindicais de Santa Cruz, regiao mais rica da Bolívia, à margem dos conflitos até segunda-feira, também anunciaram oficialmente sua resistência ao estado de sítio.
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