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Grande ABC precisa fortalecer a regionalidade

Economista Ricardo Balistiero acredita no potencial do Grande ABC, porém, defende que as sete cidades precisam de mais união

Por Flavia Kurotori
Especial para o Diário
02/07/2018 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


 Professor há 16 anos, após passar 12 no ramo da aviação, o economista Ricardo Balistiero acredita no potencial do Grande ABC, porém, defende que as sete cidades precisam de mais união.

Paulistano de nascença, mas são-bernardense de coração, teve o primeiro contato com o Diário no Ensino Médio, quando acompanhava os desdobramentos da primeira eleição municipal após a redemocratização do País e conscientizava os colegas por meio do grêmio estudantil.

Mais tarde, em 2004, iniciou relação profissional com o jornal, tanto como colunista quanto como entrevistado para o caderno Economia.

Quais foram as principais mudanças, desde sua primeira entrevista ao Diário, em 2004, no cenário econômico da região?

A região continuou o processo de modernização da indústria, porque, ao contrário do que se discutia há 14 anos, o Grande ABC não se desindustrializou e as fábricas que estão aqui têm grande peso no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, e que se modernizaram muito. Mas acho que conseguimos algumas evoluções muito importantes na área do Ensino Superior. Alcançamos o fortalecimento de algumas instituições e a região ganhou uma universidade federal. Ainda há uma distância grande entre academia e indústrias. Não estamos no modelo ideal. Entretanto, as universidades passaram por um processo forte de amadurecimento, o que não aconteceu, infelizmente, na Educação básica e média. Sei que é um problema nacional, mas é uma questão muito grande para uma região que precisa de mão de obra qualificada, como é o caso do Grande ABC.

Assim, na sua opinião, atualmente, o governo deveria priorizar investimentos na Educação Básica?

A abertura da UFABC (Universidade Federal do ABC) é muito boa, mas, como prioridade, a Educação Básica seria opção melhor. É pegar a criança que nasceu pobre e a que nasceu rica e dizer que a desigualdade delas acaba na escola, pois em oito anos sairão com as mesmas competências. A criança que o pai pagou uma escola particular e outra que teve Educação pública estarão em pé de igualdade quando terminarem o ciclo. O dia que isso acontecer no Brasil, a gente deu certo. Desigualdade existe e sempre vai existir, o que não pode é criar desigualdade de oportunidades. E, quando investe em (universidade) federal, mesmo que seja melhor do que o dinheiro ficar escorrendo pela corrupção, não garante que aquela criança que nasce na favela vai ter acesso a essa universidade.

Conforme publicado pelo Diário (18 de fevereiro), o número de grandes indústrias caiu. Entretanto, a quantidade de pequenas fábricas subiu. Este é fato positivo?

Sim. Isso é muito bom. É natural que, com o desenvolvimento do País, outras regiões industriais acabem surgindo. A grande questão é que há 14 anos dizia-se que o Grande ABC seria a nova Detroit (Estados Unidos) e não é verdade. Atualmente, nós podemos perceber que as grandes automobilísticas ainda estão aqui e modernizaram suas plantas. Algumas indústrias saíram, outras surgiram e outras vieram. Atualmente, não somos apenas um polo industrial importante, como também um polo de serviços e comercial. O Grande ABC segue relevante, mesmo com seus problemas, que não são poucos.

Com a falta de definição do Rota 2030, o setor automobilístico está sem incentivos desde dezembro. Na sua opinião, quais são as consequências da falta do programa para o Grande ABC?

Programas de incentivo são sempre importantes para qualquer ramo industrial. Toda vez que a gente gera estímulos, principalmente tributários, são positivos em qualquer setor, uma vez que partimos do pressuposto de que, para nossa faixa de renda, temos a maior carga tributária do mundo. O setor automotivo é um dos poucos setores que conseguiram reagir relativamente rápido após o ápice da crise. Há um atraso e ele não é bom para a indústria. Todo tipo de incentivo que seja dado a qualquer setor industrial tem resposta no aumento da demanda e isso é muito bom, principalmente neste momento de saída da crise.

O que precisa acontecer para que possamos assegurar que o País se recuperou da crise econômica?

Hoje, temos quem está comprando dólar com medo do resultado das eleições, aqueles ‘fugindo’ do Brasil para os Estados Unidos, além de investidores saindo do País porque a taxa (de juros) Selic está baixa. No caso do dólar, por exemplo, a empresa que deseja investir R$ 1 bilhão em infraestrutura na planta brasileira não tem certeza sobre quem será candidato à Presidência e, muito menos, quem será eleito. Assim, o empresário prefere esperar, atrasando a vinda de investimentos. Hoje, o calendário eleitoral está ditando todo o ritmo de 2018. É muito difícil o País não crescer de 2% a 2,5% porque a base de comparação é muito ruim. Mas, quanto este crescimento poderá se manter em 2019? Aí, certamente, só as eleições podem dizer.

Quando os candidatos forem definidos será possível prever os rumos da economia?

Tudo começa ainda na campanha. A questão é o candidato não ser demagógico. Sabe aquela coisa que o candidato diz que tem uma fórmula para resolver sem a reforma da Previdência? Nem vota. Ele pode ter uma fórmula engenhosa para reformar a Previdência, mas ele terá que apresentá-la. Porém, se ele disser que não precisamos da reforma, nem vota. Porque qual a primeira coisa que ele irá fazer? No segundo dia de mandato, ele vai sentar para aprovar a reforma da Previdência, pois, caso contrário, não terminará o mandato, dado que não terá recursos para pagar as contas. Se não tivermos a reforma da Previdência, ele vai cortar de onde? Da Educação e Saúde, que viverão situação ainda mais dramática.

Assim, podemos afirmar que os próximos dez anos dependem da eleição de 2018?

O lado bom da democracia é que nós vamos definir qual será nosso futuro, se iremos eleger um ‘aventureiro’, que irá dar fórmulas fáceis e nos colocar numa crise pior, ou se, de fato, estamos dispostos a fazer um sacrifício de dizer ‘o que precisa ser feito?’ e ouvir que precisamos da reforma da Previdência, tributar dividendos e tributar algumas aplicações financeiras. Dentre outras coisas, também precisamos de recursos para poder fazer políticas sociais, uma vez que temos mais de 10 milhões de pessoas sem emprego, precisamos fortalecer a Educação e a Saúde públicas. Os próximos quatro anos precisam ser não apenas de ajustes, mas de implementação de coisas que o Michel Temer até tentou. O próximo presidente precisa ser, principalmente, limpo de corrupção, porque o atual governo tinha boas intenções, mas o problema são todas as denúncias de corrupção que pairam sobre o presidente, que, mesmo na direção correta, tem mais de 70% de desaprovação.

Para a região manter seu porte industrial, especialistas defendem diálogo entre academia, indústrias e poder público, por meio do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. O senhor acredita que este relacionamento é solução?

As criações do Consórcio e da Agência de Desenvolvimento foram dois passos importantes para que o Grande ABC possa se desenvolver como região. Porém, questões políticas acabam suplantando o diálogo. A região já perdeu e continua perdendo grandes oportunidades de se fortalecer porque questões políticas subjacentes acabam falando mais alto. Sou favorável ao diálogo em todos os setores, de uma aproximação cada vez maior das universidades com as indústrias e o poder público, mas desde que as questões políticas sejam deixadas de lado.

Na questão da recuperação econômica, há algo particular que é necessário ser feito para o Grande ABC retomar o rumo do desenvolvimento?

Temos um cenário regional ruim, mas coisas podem ser feitas. É preciso deixar as questões políticas de lado e fortalecer a nossa regionalidade. Somos sete municípios, então temos que deixar a política de lado e fortalecer essa regionalidade. E volto para a questão da Educação. O Grande ABC precisa pensar no que pode ser feito para fortalecer o Ensino Básico, além do Técnico, que precisa ser melhorado e temos condições para isso.

Se tivéssemos essa união entre as cidades há mais tempo, os efeitos da crise poderiam ter sido menores na região?

Sim. A China sofreu menos com a crise de 2008 do que a Grécia. A Alemanha sofreu menos do que Espanha e Portugal. O que isso quer dizer? Significa que quanto mais preparado você está, menos grave será aquilo que vem de variáveis exógenas, que são impossíveis de controlar. Seríamos afetados de qualquer forma, porque não somos uma ilha, mas teríamos condições de minimizar efeitos. Quando uma fábrica abre em uma cidade, não é da cidade, é da região. Mas o prefeito celebra como vitória dele e, quando faz isso, encerra qualquer perspectiva de pensar como uma contribuição regional. A Volkswagen não é de São Bernardo, é do Grande ABC, e assim por diante.

Que tipo de fortalecimento poderia ter sido feito para minimizar os efeitos da crise no Grande ABC?

A partir do momento em que temos condições de firmar acordos internacionais que permitem, de alguma forma, consumir produtos produzidos aqui na região, dado que o Grande ABC é supridor de produtos em âmbito nacional. Vamos lembrar que a saída para a indústria automobilística nos últimos dois anos foi exportar. Assim, mesmo sendo afetada na crise, a região tem saídas. Temos condições regionais, mesmo afetados pela crise, para mostrarmos que somos importantes do ponto de vista da renda, como supridora de produtos para outras regiões do País e, principalmente, nas relações internacionais.  




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