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São Bernardo vai levar moradores de rua à força para os abrigos com temperatura inferior a 5ºC

Paço tem amparo judicial; especialista critica medida e coordenador de movimento fala em ação higienista

Por Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
21/05/2022 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


São Bernardo irá obrigar moradores em situação de rua a dormirem nos abrigos públicos quando a temperatura estiver abaixo dos 5°C – nesta semana os termômetros chegaram a 6°C na cidade. A decisão, anunciada pelo prefeito Orlando Morando (PSDB), tem amparo em permissão concedida pela juíza Inês Del Cid, da 2° Vara da Fazenda Pública de São Bernardo. A mesma medida havia sido implantada no ano passado e é a única vigente no Grande ABC. O chefe do Executivo alegou preservação à vida da população de rua e baixa adesão aos abrigos como justificativas para o acolhimento compulsório.

Atualmente a cidade conta com Centro de Acolhimento 24 horas, usado para pernoite e atende até 150 pessoas e, Centro de Convivência e Moradia Provisória, com 30 vagas. “Nós temos lugares para eles dormirem, com condições dignas. Para nossa tristeza, Mauá e São Paulo registraram vítimas fatais em razão do frio. É isso que não queremos”, pontuou Orlando em transmissão nas redes sociais.

O coordenador regional do Movimento Nacional da População de Rua, Thiago da Silva Quintanilha, é contrário à medida e acusa a administração são-bernardense de querer higienizar a região central. “No ano passado lutamos para derrubar a liminar do acolhimento obrigatório. Falta atendimento humanizado nas abordagens, o serviço de assistência social não acompanha, apenas a GCM (Guarda Civil Municipal) e o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). A Prefeitura utiliza essa desculpa do frio para retirar à força as pessoas da rua”, contesta Quintanilha, que ficou em situação de rua em São Bernardo por três anos.

Segundo o artigo 23 da resolução de número 40, publicada em 2020 no Diário Oficial da União, que dispõe sobre as diretrizes para promoção, proteção e defesa dos direitos humanos das pessoas em situação de rua, o Estado deve às pessoas vulneráveis o direito à cidade, constituído, entre outros, como o direito de ir e vir. O artigo 38 do mesmo documento especifica ainda que o atendimento em abrigos públicos “devem garantir o direito de ir e vir, com flexibilização de horário de entrada e saída, de acordo com as necessidades dos usuários”.

O advogado e especialista em vulnerabilidade Marcelo Válio explica que é proibida a remoção das pessoas em situação de rua, bem como adotar medidas que forcem seu deslocamento permanente. “Devido à atual situação climática, porém, a liberdade da população de rua deve ser flexibilizada frente ao risco de morte, prevalecendo o direito à vida diante do direito de liberdade de escolha. Prepondera o direito de maior significância ao ser humano sobre aquele a que o órgão jurisdicional competente atribuir peso menor.”

Enquanto anunciava o recolhimento compulsório, Orlando alegou que a população de rua opta por morar nas vias da cidade. “Aqui a proteção não é só com máscara e vacina, mas é, também, para aqueles que, infelizmente, buscaram a rua como opção para viver, não é uma população fácil, porque eles não querem sair da rua, tanto que sobra vaga no albergue”, disse o chefe do Executivo.

Ariel de Castro Alves, advogado e especialista em políticas de direitos humanos e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Bernardo, criticou a fala do gestor.

“Se sobram vagas nos albergues, a Prefeitura precisa verificar porque os moradores em situação de rua não querem ir. Locais inadequados, horários rígidos que excluem quem precisa trabalhar e fazer bicos para sobreviver, não aceitam os cães e gatos das pessoas, não têm locais para colocarem os carrinhos dos catadores, entre outras situações. Pensar que as pessoas vão para as ruas por opção é um pensamento egoísta e elitista de quem tem emprego, salário, casa confortável, e todas as condições sociais e econômicas.”




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