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Fantasia à Tim Burton
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
21/10/2005 | 08:52
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Overdose de Tim Burton este ano. Depois de refazer e personalizar A Fantástica Fábrica de Chocolate, que estreou no país em julho, o diretor sai agora com A Noiva-Cadáver, animação que emprega stop motion, técnica de filmagem quadro a quadro com marionetes, tratada via computador. A técnica o espectador já conhece de O Estranho Mundo de Jack e James e o Pêssego Gigante, forjadas também por uma estética e uma obsessão tipicamente burtonianas. No entanto, Burton não se creditava como diretor em nenhum dos dois filmes, apenas como produtor. Agora é diferente. A Noiva-Cadáver tem praticamente todos os caracteres do diretor e seu nome está lá, em letras garrafais em cartazes e outras peças promocionais, para que ninguém se engane: esta é uma obra de Tim Burton (com co-direção do animador Mike Johnson).

E como tal, foi providenciada a escolta de atores e colaboradores habituais do diretor. Johnny Depp empresta voz e feições ao protagonista Victor; a atriz e mulher de Burton, Helena Bonham Carter, responde pela modelagem vocal da noiva-zumbi Emily; o compositor Danny Elfman é o autor da trilha sonora; e atores como Albert Finney e Christopher Lee também cedem seu sotaque, a personagens secundários.

Inglaterra, século XIX: Victor é o filho único de um casal de emergentes que trabalha no comércio de peixes, com muita bufunfa e poucos modos. Por obra dos pais, de olho no estreitamento das relações com camadas mais nobres da sociedade britânica, está de casamento marcado com Victoria (voz de Emily Watson), filha única de um casal de aristocratas que possuem muita educação mas, nos bolsos, nada além de traças.

No encontro de Victor e Victoria, que nunca haviam se visto antes, parece reinar aquela atmosfera de "nunca te vi, sempre te amei". Durante um passeio noturno, entretanto, o noivo ensaia os votos de casamento dirigindo-se às árvores e sombras de uma floresta decrépita ao lado do vilarejo onde mora. Pelo menos, assim parecia. Ao proferir os votos em alto e bom som, Victor desperta do sono eterno Emily, uma noiva enterrada na floresta depois que o homem com quem se casaria a enganara, de olho apenas em seu dote, e a assassinara. Emily jura de pés juntos que os votos bradados sob a lua da Inglaterra são um pedido de casamento de Victor. E ela aceita.

As peculiaridades do cinema de Burton estão expostas. O cosmo real e o fantasioso em franco corpo-a-corpo, numa chave que em vez de privilegiar o choque prefere a transigência entre os pólos – e olhe que a brincadeira aqui lida com quem respira e com quem deixou de respirar há muito tempo, mas não abandonou os hábitos de andar e falar.

Burton já deixou bem claro, tanto em Peixe Grande como em A Fantástica Fábrica de Chocolate, tanto em Ed Wood como em Edward Mãos de Tesoura, a sua preferência pelo mundo do faz de conta em detrimento do ponderável. Em A Noiva-Cadáver, o ambiente que hospeda os vivos tem cores e códigos modorrentos, um clima lúgubre que sintetiza os vícios de quem tem coração pulsante; já a vila dos mortos usa e abusa das colorações e de uma alegria raramente associadas ao além-túmulo. A posição do autor é clara: os zumbis são mais divertidos e interessantes que aqueles que pisam sobre suas covas, narrativamente falando.

Muito divertido, sobretudo na cena em que a zumbizada invade o vilarejo e maridos mortos encontram suas viúvas, irmãos revêem quem os velou. Mas há de se questionar qual o sentido de A Noiva-Cadáver dentro da obra de Burton. Parece uma resposta, ou melhor, uma reavaliação de Edward Mãos de Tesoura com a inversão de valores nos contrastes representados, num contexto atual no qual Burton parece debruçar-se não exatamente sobre a fantasia, mas sobre suas causas. A simbiose que o cineasta sugere entre a dimensão real e a dimensão do devaneio, que chegara ao cume com a paixão homem-chimpanzé de O Planeta dos Macacos, parece não chegar a um termo nesta animação, parece um recuo, um retrocesso. A Noiva-Cadáver é visualmente lindo, tematicamente interessante, mas representa um passo atrás do cineasta. Tudo bem: Burton continua no lucro, porque face à sua filmografia, ele precisaria dar ao menos uns 20 passos em marcha-a-ré para realizar algo digno de indiferença.

A NOIVA-CADÁVER (Corpse Bride, EUA, 2005). Dir.: Tim Burton e Mike Johnson. Versões legendadas com as vozes de Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Emily Watson, Christopher Lee, Albert Finney, Tracey Ullman, Danny Elfman. Estréia nesta sexta-feira no ABC Plaza 5, Shopping ABC 1, Central Plaza 1 e circuito. Duração: 76 minutos. Censura livre.




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