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O futuro das sete cidades

Diário ouve especialistas para traçar mapa dos problemas e listar as soluções para os municípios, que não podem deixar a regionalidade fora da pauta da eleição

Raphael Rocha
Junior Carvalho
do Diário do Grande ABC
17/10/2020 | 23:59
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Celso Luiz/DGABC


As sete cidades que formam o Grande ABC têm suas particularidades, mas, ao mesmo tempo, convivem com problemas que avançam os limites. A eleição do dia 15 de novembro – portanto, daqui a menos de um mês – serve para definir os prefeitos de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Gestores esses que, além dos desafios locais, precisam de olhar regional para buscar soluções.
 

O Diário reuniu especialistas que mapearam as falhas do Grande ABC e traçaram ideias para a região em cinco eixos: meio ambiente, segurança pública, mobilidade urbana, educação e economia.
 

Os quase 2,9 milhões de habitantes dividem angústias, como poluição dos mananciais e avanço de moradia irregular às margens da Represa Billings; acréscimo da população carcerária e do feminicídio; trânsito sufocante nas mais variadas avenidas dos municípios com ausência de ligação rápida com o Metrô paulistano; falta de vagas em creche e pouco aproveitamento do conteúdo pensado em universidades em prol da administração pública; fuga das grandes empresas e parco debate para ingressar no conceito de indústria 4.0.
 

Todos esses problemas tendem a ser mais profundos diante da crise que a pandemia de Covid-19 trouxe ao mundo, ao Brasil, ao Grande ABC. O cenário desafiador que se apresenta tem redução drástica das receitas devido ao fechamento de postos de trabalho e empresas; aumento da procura pelos serviços públicos, em especial saúde e educação; e com a incerteza de quando será aplicada a vacina para erradicar o vírus e se ela será eficiente.
 

Os professores Marta Marcondes, Estela Bonjardim, Enio Moro Júnior, Humberto de Paiva Júnior, Paulo Garcia e José Jefferson da Conceição explanam o conhecimento sobre os temas, refletem sobre equívocos do passado e sugerem correção de rotas para que a região possa não apenas sobreviver a todas intempéries trazidas pela Covid-19, mas consiga se reorganizar, repensar sua vocação e poder mirar para o futuro, em busca de crescimento sustentável, justo e duradouro.

Modernização do olhar para o saneamento básico local

O crescimento populacional do Grande ABC entre os anos 1960 e 2000, movido pelo aquecimento da indústria na região, em especial a automobilística, acertou em cheio o ecossistema de uma área banhada pela Represa Billings. Além de toda produção de resíduos, que durante anos foram despejados sem tratamento adequado nos mais variados corpos hídricos regionais, o avanço de moradias às margens da represa e a abertura de vias para atender as necessidades de deslocamento da população agrediram em demasia o meio ambiente local.
 

Marta Angela Marcondes, professora e pesquisadora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), cita que a vocação do Grande ABC era para ser produtor de água, uma vez que está encravado na Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e, especialmente, na sub-bacia Billings-Tamanduateí. Entretanto, o legado de décadas de falta de olhar ao tema cobra a fatura atualmente.
 

“Temos o Polo Petroquímico, um grande gerador de poluentes atmosféricos, temos uma frota de veículos que contribui ainda mais no lançamento desses poluentes, temos um parque industrial, que vem se modernizando, na medida do possível, mas que deixou um grande passivo ambiental relacionado a poluentes de solo e de água. Associado a todas essas questões existem ocupações irregulares, grandes obras como Rodoanel Mário Covas, entre outras, que de alguma forma fragilizaram ambientalmente a região”, lamenta.
 

Em busca de melhorar o quadro, Marta sugere planos de saneamento efetivos que impeçam o lançamento de esgoto nos rios, que modernizem o tratamento da água e seus afluentes, bem como dos resíduos sólidos (sem haver a incineração deles), e que possa potencializar a coleta seletiva. Ela aponta a necessidade de se brecar a canalização de córregos e rios, além de evitar novos piscinões e desativar os existentes. “É preciso ter bosques, que têm maior poder de absorção de água, e calçamento com poder de absorção também.”
 

Tudo isso, emenda, em consonância com a Agenda 2030, desenvolvida pela ONU (Organização das Nações Unidas), abusando da interlocução do Consórcio Intermunicipal.

Ação para retirar a região da mira do tráfico de drogas

Versa a Constituição Federal que a segurança pública é responsabilidade do Estado. Mas, na prática, há anos os municípios têm empregado recursos para buscar minimizar a sensação de insegurança de seus moradores, na tentativa de cobrir as deficiências da atuação dos agentes estaduais. Não à toa a palavra de ordem é integração.
 

Cortado por três rodovias de alto fluxo – Anchieta, Imigrantes e Rodoanel –, o Grande ABC é rota preferencial do tráfico de drogas. Tanto que, nos quadro CPDs (Centros de Detenção Provisória) da região, são 5.479 presos – em um espaço onde teriam de caber 2.617 –, sendo que 30% dessa população carcerária respondem por delitos envolvendo entorpecentes.
 

Mas, assim como o País, a região assiste ao crescimento do número de feminicídios. Em 2019, a Secretaria de Segurança Pública do Estado registrou 11 mortes de mulheres, índice que sobe ano a ano. “É preciso ter rede de encaminhamento, acolhimento e assistência, programas municipais ou regionais de educação, responsabilização e acompanhamento dos agressores, criação de protocolo de atendimento às mulheres em situação de violência por profissionais de segurança pública capacitados e treinados”, sugere Estela Cristina Bonjardim, ex-delegada de polícia e hoje docente da USCS (Universidade Municipal de São Caetano).
 

Ela prega que haja “diálogo permanente” entre Ministério Público, Polícias Civil e Militar, Guardas Civis Municipais, Poder Judiciário e sistema prisional, na busca incessante de soluções para combater o crime. Junto disso, promover efetividade e eficiência do trabalho policial, com valorização e capacitação da tropa.
 

Mas a especialista pede atenção especial à questão da droga e também ao aumento da população armada. “A prevenção e reorientação da política de drogas exigem que se invista em programas de prevenção do uso e do abuso das substâncias nocivas, integração da rede pública de atendimento para tratamento de dependentes químicos e sua articulação com os serviços de atenção à saúde, assistência social, habitação e geração de renda. Mais de 70% dos homicídios cometidos no País usam armas de fogo. É preciso tirá-las de circulação.”

Futuro que tem de ir além do Metrô no Grande ABC

O Grande ABC passou seis anos à espera da Linha 18-Bronze do Metrô, após Geraldo Alckmin (PSDB), governador do Estado em agosto de 2014, assinar contrato de PPP (Parceria Público-Privada) para construir a esperada ligação da região ao sistema metroviário da Capital. Neste tempo, o governador mudou, João Doria (PSDB) engavetou o monotrilho e prometeu BRT, sigla em inglês para ônibus de alta velocidade. Nada disso, porém, saiu do papel.
 

A região chegou a uma frota de 1,83 milhão de veículos para população de 2,8 milhões de habitantes. A velocidade com que se aumenta o volume de automóveis não é a mesma que se abre ruas. Além disso, falta espaço para a construção de vias.
 

Enio Moro Júnior, gestor do curso de arquitetura e urbanismo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), prega a interligação com a malha metroviária de São Paulo como uma das soluções, mas salienta que a chegada do Metrô ao Grande ABC não é a salvação da mobilidade urbana.
 

O especialista comenta que é preciso olhar diferenciado para o conceito de cidades. “Audaciosa política de implantação de modais ativos, como malha cicloviária (ciclovia, ciclofaixa e ciclorrota), áreas caminháveis com plena acessibilidade e integração de modais alternativos, como skates, patins, monociclos”, lista. Tudo isso integrado com transportes de alta capacidade, como trens. Outro ingrediente é citado: é necessário ter inovações tecnológicas.
 

Humberto de Paiva Junior, docente de mobilidade urbana da UFABC (Universidade Federal do ABC), aponta que a pandemia de Covid-19 modificou quadro regional com relação à mobilidade. Para o especialista, além da falta de recursos para investimentos vultosos, há possibilidade de o usuário do transporte coletivo rejeitar o modal com receio de transmissão da doença.
 

O professor analisa que é preciso mudar o conceito de viagens da periferia ao centro para trabalho ou outras ações, pois a região “não suporta mais essa demanda”. “O Grande ABC merece um sistema adequado de transporte, porém, sem política de gestão de demanda, não haverá sustentabilidade. As crises não são resolvidas, apenas postergadas até esgotarem as possibilidades.”

Enfrentar desigualdade é caminho para melhorar ensino

Escola em tempo integral, melhoria na infraestrutura das unidades de ensino, acesso a creche e a valorização dos professores são os principais desafios elencados por especialistas na área da educação para o Grande ABC. Além disso, no âmbito do ensino superior, a região ainda vê baixa integração entre as instituições, como a UFABC (Universidade Federal do ABC), e as administrações das sete cidades, que pouco se utilizam do que é produzido e estudado pela comunidade acadêmica.
 

Para o professor doutor Paulo Sergio Garcia, da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), os problemas da educação só serão sanados se os gestores enfrentarem as desigualdades sociais. “Para melhorar a educação, ao contrário do que muitas pessoas pensam, é preciso melhorar também as condições de vida das famílias, com programas de saúde, esporte, lazer, cultura e educação. Trata-se de fatores extraescolares”, explica.
 

Garcia frisa que, atualmente, o calcanhar de Aquiles dos municípios na região é o deficit de vagas, sobretudo em creches. “Algumas cidades apresentam altos níveis de judicialização neste segmento. Trata-se de um problema que necessita ser superado pelas cidades.”
 

O especialista destaca que, no que se refere à infraestrutura das unidades de ensino, há bastante “variabilidade” entre as cidades e até dentro de um mesmo município. “Tal situação indica que crianças de um mesmo município tem acesso e oportunidades de aprendizagem diferentes e que a falta da infraestrutura é, entre muitas outras coisas, responsável pela legitimação das desigualdades sociais”, cita. “Na questão da valorização, os municípios necessitam considerar as condições de trabalho dos professores e, envolvido neste processo, claramente está a questão dos salários.”
 

Garcia elenca ainda como meta o enfrentamento ao fracasso escolar e a necessidade de formação e da valorização dos professores. No Grande ABC, a categoria, por exemplo, ainda aguarda a revisão e a formulação de estatutos para magistério. Tudo isso pode refletir no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da região, que apresentou estagnação.

Diálogo entre setores para recuperar desenvolvimento

Antes da pandemia da Covid-19, o Grande ABC já assistia à desaceleração da economia. No setor industrial, entre 2011 e 2017, a região viu a redução do nível do emprego de 264,8 mil para 182,1 mil. “Os recentes fechamentos da fábrica da Ford, montadora de veículos, e da Kostal, empresa de autopeças, no setor industrial revelam a gravidade da situação. E o quadro se agravou nos últimos quatro anos”, destaca o professor Jefferson José da Conceição, coordenador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Universidade de São Caetano).
 

Para ele, o enfrentamento das crises econômicas e sociais que se avizinham passa pela “constituição de espaços de diálogo entre gestores municipais, regional, e o setor produtivo, como empresas e sindicatos, comerciantes e universidades”. “Em face da gravidade da crise internacional e nacional de 2008, com fortes consequências na região, os atores regionais (entidades empresariais, sindicatos de trabalhadores, prefeituras), apoiados por representantes dos governos federal e estadual, organizaram o seminário ‘ABC do Diálogo e do Desenvolvimento’, com vistas a traçar estratégias visando à retomada da produção e do emprego. Este seminário teve um papel importante na promoção do debate e do planejamento de ações integradas entre gestão municipal e setor produtivo.”
 

Conceição cita diversas ações que podem contribuir com a retomada do desenvolvimento na região, como estimular a expansão de novos segmentos econômicos, como a cadeia produtiva da saúde, a economia digital e a economia criativa. O professor também alerta para o apoio à chamada indústria 4.0 e a necessidade de o poder público dar respaldo às micro e pequenas empresas, por meio de capacitação, “conexão dos empreendedores com os princípios da economia criativa e da economia colaborativa; apoio à estruturação de planos de negócios; formação de incubadoras de empresas em parceria com as universidades; promoção de competições que visem a levantar ideias e possibilidades de negócios associados a soluções para problemas diversos da vida cotidiana dos cidadãos”.




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