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História pede socorro

Levantamento do Diário mostra que apenas o espaço de Arte Popular de Diadema tem laudo de segurança

Vinícius Castelli
04/09/2018 | 07:06
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Denis Maciel/DGABC


A maior parte dos museus do Grande ABC está sem AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). A exceção é Diadema. A equipe do Diário checou as informações no site da corporação. No domingo, incêndio destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro. Noventa por cento do acervo, composto por 20 milhões de itens e reunido em 200 anos, foram destruídos pelo fogo.

A licença emitida pelos bombeiros certifica que a edificação possui condições de segurança contra incêndios. O documento é exigido pela legislação. Na região, o Museu de Arte Popular de Diadema, no Centro, é o único a possuir o laudo. Consultadas, as demais cidades disseram que estão em processo de regularização.

Santo André possui três endereços culturais. O Museu Dr. Octaviano Armando Gaiarsa guarda cerca de 70 mil itens e não possui AVCB, assim como a Casa do Olhar Luiz Sacilotto e a Casa da Palavra Mário Quintana. A Prefeitura disse, por nota, contar “com equipe de brigadistas e equipamentos de prevenção, além da realização de vistorias periódicas”. O governo informou ainda que o prédio do museu pertence ao Estado, que deveria ter solicitado o auto.

O município também é dono da Vila de Paranapiacaba, museu a céu aberto que preserva patrimônio do século 19. Segundo o diretor Eric Lamarca, é importante que haja repasse para cuidados, mas é necessário planejamento de manutenção. “Tudo é patrimônio. Estamos gastando cerca de R$ 500 mil por ano com manutenção”, garante. Ele adianta que o Museu Castelo, abrigado em construção de 1897, conta com extintores de incêndio e a parte elétrica está em ordem. Outro ponto que ressalta é que a vila tem base do Corpo de Bombeiros.

Problema idêntico é enfrentado por São Bernardo, na Pinacoteca, que neste ano completa 38 anos e possui acervo com mais de 1.300 peças. Por nota, a Prefeitura afirmou que iniciou procedimento para implantação de sistemas de segurança em prédios da Cultura, que inclui ainda o Acervo Histórico. “Este último encontra-se em processo de elaboração de licitação para contratação de empresa que ficará responsável por sua reforma, que englobará sistema de segurança, além de adequações para obtenção do AVCB.”

O Museu Barão de Mauá, também sem o laudo, é abrigado em casa bandeirante. Foi vítima de cinco invasões neste ano. Na primeira delas, em março, foram levadas 23 peças de cerâmica. Segundo Caio Evangelista, secretário de Cultura de Mauá, a falta de cuidado com a memória é preocupante. “Situações como a do Rio de Janeiro acontecem por falta de manutenção e segurança. O assalto (em Mauá) foi exemplo e, para ter incêndio ou outro tipo de problema, é fácil. É tragédia anunciada”, afirmou. Além disso, a casa, feita de taipa de pilão e telhas de barro e hoje com cerca de 300 anos, sofre com infestação de cupins.

O responsável pela Pasta admitiu não haver investimento em segurança e conservação, fruto do descaso da última gestão, segundo ele. Há projetos para que o quadro se reverta e o abandono dê lugar ao cuidado. “Falta entendimento sobre a necessidade de verba específica, o que vem à tona quando acontece tragédia como essa que acompanhamos no Rio.”

São Caetano tem o Museu Histórico Municipal e a Pinacoteca Municipal, ambos administrados pela Fundação Pró-Memória. Os dois espaços não possuem o auto de vistoria. Por meio de nota, a Prefeitura disse que trabalha para garantir a obtenção do documento do Corpo de Bombeiros para todos os espaços públicos municipais. “Trata-se do PLA (Plano Municipal de Prevenção e Combate a Incêndio e Obtenção/Renovação do AVCB) dos próprios municipais, que será finalizado ainda neste exercício de 2018.”

Ainda assim, a instituição responsável pelo museu afirmou que o lugar está adequado às normas vigentes de segurança com sistema de prevenção e combate a incêndio, além de saídas de emergência. Por meio de nota, a Fundação explicou que “não há dotação orçamentária específica para conservação e segurança, uma vez que o museu é mantido pela Fundação Pró-Memória e não possui orçamento próprio”.

Ribeirão Pires tem o Centro de Exposições e História, onde estão situados o Museu Histórico Família Pires e a Pinacoteca Municipal. O espaço também não dispõe do laudo dos bombeiros. Questionada, a Prefeitura respondeu, por meio de nota, que “está em andamento processo para a realização de levantamento das intervenções necessárias à obtenção do AVCB junto ao Corpo de Bombeiros. A administração municipal efetuou contrato para que essas intervenções sejam realizadas”.

RIO
O ministro da Educação, Rossieli Soares, afirmou na tarde de ontem que o MEC vai repassar imediatamente R$ 10 milhões para a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que é responsável pelo Museu Nacional. “A liberação desses primeiros R$ 10 milhões sera imediata, até para garantir a estrutura física e para a segurança, inclusive estrutural, ou seja, que tenham andaimes, que tenham a proteção da fachada” , afirmou. Ele também afirmou que vai pedir ajuda internacional para montar um novo acervo para o museu. (Colaborou Marília Montich)

‘É impossível reproduzir um museu’, diz engenheiro

O incêndio na noite de domingo destruiu 90% do acervo do Museu Nacional e a reconstrução do prédio custará R$ 15 milhões. Mestre em Museologia pela USP, Nilo de Almeida, de São Bernardo, entende que o que aconteceu com o espaço no Rio é uma perda inestimável. “Não dá para tirar o foco que ele é o primeiro museu do Brasil, criado formalmente com essa intenção, ainda no Império. E que não é uma situação repentina, poderia acontecer a qualquer momento”, diz.

Luiz Augusto Moretti, presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do ABC, lembra que Marcelo Crivella (PRB), prefeito do Rio de Janeiro, disse que vai reconstruir o museu e recompor cada detalhe. “Impossível”, afirma o engenheiro. “O que tem em um museu você não consegue reproduzir. Tem de tomar cuidado antes, fazer manutenção preventiva, exigir que tenha responsável técnico que emita laudo de que aquilo, tanto da parte civil, elétrica, mecânica, esteja em ordem. É importante citar que reconstruir um museu não é a mesma coisa que reconstruir um prédio. O que está lá dentro é a história de uma cidade, Estado, país. É muito difícil praticamente impossível, o que estão pensando em fazer. Não vão conseguir”, frisa.

Nilo de Almeida ressalta que no caso do Museu Nacional não é só o prédio. “E o acervo que se foi? Não houve entendimento em relação a isso. A gente acaba priorizando outras coisas. E depois não entende por que o mundo está tão violento e as coisas estão tão difíceis. Não são coisas desconexas. Seria importante que houvesse reflexão mais consistente do ponto de vista dos gestores públicos. Não é questão de ‘agora não tenho dinheiro’. Mas como faremos para em dez anos termos dinheiro. Essa tem de ser a reflexão. Pensar no médio, longo prazo. O que vai deixar para as próximas gerações? É isso o que está faltando”, afirma.

A falta de cuidado com a Cultura no País não é de hoje. Em 1978, um incêndio destruiu quase todo o acervo do Museu de Arte Moderna do Rio. Entre as cerca de 1.000 obras perdidas estavam trabalhos de Picasso e Portinari. Em 2015, o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, foi tomado por grande incêndio. À época, não contava com AVCB. O espaço deve ser reaberto em 2019. E o Museu do Ipiranga, fechado desde 2013 para não ter este e outros incidentes, espera por reforma e deve reabrir em 2022.




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