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Rica e bela herança dos escravos
Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
12/05/2004 | 18:48
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Há exatos 116 anos, no dia 13 de maio, a Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, assinava a famosa Lei Áurea, pondo um fim na escravidão de negros no Brasil. O país foi o último da história a abolir o regime escravagista, responsável por trazer mais de 5 milhões de africanos nos porões dos chamados navios negreiros para serem comercializados a peso de ouro em solo tupiniquim. O que ninguém imaginava na época é que a riqueza cultural por eles trazida seria ainda mais valiosa ao Brasil do que o próprio lucro dos traficantes de escravos. Mais do que força de trabalho, os que conseguiram sobreviver à viagem – estima-se que outros 5 milhões foram capturados, mas não conseguiram chegar vivos ao destino, devido aos maus-tratos – trouxeram consigo tradições e crenças que, misturadas aos costumes de brancos e indígenas, marcariam para sempre o caráter peculiar da identidade nacional e do diversificado turismo verde-amarelo, seja na gastronomia, no folclore dos rituais profano-religiosos, na música, nas calçadas de pedra de antigos centros coloniais ou nas paredes de construções históricas espalhadas pelos principais pontos turísticos do país.

E não é para menos: hoje, de acordo com o IBGE, cerca de 45% da população brasileira é composta por pretos ou pardos – o segundo maior contingente negro do mundo, atrás apenas da Nigéria. O primeiro navio negreiro teria chegado ao Brasil já em 1532, com destino à Bahia. Não à toa, a capital baiana, Salvador, é hoje um dos ícones do turismo doméstico de raízes afro. Basta dar uma volta a pé pelas ladeiras de paralelepípedos do famoso Pelourinho para sentir a força dos orixás e do batuque dos tambores africanos pulsar forte sobre o solo da primeira capital do Brasil. O nome Pelourinho, aliás, é o mesmo dado às antigas colunas de pedra ou madeira erguidas no período colonial para castigar escravos em praça pública.

Maior conjunto colonial da América Latina e Patrimônio Cultural da Humanidade, o Pelô, como é carinhosamente chamado, exibe 700 construções dos séculos XVII ao XIX restauradas. A cultura africana se revela em toda parte: num canto, um vendedor toca berimbau; em outro, uma baiana exibe a influência negra nos ingredientes dos principais quitutes típicos do Estado (tudo, é claro, regado a muita pimenta e azeite de dendê); mais adiante, um grupo faz apresentações de capoeira em plena praça pública, para o deleite dos “gringos branquelos”; enquanto à noite, o som das batucadas nos barzinhos esquenta: com sorte, pode-se até topar com o Olodum, o Ilê-Aiyê ou os Filhos de Gandhi dando canja na esquina.

Tingindo de azul o coração do Pelô, a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, construída em 1710, guarda um ex-cemitério de escravos nos fundos e três belas imagens do século XVIII: de Nossa Senhora do Rosário, Santo Antônio de Cartegerona e São Benedito, considerados os principais santos de devoção entre os negros. A mais popular, no entanto, é a do Senhor do Bonfim, de 1772, onde ocorre a famosa lavagem da escadaria na segunda quinta-feira de janeiro, um dos maiores exemplos do sincretismo religioso que impera na Bahia.

O Museu da Cidade guarda figuras do candomblé em tamanho natural, carrancas e a obra de Castro Alves, o poeta dos escravos. Já a Casa de Benin apresenta exterior colonial e interior concebido por Lina Bo Bardi para mostrar os laços entre a Bahia e a Mãe África. Lá, o destaque fica por conta da coleção de artesanato só encontrado em Cotonou, República Popular do Benin.

Igualmente interessantes são os acervos dos três museus reunidos no prédio da antiga Faculdade de Medicina, a primeira do gênero no país, que incluem peças de arte sacra africana, afro-brasileira e 27 painéis de Carybé sobre os orixás, cultuados nas centenas de terreiros de candomblé espalhadas pela capital. Haja pipoca, vatapá, acarajé e farofa ao dendê para servir de oferenda a todos eles!




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