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O resgate de um sobrenome e de histórias
Por Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
06/04/2018 | 07:00
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A partir do trabalho idealizado pelo promotor de Justiça Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer, 64 anos, da Promotoria de São Bernardo, a vida de centenas de pessoas é mudada. Desde 2005, o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) atua com o programa Encontre seu Pai Aqui, que possibilita o reconhecimento paterno a cidadãos cujos documentos não têm o nome do pai – iniciativa que foi criada por Fuhrer, ao descobrir que tinha 10 mil crianças em idade escolar na cidade são-bernardense nesta situação.

"Agradeço ao Diário pela boa vontade, divulgando desde o início o programa para as cidades da região.”

Maximiliano Roberto Fuhrer e o Diário
Nascido no bairro Ipiranga, na Capital paulista, mas tendo parte de sua trajetória profissional no Grande ABC (São Bernardo e Diadema), o promotor Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer teve seu primeiro contato com o Diário na década de 1980, como leitor. Tempos depois, estava nas páginas do jornal graças ao trabalho desenvolvido, em reportagens que abordaram histórias exitosas do programa Encontre seu Pai Aqui. “O jornalismo regional é o verdadeiro jornalismo. As pessoas não moram na União, no Estado. Elas vivem na cidade e é ali que está o seu centro de interesses predominante.”

O senhor foi o idealizador do programa Encontre Seu Pai Aqui. Como se deu a ideia de criação desse projeto?
O programa nasceu em São Bernardo, em 2005, e assumiu várias formas. Inicialmente, foi oferecido nas escolas públicas. No entanto, só ficou completo com a oferta permanente nos postos do Poupatempo, onde o interessado pode preencher uma ficha com tranquilidade e quando entender conveniente.

Como funciona a execução do projeto?
O Programa Encontre seu Pai Aqui está à disposição da população, todos os dias do ano, em todos os 73 postos do Poupatempo espalhados pelo Estado de São Paulo. O objetivo é colher do genitor o reconhecimento voluntário da paternidade ou, em caso de não reconhecimento, encaminhar o caso para que seja proposta a ação judicial competente. Quando necessário, o serviço inclui a busca do paradeiro e identificação do genitor, para sua posterior oitiva. A qualificação do genitor é também essencial para viabilizar a eventual e futura ação judicial. No fim, o interessado recebe uma nova certidão, onde consta o nome do genitor. Trata-se de programa absolutamente gratuito, que não envolve recursos economicamente apreciáveis e que coloca à disposição da população, em todos os postos do Poupatempo, todos os dias do ano, o serviço de reconhecimento de paternidade, além da eventual localização e qualificação do genitor.

E o que acontece se o suposto pai não reconhece a paternidade?
Quando o homem tem dúvidas sobre a paternidade, ele é encaminhado à Defensoria Pública, que conta com um programa de teste consensual de DNA. As duas partes envolvidas comparecem, as amostras são colhidas e segue-se o procedimento para o reconhecimento ou não da paternidade. Caso o suposto pai não concorde, aí o caminho é o início de uma ação judicial para o reconhecimento. Mas, com esse programa, o que temos percebido é que grande número dos supostos pais concorda com o reconhecimento. Existe ainda outra possibilidade, que é a do pai já ter falecido. Nessa hipótese, a Defensoria também é acionada para promover uma ação de investigação de paternidade. São colhidas provas testemunhais e amostras de DNA de parentes próximos. De acordo com o resultado, o juiz supre a vontade do pai falecido, prolatando uma sentença declaratória. Com a sentença transitada em julgado, o interessado vai ao cartório para pedir a atualização dos dados no registro de nascimento.

Como é o cenário atualmente de pessoas que não receberam o nome do pai no registro de nascimento?
Apenas no Estado de São Paulo existem 750 mil pessoas com até 30 anos cujo registro de nascimento não contém o nome do genitor. Na população escolar (escola pública), o índice é de 4% dos alunos nesta situação. No sistema carcerário, este percentual chega a 14% dos internos.

É possível estimar quantas pessoas já foram beneficiadas com o programa Encontre Seu Pai Aqui?
Até o momento, atendemos cerca de 3.000 casos por meio do Poupatempo no Estado.

Para reverter essa realidade, de que maneira a iniciativa idealizada pelo senhor, nesses moldes de disponibilizar o serviço nos Poupatempos, auxilia a população que se enquadra nesse perfil?
As ações em mutirão, de qualquer modo sempre bem-vindas, têm potencial para estigmatizar ainda mais as crianças que necessitam do serviço, pois ficam à disposição apenas em locais determinados e em datas determinadas, tornando pública a situação dos interessados que para ali acorrem. Por isso, buscamos proporcionar um serviço permanente, todos os dias do ano, em local com grande frequência de público. O programa foi idealizado inicialmente para escolares, mas no Poupatempo acabou atingindo um grande número de adultos e até alguns idosos, que nunca tiveram acesso a tal atendimento.

Como ressalta a importância de se buscar ter o nome do pai no registro?
O filósofo Aladair Macintyre define o ser humano como um ser que conta histórias. Penso que ele não está longe da realidade. O programa Encontre seu Pai Aqui tem por objetivo justamente reconstruir a história pessoal das pessoas.

Como se deu a escolha pela profissão na área jurídica? O que o motivou?
Acho que as escolhas ocorreram influenciadas pelo chamado da vocação. Sou bacharel em Direito (FMU) e Jornalismo (Cásper Líbero). Sou, ainda, mestre e doutor em Direito Penal (PUC SP).

Em quais promotorias já atuou?
Ingressei no Ministério Público como primeiro promotor de Justiça substituto de São Bernardo, em 1990. Na ocasião, passei por Diadema (Júri), Carapicuíba, pelo Primeiro Tribunal do Júri de São Paulo, pela Promotoria da Infância e Juventude de São Paulo e pela Promotoria de Justiça Militar. Fui para São Sebastião da Grama e depois para Casa Branca, oficiando também em Mococa, Caconde, São José do Rio Pardo, Tambaú e Santa Cruz das Palmeiras. Em 2002 retornei como titular para minha primeira Promotoria (São Bernardo), onde oficio até hoje.

O senhor criou conceitos que se tornaram clássicos no Direito Penal, como ‘crimes de plástico’. O que significa e o que o levou à criação desse termo?
Na tese História do Direito Penal, de 2003, realizei um estudo sobre quase 6.000 anos de leis de caráter penal. Foi possível constatar que algumas formulações acompanham a humanidade sem modificações significativas através dos milênios, como, por exemplo, os crimes de homicídio, furto, roubo, estupro, lesões corporais etc. É um pequeno grupo que denominei de ‘crimes naturais’. No entanto, a maioria dos tipos entra na legislação e desaparece completamente depois de algum tempo. São, na verdade, manifestações de autoritarismo do legislador. Neste rol, dos ‘crimes de plástico’, estão todos os crimes religiosos – apostasia, heresia, blasfêmia etc –, aqueles que envolvem diretamente interesses econômicos – proibição de produção de álcool sem autorização, por exemplo, crimes tributários etc – e os que decorrem da impaciência do legislador com determinadas condutas, mesmo que não sejam danosas – alguns crimes de trânsito e todos os crimes de perigo.

Outro conceito criado pelo senhor e que também se tornou um clássico no Direito Penal é o de ‘crimes vazios’. O que representam?
Os chamados ‘crimes vazios’ são aqueles que perderam o significado, como alguns crimes falimentares, cuja conduta respectiva já não guarda qualquer relação direta com a falência ou com qualquer outro bem jurídico relevante – não manter a escrituração contábil em ordem, por exemplo.

O senhor foi ainda o precursor do conceito unitário do crime de violência sexual. Quais fatos levaram à criação desse conceito?
Na época da minha tese de doutoramento, existiam dois crimes sexuais correlatos: o estupro, que se referia ao coito vagínico, e o atentado violento ao pudor, que punia qualquer outra manobra sexual. A vítima de estupro era, então, duplamente vitimizada, pois, além do estupro propriamente dito, ela era submetida a um exame ginecológico aviltante, diante de pessoas estranhas, para constatar se houvera ou não penetração (condição para a consumação do estupro). A tese propôs a reunião dos dois tipos de penas para que o crime se consumasse já com as manobras sexuais preparatórias, independentemente de penetração, providência que livraria a vítima do segundo constrangimento, imposto pela lei (o exame ginecológico). Pouco tempo após a defesa pública da tese unitária, o legislador se comoveu e reuniu os dois crimes em um só, tal como sugerimos.

Quais os principais problemas que o senhor encontra em sua comarca e quais os maiores desafios para enfrentar as adversidades?
Os problemas são os mesmos do resto do País: recessão econômica, desemprego e serviços públicos de qualidade muito baixa.

Como descreve a importância do papel do Ministério Público e quais os desafios para desempenhar esse papel?
Penso que o Ministério Público procura desempenhar o seu papel de defensor da sociedade, porém, as necessidades da população são muitas e intensas. A burocracia processual também é um desafio enorme a enfrentar diariamente.

Nesse contexto, qual a importância do jornalismo regional, em sua opinião? E do Diário?
O jornalismo regional é o verdadeiro jornalismo. As pessoas não moram na União nem no Estado. Elas vivem na cidade e é ali que está o seu centro de interesses predominante. Por isso, as notícias e opiniões críticas locais têm o mais alto grau de relevância no cotidiano do homem comum.

O jornalismo contribui de alguma maneira com a atuação do Ministério Público?
Com certeza a resposta é afirmativa. O programa Encontre seu Pai Aqui, por exemplo, depende da divulgação para que chegue ao conhecimento de quem dele necessita. Toda vez em que é publicada alguma informação nos jornais ou TVs, no dia seguinte o preenchimento de fichas nos postos do Poupatempo se multiplica. Assim também são os outros serviços do Ministério Público. O cidadão precisa saber quais são as inúmeras atividades desenvolvidas pelo promotor de Justiça para que também possa se utilizar destes serviços.

Em sua opinião, o Diário pode fazer algo para ajudar a fortalecer o papel do Ministério Público?
Sim. Divulgar quais são as tarefas do Ministério Público e noticiar que o atendimento direto do público é uma de suas principais atribuições. Como atuar bem sem saber o que ocorre? Como saber o que ocorre sem ouvir o cidadão? Gostaria de agradecer ao Diário pela boa vontade, divulgando desde o início o programa para as cidades da região.

Se pudesse realizar qualquer feito no Grande ABC, o que seria?
Despoluir completamente a Represa Billings.

Que futuro espera para o Grande ABC?
Espero que um dia os moradores da região possam nadar em uma Represa Billings despoluída. 




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