Ele, anônimo como devem ser os feridos pelo amor, sai à porta embriagado para alugar o ombro de seus ouvintes e derramar lágrimas pela mulher que vai perder. Ela, igualmente inominável, o aguarda em casa, com expressão de poucas amizades depois de ter esperado uma noite inteira. O público os ouve, cerca-os, invade uma intimidade que não é a sua, mas bem poderia ser. Em Fala Comigo como a Chuva... e Me Deixa Ouvir, cartaz até o próximo dia 16 no andreense Teatro de Asfalto pelo Circuito Teatral Santa Terezinha, o público deixa o espetáculo indagando em que medida Ele e Ela erraram, como o gênero humano pode se equivocar tanto ao lidar com a essência daquilo que lhe faz humano: o relacionamento amoroso.

O tema e a obsessão dramatúrgica não enganam; Fala Comigo é realmente um texto de Tennessee Williams, dramaturgo norte-americano de Um Bonde Chamado Desejo e Gata em Teto de Zinco Quente. Ao universo do autor, completo nas análises e incompleto nas soluções, é que recorreu o grupo Os Subterrâneos, responsável pela montagem, e o diretor Jorge Pezzolo para contar a história de um homem e uma mulher desorientados pela paixão que renuncia à segurança do começo, meio e fim.

Em cena, os atores Ivan Ribeiro e Renata Soarez, acomodados num arremedo de apartamento com elementos escassos e iluminação carregada em contrastes, dependentes do seguro-desemprego, passando todos os dias como se fossem um domingo chuvoso, vivendo não em comunhão, mas como num jogo-da-velha, como se a vitória (o sucesso da relação) dependesse de uma única jogada certa.

Ele quer que Ela lhe fale com um tom que reproduza o som da chuva, garantia de estabilidade e de esperança, de renovação. Ela, no entanto, quer sair da casa e destaca: “Sozinha”. Fala Comigo não procura causas ou subterfúgios para o rompimento; sua ocorrência é natural e dela só se tem conta quando é tarde demais, quando não se pode mais ouvir.