Em O Mez da Grippe, reunião de cinco trabalhos produzidos na década de 80, Xavier apresenta sua peculiar narrativa casando texto e imagem. O conteúdo, em linhas gerais, é passional, erótico e obtido a partir de uma perspectiva adulta. Minha Mãe Morrendo, ainda segundo uma análise superficial, tem como marca o ponto de vista da criança e do idoso (o próprio Xavier, quem sabe?).
Na dedicatória que aparece logo após a reprodução do poema Minha Mãe Morrendo, uma espécie de prefácio, lê-se: “Este livro é dedicado ao menino que morreu.” Com essas informações, poema e dedicatória, o leitor já pode se considerar apto a prosseguir. A cada página surgem curiosas surpresas que operam como complementos mais ou menos explícitos da trama.
Xavier, um paulista que trocou a capital de seu Estado pela do Paraná, Curitiba, reproduz imagens que de uma forma ou de outra o marcaram quando criança. A morte da mãe, por exemplo, é uma situação traumática (não necessariamente no sentido negativo) que se confunde com outra forte lembrança: a nudez da mãe, apreciada durante um banho pelo vão da porta do banheiro. “Não sei o que sinto quando abro a porta e vi minha mãe fêmea nua bela não sei nunca saberei”, escreve o autor.
Essa presença de verbos no presente, passado e futuro é sintomática. É o homem velho ainda impressionado com ocorrências da infância. Em outros momentos, o texto assume dimensões mais bem-humoradas e nos obriga a confrontar as dúvidas infantis do narrador com as nossas, tão reais quanto aquelas: “O nariz não atrapalha quando o homem vai beijar a mulher na boca?” e “Eu não sei o que é clitóris!”.
Xavier aproveita e nos faz recordar nossos muitos medos, alguns ainda recorrentes: “Mariposas da noite – Também chamadas de bruxas. Entram de noite no quarto e ficam se batendo em volta da lâmpada. De tanto se baterem soltam um pó das asas que, se cai nos olhos, deixa a gente cego”; “Sífilis – Beijo de putas (também chamadas de mariposas da noite) com sífilis transmite a doença (o flagelo do século) e a gente fica com o corpo cheio de feridas que não cicatrizam nunca, e fica louco”; e, constatação cruel, “Morte – A gente morre mesmo”.
A segunda parte do título da obra, O Menino Mentido (o sentido do adjetivo corresponde a uma acepção específica do verbo: menino que não vingou; menino gorado), abriga de fato duas outras reuniões de “coisas” de Xavier. São anotações, fotografias e recortes em geral. Tudo para situar o tal menino no ambiente geográfico em que foi criado, a cidade de São Paulo – particularmente a área central –, e para reconstruir o conteúdo mitológico de seu universo infantil.
Aos 67 anos, Xavier faz literatura para divertir. Suas soluções gráficas obrigam o leitor a acompanhar o ritmo por ele determinado. É algo muito próximo do concretismo literário e, ao mesmo tempo, além dessas amarras.
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