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Você, uma ilha e um CD
Por Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
29/12/2005 | 09:03
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Se você precisasse se refugiar em uma ilha, seja para fugir dos credores, esquecer um grande amor ou buscar um pouco de sossego, qual disco levaria na bagagem? Para quem gosta realmente de música, a resposta não seria das mais fáceis, porém, mesmo o aficionado, poderá ter apenas uma escolha. Complicado, não?

A pergunta traiçoeira foi feita pelo jornalista goiano Alexandre Petillo a 70 personalidades do meio artístico e do jornalismo cultural, que revelaram suas preferências musicais no livro Noite Passada um Disco Salvou Minha Vida – 70 Álbuns para a Ilha Deserta (Geração Editorial, 300 págs., R$ 29 em média). O autor pediu a seus ilustres colaboradores que escrevessem um texto sobre o tal álbum e deu a eles o prazo de um mês, tempo mais que suficiente para os convidados vasculharem suas respectivas discotecas e pensarem bastante.

O resultado desse trabalho é uma coleção saborosa de causos engraçados e comoventes, contados por gente dos mais diversos perfis como o publicitário Washington Olivetto; o escritor suíço Alain de Botton, um dos principais nomes da literatura européia; o jornalista Maurício Kubrusly; o comentarista esportivo Juca Kfouri; além de artistas como Lulu Santos, Dinho Ouro-Preto, Pitty, Thedy Corrêa, Lô Borges, Wander Wildner, André Abujamra e Alvin L..

De acordo com Petillo, a idéia do livro surgiu quando assistia ao programa do entrevistador norte-americano David Letterman, que comentava a morte do músico Warren Zevon (1947-2003). Letterman disse que levaria um disco de Zevon, de quem era grande amigo, para uma ilha deserta. A escolha soou para o jornalista um tanto curiosa, já que Petillo não via relação entre o humor característico do apresentador e as melodias tranqüilas e um tanto soturnas do músico.

Depois de constatar que a música pode ser apenas um pretexto para se descobrir boas histórias, tratou de mandar e-mails para os colaboradores. “O primeiro critério foi mandar para as pessoas que já tinha entrevistado, as mais próximas”, explica.

Boas Histórias – O leitor poderá se comover com o relato do cantor e compositor Léo Jaime, em fase de total crise financeira e dependência química, sobre a salvação que o disco Wings Over America, do grupo Wings, promoveu em sua vida. Lulu Santos escolheu o disco de estréia de Gabriel, O Pensador, lançado em 1993, por razões mais empresariais que afetivas. À época, ele atravessava um período de fracassos comerciais e encontrou o caminho das paradas de sucesso novamente graças ao DJ Memê, que pilotava as pick-ups do rapper “pensante”.

Com sua reconhecida habilidade, o conceituado jornalista musical Jotabê Medeiros lembra dos duros tempos de sua juventude, no final dos anos 70, quando dividia um apartamento com amigos, em Curitiba, no Paraná. Entre uma noite de insônia e outra provocada pela falta de dinheiro para pagar o aluguel, ele curtia a voz roufenha e os jogos poéticos das letras do bardo Bob Dylan. “É difícil escolher um texto, mas eu me identifiquei bastante com o do Jotabê”, afirma Petillo, que não descarta a possibilidade de lançar um livro no mesmo formato para os amantes do cinema.

Outro trecho delicioso é o texto do líder do Skank, Samuel Rosa, que recorda, com uma boa dose de nostalgia, o momento em que conheceu o disco Help, dos Beatles, influência marcante em sua vida pessoal e no trabalho que desenvolveria anos mais tarde com sua banda. Simplesmente, item indispensável nas melhores estantes.

Trechos

“Uma imensa biblioteca e aquela boa coleção de discos me proporcionaram a possibilidade de passar um mês de boca fechada. Não saía, não falava ao telefone, não tinha nada a dizer e nem queria que soubessem que ali estava. Por mais assustadora que fosse a solidão, neste momento era também um alívio. Mas nesse período ouvi um disco seguidamente. E ele, posso afirmar sem fazer melodrama, salvou minha vida”.

Léo Jaime (págs. 32 a 34) sobre o disco Wings Over America, do Wings

“Segundo meu pai, a primeira vez que ouvi Help, dos Beatles, ainda sujava as calças. Conscientemente, só me lembro do disco quando completei nove anos e escutar música sozinho passou a ser um hábito freqüente em minha vida. (...) Não são muitas as angústias de um garoto de nove anos, como também eram ingênuas as letras e as músicas dos Beatles nessa época, ainda que de altíssima qualidade”.

Samuel Rosa (págs. 175 a 177) sobre Help, dos Beatles

“Todo mundo tentando a sorte na vida sem carta nenhuma na mão. Quando o Santana inventava de fritar um ovo, de madrugada, o óleo respingava na minha cara, enquanto eu forçava o sono num dos beliches espremidos no apartamento. Ele também comia pão com banana, uma das coisas que eu não encarei nem nos dias mais tenebrosos. (...) Naquele tempo, a indústria fonográfica editava os álbuns em dois formatos: LP e fita K-7, e eu estava refém da segunda forma. Minha predileta, entre aquelas fitas que possuía, sempre foi a que carregava em seus cilindros de dióxido de ferro (o material das fitas cassete) as canções de Desire, de Bob Dylan”.

Jotabê Medeiros (págs. 161 a 165) sobre Desire, de Bob Dylan

“Aquilo me venceu. Peguei o telefone e liguei para o produtor creditado na capa do disco do Gabriel, e lhe expliquei que estava com umas idéias e que também gostaria de brincar daquilo, de sampler e batidas e coisa e tal. O cara foi muito sucinto, dizendo que para fazer aquilo era melhor que eu procurasse o DJ que lhe tinha dado o suporte para esses efeitos e lhe agradeço desde então. O cara me passou o número do DJ Memê. Ato contínuo fizemos umas demos, fui recontratado pela BMG, agora com meu amigo e ex-empresário Luiz Oscar Niemeyer no leme, e gravei Assim Caminha a Humanidade, produzido pelo Memê”.

Lulu Santos (págs. 118 a 120) sobre Gabriel, O Pensador, disco homônimo de estréia do rapper carioca




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