Internacional Titulo
EUA já quase prenderam Moqtada Sadr
Da AFP
09/04/2004 | 19:23
Compartilhar notícia


O Exército americano esteve a ponto de deter, há alguns meses, o líder radical xiita Moqtada Sadr, que atualmente lidera a resistência iraquiana contra as forças da coalizão. Mas os EUA desistiram por temer o início de uma rebelião popular no país invadido.

O chefe xiita aproveitou os meses de liberdade para montar sua milícia, que tem entre 3 mil e 6 mil homens (segundo o Pentágono).

Sadr era procurado por sua participação na morte do líder religioso Abdel Majid al-Khoi, em abril. A milícia de Sadr, chamada Exército de Mehdi, já tinha feito emboscadas e ataques contra as forças dos EUA em Bagdá e Kerbala.

"Sempre é preferível resolver uma situação de maneira pacífica e permitir que a Justiça faça seu trabalho", explicou nesta sexta-feira um responsável militar, que pediu para não ser identificado, referindo-se à ordem de detenção contra Moqtada Sadr, emitida por um juiz iraquiano.

"Ele (Sadr) terminou por tomar a decisão por nós, atacando as forças da coalizão (nestes últimos dias) e, agora, isso que vocês vêem é uma ação forte e resolvida que aponta para enfraquecer sua milícia", acrescentou.

Na quarta-feira, a coalizão dirigida pelos Estados Unidos prometeu "destruir" o Exército de Mehdi, contra o qual trava uma dura batalha desde o último domingo em várias cidades do Iraque.

Ao ser consultado sobre os motivos pelos quais se preferiu não prender Sadr no outono (boreal), um alto funcionário da Defesa americana foi evasivo, ao explicar que se tratava de uma razão "operacional" dos comandantes em campo. "Preparou-se todo tipo de plano de ação, mas nem todos (os planos) são aplicados", disse.

O Exército americano ficou paralisado pela necessidade de evitar exasperar, mediante suas ações, a opinião da maioria xiita no país. "Existe a questão de saber o que pode acontecer se for preso um personagem religioso num contexto relativamente instável", admitiu um responsável que preferiu não ser identificado.

Os militares deixaram Sadr em liberdade, esperando que sua influência, até então reduzida, fosse contida pelos principais dirigentes religiosos, em especial o mais alto líder xiita iraquiano, o aiatolá Ali Sistani. Uma estratégia que agora parece se virar contra si mesma.

Nos últimos dias, as autoridades americanas tentaram minimizar a importância da rebelião de Sadr, mas, ‘em off’, reconheceram que a amplitude da resistência marca um giro decisivo para os militares americanos, que não sofriam uma situação assim desde a queda de Bagdá.

Moqtada Sadr, 30 anos, é arrogante, verborrágico e não goza da confiança da hierarquia religiosa de sua comunidade. Passado um ano da queda de Saddam Hussein, o líder radical mostrou ao mundo inteiro que o Iraque continua mergulhado numa lógica personalista e antiocidental fomentada por uma ocupação que não consegue se estabilizar.

Filho de um prestigioso líder religioso xiita (Mohammad Sadeq Sadr, assassinado em 1999 pelo regime de Saddam Hussein), Moqtada Sadr é conhecido tanto por seus sermões explosivos na oração de sexta-feira em Kufa como por sua influência sobre os jovens dos bairros pobres das cidades xiitas, sobretudo Sadr City, o subúrbio menos favorecido de Bagdá.

Sua liderança gera desconfiança na hierarquia religiosa xiita - mais moderada e favorável à negociação com o ocupante - e não consegue ganhar o apoio do Irã, que não vê neste jovem um aliado.

Há quase um ano, porém, os Estados Unidos sabiam que Sadr não se adaptava ao projeto de "democratização" do país - ele até tentou, em vão, formar um governo rival ao Conselho de Governo transitório. Seu nascimento e desenvolvimento político não poderia ter escapado dos olhos da coalizão.

Em junho de 2003, por exemplo, dois meses após o fim das principais operações americanas, Moqtada Sadr formou uma milícia, o Exército de Mehdi, desafiando o controle de armas imposto pela forças estrangeiras. Essa milícia é a segunda entre os xiitas, depois das brigadas Badr, braço armado do Conselho Supremo da Revolução Islâmica no Iraque (CSRII).

Em agosto de 2003, um juiz iraquiano lançou uma ordem de prisão contra ele, acusando-o de "incitação ao crime", por causa do assassinato de Adbel Majid Al-Joi, em Najaf.

Subestimado na época, Moqtada Sadr já estava com força suficiente, quando Washington descobriu seu erro e tentou remediá-lo.

O fechamento, em 28 de março, de seu jornal "Al-Hawza", acusado de instigar a violência antiamericana, e a detenção, em 3 de abril, do chefe de seu gabinete em Najaf, Mustafá Al-Yacubi, envolvido na morte de Al-Joi, deram lugar a uma reação que está se transformando em um banho de sangue de centenas de mortos e feridos.

Após a deflagração da dinâmica de violência, Moqtada Sadr, chamado de "garoto terrível" do xiismo iraquiano pelo jornal francês Libération, tem um futuro tão incerto quanto o do Iraque e pode terminar nas mãos da coalizão, como Saddam Hussein, ou vítima de sua própria lógica, como no caso de alguns dos líderes religiosos que ele enfrentou.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;