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Modelo da Febem é deixado para trás

Se no passado as cenas de terror e tensão eram recorrentes e incontroláveis, hoje a realidade é outra

André Vieira
Do Diário do Grande ABC
11/04/2009 | 07:07
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Jovens amotinados segurando funcionários pelo pescoço e fazendo ameaças, alcançando o telhado do prédio, ameaçando jogar os reféns do alto, queimando colchões, exibindo armas improvisadas e se rebelando com extrema violência são imagens que marcaram a antiga Febem (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor).

Se no passado as cenas de terror e tensão eram recorrentes e incontroláveis, hoje a realidade é outra e o trabalho desenvolvido pela Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) desde de 2005 em substituição a antiga autarquia mostra que episódios como aqueles estão fadados aos arquivos.

A desativação dos antigos complexos, que chegaram a concentrar milhares de internos, a descentralização das unidades e a adoção de modelos arquitetônicos modernos para atender um número menor de jovens - possibilitando maior aproximação com os profissionais - são apontadas como as medidas responsáveis pela melhora no serviço.

Os dados corroboram. Em 2003, o Estado registrou a ocorrência de 80 rebeliões. Cinco anos depois, o número caiu para apenas três incidentes. Neste ano, nenhum motim foi verificado. Os índices de reincidência também estão em decréscimo - de 29% em 2006 para 16% no final de 2008.

Para o diretor de Divisão Regional Vila Maria - região da Capital que abriga uma das unidades com passado mais problemático -, Sérgio de Oliveira, "a Fundação não mudou só de nome, mudou de diretriz."

"A reunião de muitos meninos em um mesmo espaço dificulta qualquer trabalho de recuperação. Unidades que antes tinham 150 internos, hoje não têm mais do que 56", afirmou.

A unidade de Vila Maria ainda conserva a construção que um dia serviu à Febem. Do lado de fora, a concepção arquitetônica lembra um presídio comum, com guardas vigiando em torre e andando por corredores do alto do prédio. Dentro, porém, o trabalho pedagógico atende ao novo modelo da Fundação Casa.

Depois de reformada no ano passado, a unidade foi divida em duas. Cada seção recebe 45 jovens, todos reincidentes de ordem grave ou gravíssima. O público diferenciado torna "o trabalho árduo", segundo o diretor Leandro Medeiros Della Nina, mas em nada modifica o atendimento.

"Dentro da unidade eles têm todos os diretos garantidos. Acesso à saúde, esporte, cultura, ensino regular e profissionalizante", disse. Entre as atividades, aulas de informática e oficinas de culinária e de pequenos reparos elétricos e hidráulicos.

Forjadas nos moldes do projeto arquitetônico e pedagógico que o Estado implementou em Mauá e pretende trazer para o restante do Grande ABC, a unidade de Osasco, na Grande São Paulo, foi inaugurada em agosto do ano passado para 56 jovens.

Além das aulas regulares do Ensino Fundamental e Médio, os internos também têm oportunidade de fazer aulas de ioga, música, teatro e dança de rua. A gestão da unidade é compartilhada com uma entidade da sociedade civil, que ministra os cursos.

"Considero isso algo de extrema importância". disse o gestor da ONG que atua em Osasco, Moisés Camilo de Lima. "O Estado abrir mão da exclusividade de atender os jovens infratores é uma quebra de paradigma. Com isso, o município também assume sua responsabilidade."

Grande ABC tem 344 jovens internados

Em média, cada um dos cerca de 17,5 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas sob a tutela do Estado custa aos cofres públicos R$ 1.300 por mês. Desse total, 5.500 estão em regime de internação. Segundo a Fundação Casa, 344 jovens do Grande ABC estão internados em diferentes unidades do Estado.

Santo André é a cidade de origem da maioria dos jovens. São 92 crianças e adolescentes - 77 internos e 15 em situação provisória, aguardando decisão judicial. De São Bernardo, são mais 66 em regime de internação e 28 em trânsito.

Diadema está em terceiro lugar. São 55 internos e outros 22 esperando a determinação da Justiça. A demanda das três cidades justifica a necessidade de se construir com urgência unidades em cada município para que os jovens possam ser atendidos mais próximo de suas comunidades.

Única cidade da região que possui centro de ressocialização para jovens em conflito com a lei, Mauá tem 50 internos e nove em situação provisória. São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra têm juntas 18 em internação e apenas quatro aguardando decisão de medida.

 

Especialistas cobram mais evoluções

Especialistas ouvidos pelo Diário concordam que as mudanças promovidas com o advento da Fundação Casa trouxeram grande melhora para o atendimento e reinserção social de crianças e adolescentes em conflito com a lei, mas observam medidas que precisam ser melhor trabalhadas.

"O complexo do Tatuapé chegou a ter 2.600 jovens em 2004, e, o da Imigrantes (ambos na Capital) chegou a ter mais de 2.000 em 1999. Eram prédios separados, mas, na pratica, se um tinha problema, a dificuldade passava para todos os outros e a situação era incontrolável", disse o integrante do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) Ariel de Castro Alves, que levou à instancias internacionais de Justiça casos de tortura e maus-tratos contra jovens na antiga Febem. "O compartilhamento da gestão possibilita a entrada da sociedade civil e oferece tratamento mais humanizado. Hoje o controle é maior e o número de funcionários é mais adequado", disse Ariel.

Presidente da Amar (Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco), Conceição Paganele reclama mais transparência. "A entrada de entidades nas unidades deveria ser facilitada. Problemas ainda existem e não podem ser ocultados."

Conceição faz elogios a descentralização do serviço, que desativou os complexos da Capital e distribui unidades por todo Estado. "Essa foi uma luta muito grande, mais de dez anos de enfrentamento com o governo. Era o que nos sonhávamos, unidades pequenas, para menos internos e perto das famílias."

Pós-internação - A professora da Faculdade Anchieta Marlene Zola diz que a descentralização do atendimento foi positiva, porém ela acredita que ainda falte articulação entre Estado e municípios nas políticas públicas pós cumprimento das medidas. "Precisamos de ações mais articuladas e não pontuais. Não dá para atender só a emergência, a situação problema. Ele tem de ser olhado na sua amplitude, caso contrário o jovem rouba de novo e vai para a cadeia."

Marlene aponta a necessidade de trabalhar a perspectiva de vida e segurança dos adolescentes, com programas de geração de trabalho e renda, inclusão escolar, e por meio de grupos reflexivos que preveem a auto-estruturação. Na visão da professora, o ideal seria que houvesse um programa de preparação com os adolescentes que estão prestes a ganhar a liberdade, organizado pelos municípios e pela Fundação.

Escolha de terrenos é empecilho para construção no Grande ABC

Há pelo menos uma década discute-se a instalação de unidades de internação para jovens em conflito com a lei no Grande ABC. Apesar do longo período de debate e da grande demanda de crianças e adolescentes da região cumprindo medidas socioeducativas em unidades espalhadas pelo Estado, apenas Mauá possui um centro de ressocialização.

A expectativa da Fundação Casa é também inaugurar unidades em Santo André, São Bernardo e Diadema. Nos três municípios, a dificuldade em se apontar uma área adequada à construção protela o início dos trabalhos.

Em São Bernardo, o Estado dispõe de terreno e pretende erguer dois prédios para internação na região do Alvarenga. Favorável à instalação da unidade mas contrária à escolha do bairro, a Prefeitura prometeu, mas ainda não apresentou outro espaço como contrapartida.

Em Santo André o terreno já foi indicado, porém ainda não se sabe se as unidades poderão ser erguidas. Doado pela Prefeitura, o espaço de 12,5 mil metros quadrados, ao lado do Viaduto Cassaqüera, tem o solo contaminado e deverá passar por estudo ambiental que determinará a viabilidade da construção.

Em Diadema, Prefeitura e Fundação Casa realizaram encontro esse ano para tratar do assunto, mas ainda não conseguiram levantar possíveis área para receber o projeto.

 

Tráfico é o delito que mais cresceu entre jovens da região

O tráfico de drogas é o delito que mais cresceu e levou adolescentes do Grande ABC a cumprir medidas socioeducativas em regime de internação na Fundação Casa nos últimos anos. Levantamento feito pela instituição mostrou que em dezembro, 118 jovens do Grande ABC foram para a Fundação por envolvimento com drogas. Em julho de 2001, eram apenas 14 adolescentes. Isso representa um aumento de 742% em pouco mais de sete anos.

O tráfico é o segundo ato infracional mais cometido, perdendo apenas para o roubo qualificado (seguido de agressão) que corresponde a 46,5% das causas de internação. Tentativa de roubo qualificado e roubo simples aparecem com 4,2% cada, enquanto o latrocínio (roubo seguido de morte) é responsável por 3,1% das internações dos jovens do Grande ABC. Outras formas de crimes representam 9,3% dos motivos que levam adolescentes à Fundação.

Os dados sobre os internos da região reforçam a amplitude do problema. De 361 adolescentes, 64,82% não concluíram o ciclo dois do Ensino Fundamental (da 5ª a 8ª série). A maioria está na faixa dos 16 e 17 anos, idade em que já deveriam estar no Ensino Médio.

A evasão escolar se mostra ainda maior quando se considera o número de concluintes do Ensino Médio: apenas dois.




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