Setecidades Titulo Dia Mundial de Luta Contra a Aids
Tecnologia possibilita apoio entre soropositivos na região

Por meio de aplicativo de conversa via celular, moradores que convivem com HIV e Aids tiram dúvidas e fazem amizades

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
01/12/2019 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


“Cheguei a tomar uma colherada de cândida porque ouvi dizer que matava o vírus, procurei benzedeira, mas só tive qualidade de vida quando comecei a tomar os remédios corretamente e a confiar no meu médico.” Depoimentos com base em experiências de vida, como o revelado ao Diário pelo metalúrgico aposentado Kaio Ramos, 53 anos, é uma das ferramentas utilizadas por grupo de apoio destinado a pessoas diagnosticadas com HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) e Aids para conscientizar a respeito da importância do tratamento correto para o controle da doença, ainda sem cura. No caso do grupo Família Somos Todos Iguais, que reúne 125 indivíduos do País todo, a maior parte da troca de ideias ocorre via celular, por meio de aplicativo de conversas.

Soropositivo há 30 anos, Ramos, que é morador de Santo André, viu no grupo de WhatsApp alternativa para viabilizar o trabalho social há dois anos, já que não demanda sede física e custos com sua manutenção. Sua atuação na área, entretanto, é antiga, começou no início da década de 1990. “Quando vi o desespero das pessoas infectadas internadas nos hospitais, jogadas de lado, sofrendo preconceito, percebi que tinha de fazer alguma coisa”, observa.

No dia a dia, o metalúrgico aposentado se dedica a divulgar o grupo de apoio. Para isso, coloca cartazes em unidades de saúde públicas e privadas. A cada 30 dias são realizadas palestras em encontros físicos sobre temas como tratamento, tipos de medicação, sexo seguro, qualidade de vida. “Esse apoio é fundamental para as pessoas que ainda hoje recebem a notícia de que são soropositivas como sentença de morte. Elas chegam amedrontadas, revoltadas no grupo e nosso objetivo é dar informação de qualidade e ajudá-las nesse momento difícil.”

Para o profissional de panfletagem Marcelo Menezelo, 53, participar de grupo de apoio é uma das formas de espantar a solidão que o diagnóstico do HIV traz. “Você conhece pessoas, troca experiências, se diverte e, quem sabe encontra um amor”, observa a respeito do desejo de conhecer sua alma gêmea. “Ainda tenho a esperança de arrumar alguém soropositivo. A pessoa que não tem HIV não entende nosso dia a dia.” Morador de Santo André, ele descobriu a doença em 1998. “Foi um baque, mas procurei não pensar no problema e enfrentar. Tomo meus remédios toda manhã e procuro ser feliz. Se pudesse dizer alguma coisa aos jovens, diria para se cuidarem mais.”

CELEBRAÇÃO
Neste domingo, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, os integrantes do grupo Família Somos Todos Iguais promoverão evento, a partir das 17h, no Espaço Aberto (Avenida Pereira Barreto, 869, Paraíso), em Santo André, com palestra sobre temas relacionados à doença e apresentações musicais. A entrada custa R$ 10.

‘A gente não pode falar para todo mundo que convive com HIV’

Foi após visualizar cartaz colado na parede do centro de referência em saúde onde faz tratamento, em Santo André, que a costureira Silmara de Palma, 44 anos, tomou conhecimento de que poderia encontrar “pessoas com quem poderia falar abertamente” sobre os altos e baixos da vida de um soropositivo. “Estava um pouco depressiva. Me achava um bicho de outro mundo. Ajuda ter com quem falar quando não estamos bem”, ressalta sobre as vantagens de integrar o grupo Família Somos Todos Iguais.

Ela explica que ser soropositivo requer, além de acompanhamento médico e cuidados com a saúde no dia a dia, determinação. “A gente não pode falar para todo mundo que convive com HIV. Nenhuma empresa onde trabalhei soube da minha doença. Tem muita gente que não consegue se manter no emprego, porque nem todo mundo entende quando o funcionário precisa se afastar porque está internado, quando precisa ir a consultas, buscar remédio. A vida amorosa é um pouco difícil com pessoas sorodiscordantes e muita gente ainda tem preconceito a ponto de não dividir um copo ou um talher”, exemplifica.

Silmara descobriu o HIV durante a gestação da primeira filha, hoje com 21 anos. Segundo ela, a contaminação ocorreu aos 15 anos, após relação sexual desprotegida com o primeiro namorado. Graças ao tratamento realizado durante o pré-natal, o vírus foi controlado e não foi transmitido ao bebê. “É complicado, você não pode amamentar, a criança toma medicamento, mas a chance de passar a doença para o filho é de 1%”, destaca a costureira, que se casou e teve o segundo filho, hoje com 9 anos. “Tive um relacionamento de sete anos com o pai dos meus filhos.”

Por conta da grande quantidade de medicamentos que é obrigada a ingerir desde que foi diagnosticada com HIV, Silvana desenvolveu pancreatite. Durante a primeira crise no pâncreas, ficou 42 dias internada e, num ato de desespero, abandonou o tratamento. “Fiquei dois anos sem tomar remédio. Fiquei anêmica, com broncopneumonia, mal conseguia parar em pé. Consegui me recuperar e, desde então, nunca mais deixei de me tratar”, comenta.

Grande ABC tem um novo caso por dia

Balanço divulgado pelas prefeituras a pedido do Diário aponta que foram registrados 603 novos diagnósticos de HIV/Aids em cinco das sete cidades – exceto Mauá e Rio Grande da Serra – em 2018, o equivalente a um por dia. A maior parte das pessoas contaminadas (60%) continua sendo a de moradores com idade entre 20 a 35 anos. Conter o avanço da doença entre o público jovem é o principal desafio e, demanda, conforme especialista, conscientização.

“O Brasil evoluiu muito na prevenção da Aids a partir de medicamentos e no tratamento da doença. Hoje as pessoas vivem mais e melhor. No entanto, as pessoas continuam se expondo, principalmente os homens jovens”, ressalta o médico infectologista David Uip, reitor da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC). Para o especialista, os programas de combate à Aids por parte do governo são bem-sucedidos, o que falta é a população “fazer a sua parte”. “Atendo muitos pacientes que se expõem (têm relação sexual sem preservativo) e nem se lembram, abusam do álcool e das drogas”, observa.

Em âmbito nacional, foi lançada a campanha HIV/Aids. Se a Dúvida Acaba, a Vida Continua, cujo objetivo é mudar na população jovem brasileira a atitude e a percepção da importância da prevenção, teste e tratamento do HIV.

“Uma das forças que move o ser humano é o medo. E ver ídolos morrerem trouxe impacto para a minha geração e temor em contrair a doença. Quando os primeiros casos foram identificados no Brasil e no mundo, não tínhamos o tratamento que temos hoje. Mas os jovens entre 20 e 34 anos não conhecem a cara do inimigo, não entendem que a doença mata. A gente antevê várias lutas contra o preconceito, contra a doença e precisamos trabalhar para que jovens parem de se infectar com o HIV”, destaca o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Neste ano, o foco da ação nacional será em incentivar pessoas que fizeram sexo sem prevenção a fazer o teste rápido para detecção do vírus. A estimativa do Ministério é a de que cerca de 135 mil pessoas vivam com HIV no País e não saibam.

Até o fim do ano, o governo estima que serão distribuídos 462 milhões de preservativos, que segundo o Ministério é a forma mais eficaz de prevenção. 




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