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Vira-casaca?

Diário ouve militantes, ex-filiados e especialistas sobre a desilusão do Grande ABC com o PT

Por Júnior Carvalho
Daniel Tossato
28/10/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


 O saldo do primeiro turno da corrida presidencial para o PT no Grande ABC confirmou o que estava sinalizado nas duas últimas eleições: a região onde Luiz Inácio Lula da Silva emergiu nacionalmente e onde o Partido dos Trabalhadores foi idealizado e criado nos anos 1970 e 1980 não é mais a trincheira da sigla.

Pela primeira vez na história do partido, o petismo perdeu em todas as sete cidades na primeira fase de uma disputa ao Planalto. Mais: viu o presidenciável da direita Jair Bolsonaro (PSL) sair como o mais votado – com índices expressivos –, em todas as 23 zonas eleitorais da região.

Os números do dia 7, em que o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, ficou com a segunda colocação em seis municípios – em São Caetano ficou atrás de Ciro Gomes (PDT) e de João Amoêdo (Novo) – evidenciou o que o pleito de 2016, quando a legenda perdeu o comando de todas as prefeituras, já indicava: em sua maioria, o eleitor da região onde Lula se formou politicamente por meio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC se afastou da legenda. O desempenho do petismo no primeiro turno desta eleição foi pior que o da já polarizada eleição de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) ganhou em dois municípios. Também é o avesso à histórica vitória de Lula em 2002, quando venceu nas sete cidades, com índices acima dos 50% dos votos válidos.

Morador de Santo André e eleitor do PT em disputas passadas, o motorista Cleiton Argentini, 38 anos, foi de Bolsonaro nesta eleição “por causa das questões de corrupção em que o partido se envolveu”. “Votei no PT em todas as outras eleições. Sempre votei no Lula e, em 2014, votei na Dilma, mas não dá mais. É aquilo que falam: temos que escolher entre um ladrão e um maluco. Nós sabemos que o ladrão vai roubar, mas não sabemos o que o maluco vai fazer. Bolsonaro tem o benefício da dúvida ao meu ver. Já votei nele no primeiro turno e vou votar nele no segundo”, explica.

Além do combate à corrupção, acreditam, Bolsonaro representa a “mudança que vai melhorar a sociedade”. “Votei em alguns candidatos no PT durante anos, mas nunca mais vou votar no PT novamente. É um partido que está metido em muita corrupção e não tem nada a oferecer ao Brasil. Escolhi votar no Bolsonaro porque quero trazer esperança para o País”, justifica a andreense Andreia Ferraz Giumetti, 47, que chegou a atuar como assessora de uma vereadora do PT em Santo André, mas garante que a aversão ao partido não surgiu por motivos pessoais.

Para o cientista político Ivan Fernandes, professor de Políticas Públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC), três fatores provocaram essa mudança: avanço do conservadorismo, capitaneado por igrejas evangélicas pentecostais; antipetismo e a defesa da Lava Jato, questões, portanto, que ultrapassam os limites da região. “Esse processo (avanço do conservadorismo) ganha força (na eleição de 2016) com a eleição do (Marcelo) Crivella (PRB, bispo da Igreja Universal), como prefeito do Rio de Janeiro. O Jair Bolsonaro, apesar de não ser tradicionalmente vinculado a esse grupo, absorve esse apoio”, analisa, ao adicionar que o “antipetismo escolhe o candidato mais forte” para representá-lo. “São fenômenos distintos, mas, neste momento, estão confluindo com Bolsonaro. Apesar de haver possíveis incoerências e problemas na carreira do Bolsonaro no que diz respeito ao combate à corrupção, ele faz defesa incisiva da Lava Jato”.

No campo do avanço do voto conservador, o cientista político Gerson de Moraes, professor da Mackenzie, lembra que o debate nestas eleições não está sendo realizado no campo ideológico, mas na questão moral. “Há debates sobre o kit gay e o aborto, por exemplo. Nesses assuntos, a direita tem vantagem, pois acaba por defender as questões de costumes conservadores e ligados à família. E sabemos que o brasileiro está muito mais alinhado às questões conservadoras.”

Já Ivan Fernandes pondera que Bolsonaro “não é figura sui generis”. “Ele não representa a direita da redemocratização. Representa justamente a direita que ficou refém com a redemocratização.”

Crítico à legenda, Gilson faz as pazes com sigla
Primeiro prefeito do PT, em Diadema, entre 1983 e 1988, Gilson Menezes (atualmente no PDT) voltou a se aproximar do petismo ao declarar voto no presidenciável Fernando Haddad (PT), ao Diário. Crítico ao partido nos últimos anos, sobretudo durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, voltou a defender a legenda porque, segundo ele, o Brasil não pode ser comandado por um “torturador”.

"Mesmo com minhas críticas ao partido, votarei em Fernando Haddad”, antecipou. Gilson alegou que não faria análise mais profunda sobre a perda de votos do PT no Grande ABC nas últimas eleições. “Quero falar da eleição.”

Prefeito de São Bernardo por dois mandatos (2009-2012 e 2013-2016) e principal liderança política do partido na região, Luiz Marinho culpou a “perseguição política” contra a legenda desde 2013. “O PT sofreu ataques da mídia. Em 2016, o partido sofre com a onda (referindo-se às vitórias do PSDB na Capital e em quatro cidades do Grande ABC) e em 2018 sofremos com outra onda, desta vez, do PSL”, argumentou o petista, que amargou a quarta colocação na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes neste ano, com 12,66% dos votos válidos, um dos piores desempenhos do PT desde que disputa o governo paulista. “Isso vai acabar um dia. O PT é um partido enraizado e que tem muito legado”, assegura.

Oswaldo Dias (PT), ex-prefeito de Mauá (1997-2000, 2001-2004 e 2009-2012) também entende que o partido sofreu com “enxurrada” de denúncias nos últimos anos. “Estamos vivendo um fenômeno mundial. (Donald) Trump (presidente dos Estados Unidos) é grande exemplo da escolha pelos governos de direita.”

Petista histórico e fiel escudeiro de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Djalma Bom acredita que a gradual perda de votos, em especial no Grande ABC, se deve ao fato de que a sigla perdeu contato com a base. “O PT precisa voltar a ser o partido dos trabalhadores e não dos patrões. Precisa voltar a ter contato com periferia e com quem é assalariado. Desde quando quis se alinhar às elites, o partido foi perdendo votos.”

Coordenador do PT no Grande ABC, Carlos Grana, ex-prefeito de Santo André, acredita que o País está vivendo onda conservadora e antipolítica. “O PT perdeu votos e posições políticas nos últimos anos, mas o PSDB também tem sofrido com a crise política em que vivemos. Apesar de todos os problemas, o PT se mantém firme."




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