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Jovens que queimaram índio pataxó negam intenção de matar
Do Diário OnLine
07/11/2001 | 00:11
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Os quatro acusados da morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos negaram que o grupo teve intenção de matar quando ateou fogo ao índio, em 21 de abril de 1997. Max Rogério Alves, Tomás Oliveira de Almeida, Eron Chaves e Antônio Novelly Cardoso de Villanova, filho do juiz Novelly Villanova, foram ouvidos pela juíza Sandra de Santis no Tribunal de Justiça em Brasília.

Após o término dos depoimentos, por volta das 16h20, a juíza Sandra Santis começou a fazer a leitura do seu relatório e de algumas partes do processo, que tem cerca de 2 mil páginas. O julgamento foi interrompido por volta das 23h e será recomeçado às 9h desta quarta, ainda com a leitura de trechos do processo.

O advogado de defesa, Raul Livino, afirmou que os depoimentos são verdadeiros. “Eles sempre afirmaram que foi uma brincadeira nefasta, odiosa e irresponsável”, disse. Já a advogada assistente de acusação, Erilda Balduíno, contestou a alegação da defesa. “As brincadeiras às vezes são crimes e, nesse caso, um crime hediondo”, afirmou.

Max Rogério, o primeiro a ser ouvido, voltou a dizer a tese já apresentada por sua defesa, de que o grupo foi influenciado por ‘pegadinhas’ e que os jovens queriam assustar alguém. Max, que dirigia o carro no dia da morte do índio, contou que alguém teve a idéia de pregar uma pegadinha em um homem que dormia em um ponto de ônibus – o índio pataxó. Eles deram uma volta pela cidade e passaram em um posto de gasolina, onde compraram dois litros de álcool. Ainda segundo o relato de Max, Eron Chaves de Oliveira foi quem jogou álcool no índio pataxó, sendo que Tomás e Antônio e ele riscaram os fósforos.

Após o relato do ocorrido, a juíza Sandra de Santis então perguntou a Max Rogério se não havia possibilidade de socorrer Galdino. O rapaz respondeu que não. Segundo ele, a intenção do grupo era jogar álcool apenas em algumas partes do corpo do índio. No entanto, ainda de acordo com Max, as chamas se espalharam e houve uma forte explosão, o que levou o grupo a abandonar o local e jogar a garrafa de combustível no pataxó.

“Não tinha mais o que fazer. Eron ainda parou e ficou olhando para a vítima em chamas. Ele falou para a gente voltar e ajudar. Mas não podíamos fazer nada. Ficamos assustados”, contou Max à juíza.

Max contou ainda que os rapazes deixaram o local quando um carro, que passava no local, acendeu o farol na direção deles. O grupo fugiu e Max deixou os colegas em casa. Poucos minutos após chegar, um policial foi a sua casa perguntar por sua mãe, Maria, dona do Monza que dirigia. O policial explicou que o veículo se envolveu em uma infração e Max levou a polícia até o carro. Com a mão em cima do capô, o policial notou que o motor ainda estava quente. O rapaz foi levado à delegacia, onde confessou o crime. Max Rogério deu o seu depoimento chorando a maior parte do tempo.

A mesma linha foi seguida por Tomás Oliveira de Almeida, que contou que o grupo sofreu muito na prisão, tendo de fazer serviços pesados. “As pessoas dizem que somos filhos de juiz, temos mordomia. Não tem nada disso. Na cadeia a gente adquiriu maturidade. A gente viu morte, briga, crueldade”, disse.

O último depoimento desta terça-feira foi feito por Antônio Novély Cardoso de Vilanova. Ele afirmou, perante o Tribunal do Júri, estar arrependido de ter participado do episódio.

Os rapazes, após permanecerem presos no Complexo da Papuda, cumprem pena no Núcleo de Custódia, em uma ala onde ficam apenas menores. Eles trabalham no almoxarifado, que fornece material para as cantinas. Os acusados contaram que eram chamados de playboys e que suas famílias, em dias de visita, eram pegas reféns.

Perdão — Durante seu depoimento, Tomás Oliveira de Almeida pediu perdão à família do índio, que está presente no julgamento. “Quero pedir perdão à família. Sei que causei sofrimento. Nós nunca menosprezamos o sofrimento da família. É difícil expressar o que estamos sentindo. É normal a família do Galdino ter raiva da gente, mas queríamos que não nos tratassem como inimigos”, disse. Eron Chaves e Antônio Novelly Cardoso de Villanova também pediram perdão à família da vítima. Apenas Max Rogério não pediu desculpas pelo crime.

A mãe do índio Galdino, disse que não perdoará os acusados. Minervina Jesus dos Santos,72 anos, que sofre de diabetes e tem problemas no coração, teve de deixar o tribunal por passar mal. Ela retornou ao Tribunal do Júri Popular à tarde.

Penas — Todos os acusados estão presos há quatro anos e meio. Eles foram detidos logo após o crime. Porém, o quinto acusado, menor de idade, conseguiu liberdade assistida depois de 144 dias de internação. O rapaz cumpre pena trabalhando em uma clínica que cuida de crianças queimadas em Formosa, em Goiás.

O julgamento deve durar ainda mais dois dias. Nesta quarta-feira, serão ouvidas 23 testemunhas, das quais 19 de defesa e quatro de acusação. O júri popular, composto por sete pessoas, será ouvido na quinta-feira. Segundo a Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a juíza pode decidir pela acareação dos quatro acusados.

Se eles forem acusados de homicídio doloso poderão pegar 30 anos de prisão. No entanto, se o júri entender que não houve crime hediondo e decidir por delito de lesão corporal seguida de morte, eles podem pegar 12 anos.

Os sete jurados que vão decidir a pena dos réus foram sorteados na manhã desta terça. São eles: Juarez Lopes de Oliveira, Rômulo Porfírio, Jorge dos Santos Melo, Maria Cristina Vieira, Diana Gomes de Andrade, Míriam Gros e Alzira Macedo de Araújo Mota.

Suspeita — O promotor Maurício Silva Miranda entrou com um recurso no Tribunal de Justiça do Distrito Federal nesta segunda-feira tentando impedir que a juíza Sandra de Santis presida o julgamento. Assistentes da acusação, que representam a família da vítima, também pedem o afastamento da juíza e o adiamento do julgamento. No início da sessão, a juíza Sandra de Santis afirmou que não vai se afastar do caso.

Sandra é considerada suspeita pelo Ministério Público por ter se pronunciado sobre o mérito do processo. A juíza classificou o crime como lesão corporal seguida de morte, desconsiderando a tese de homicídio.

Protesto — Os índios da tribo Pataxó, da qual Galdino fazia parte, estão em frente ao Fórum e nesta tarde realizam um ritual indígena. Eles vieram de dois ônibus de sua aldeia, no litoral da Bahia, e prometem fazer uma vigília em frente ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Quase cem policiais fazem o esquema de segurança no prédio do Tribunal de Justiça. Há detectores de metais na entrada e as câmeras fotográficas e filmadoras estão proibidas na sala onde é realizado o julgamento.




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