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Contra a cultura da intolerância

No mês em que se comemora o dia do fiel da umbanda e do candomblé, religiosos pedem respeito

Yara Ferraz
Diário do Grande ABC
17/12/2017 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


No mês em que se comemora o dia do fiel da umbanda e do candomblé, em 31 de dezembro, líderes das religiões de matriz africana do Grande ABC chamam atenção para a necessidade de se fazer valer, na prática, o direito à liberdade religiosa, previsto no artigo 5 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Embora a legislação assegure o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de celebração da fé e a suas liturgias, o que se observa é o avanço da intolerância, com episódios de violência verbal e física contra seguidores e templos. A principal preocupação está na gradativa perda da cultura trazida pelos escravos africanos há pelo menos 200 anos, tendo em vista a falta de políticas públicas que assegurem o respeito às diferenças.

Estimativa da Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Diadema é a de que haja 3.000 espaços dedicados ao culto da umbanda e do candomblé no Grande ABC. O número, entretanto, não condiz com o mais recente Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010. O levantamento aponta que apenas 11.526 moradores das sete cidades se declaravam seguidores de religiões de matriz africana naquela época, quantidade equivalente a apenas 0,45% da população total.

Os rotineiros casos de discriminação religiosa sofrida por praticantes da umbanda e do candomblé podem ajudar a explicar o número pequeno de seguidores autodeclarados. “Muita gente olha feio. Outros chegam perto e me dizem ‘está repreendido’. É algo constrangedor e invasivo. E isso acontece mesmo após o aumento do acesso à Educação Superior nos últimos anos. Algumas pessoas não suportam que saímos da senzala. Acredito que a intolerância tem como base o racismo”, ressalta o pai de santo e doutor em Semiótica e Linguística Geral pela USP (Universidade de São Paulo) Sidnei Nogueira Barreto, 48 anos.

Apesar do preconceito e de seu templo já ter sofrido depredação, Barreto – que tem casa religiosa junto da mãe, Joesia Teles Barreto, 69, em Mauá, e outra em Suzano – faz questão de manter a tradição e usar roupas típicas brancas e colar de contas. “Em 2011 derrubaram duas vezes os blocos de construção. Cheguei a registrar a ocorrência, mas é só tipificada como dano ao patrimônio ou vandalismo”, revolta-se.

Joesia, que opta por usar roupa comum no dia a dia, ressalta que diversos de seus ‘filhos de santo’ – ela tem 70 no total – já relataram ter sofrido discriminação. “Não sei o porquê as pessoas não respeitam. É algo triste e que precisa mudar”, considera.

Mãe Carmem de Oxum, 64, de São Bernardo, ressalta a necessidade de ser militante. Apesar de já atuar há mais de 40 anos como consultora de figuras políticas famosas, continua a passar por situações constrangedoras. “Fui obrigada a ser militante. Não podia ficar sem fazer nada em relação a tantos casos de discriminação. Já cheguei até a ser levada para a delegacia. Ainda hoje, quando andamos na rua, as pessoas se afastam e atravessam para o outro lado. Não conseguem enxergar que só teremos paz no mundo quando houver paz entre as religiões”, afirma ela, que integra o Fórum Inter-Religioso do Estado de São Paulo.

Especialista cobra Estado laico de fato

A garantia dos direitos de seguidores da umbanda e do candomblé não depende da criação de novas leis, apenas da vigoração do Estado laico, conforme prevê oficialmente a Constituição. Isso é o que defende o professor do curso de Relações Internacionais e presidente do Conselho Deliberativo da Casa das Áfricas da UFABC (Universidade Federal do ABC) Acácio Sidinei Almeida Santos.
“O Poder Público não precisa criar nenhuma lei nova, mas valer aquilo que existe, garantir a prática religiosa e o Estado laico. Além disso, estes casos devem ser tratados como prática do racismo. Precisamos discutir o racismo institucional em todas as esferas.”

A teóloga da Universidade Presbiteriana Mackenzie Lidice Meyer acredita que a prática do Ensino Religioso poderia funcionar como agente contra a intolerância. “Se ensinado que as religiões buscam a paz e o bem estar social, as próximas gerações vão aprender a respeitar.”

Na prática, sem a garantia de direitos, seguidores das religiões de matriz africana acabam até mesmo abandonando a crença. “Quando o pai ou a mãe de santo morrem, a casa muitas vezes entra em colapso, principalmente quando a família não segue a religião. Isso é fruto de uma política que não separa Estado e religião. Hoje temos uma bancada evangélica, que acaba nos pintando como se fôssemos o mal”, considera o presidente da Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Diadema, Cássio Lopes Ribeiro.

Apesar das dificuldades, o pai de santo Sidnei Nogueira Barreto, 48, segue o caminho trilhado por sua progenitora e ‘mãe de santo’, Joesia Teles Barreto, 69, dentro da umbanda e do candomblé.
“Meus filhos cresceram dentro da nossa cultura”, destaca a matriarca.

Ilê mantém tradição em S.Bernardo

O Ilê Olá Omi Asé Opô Araká é uma tradicional comunidade do candomblé localizada no Alvarenga, em São Bernardo, que em festas chega a reunir até 1.200 pessoas. O número de filhos de santo do local já supera os 5.000.

A matriarca da família de 15 pessoas é Carmem de Oxum, 64 anos, mãe de santo há mais de 40, e que tem lista de clientes recheada de políticos. Já se consultaram com ela o deputado federal Paulo Maluf (PP), a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB). “As pessoas famosas procuram ajuda espiritual para jogar os búzios e para pedir que tenham caminhos abertos. A casa é aberta para quem precisa de um prato de comida e de atendimento”, destaca.

Ela destaca reencontro que teve com o governador do Estado na posse dos integrantes do Fórum Inter-Religioso do Estado de São Paulo, em julho. “Ele (Alckmin) é uma pessoa maravilhosa. Você não acredita que está falando com uma das autoridades do País pelo modo como ele te recebe. Acredito que isso é uma amizade e falei para ele ‘gostaria que o senhor fosse nosso presidente da República’. Ainda não é uma coisa definida, mas é o que eu gostaria, porque ele tem um olhar humano.”

O santuário é tombado como patrimônio cultural municipal desde 2016 e, atualmente, em processo de tombamento no Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo). O local existe desde a década de 1970. “Esta casa era o nosso sonho. Aqui temos grande presença da natureza, que é um dos principais pontos do candomblé”, afirma o babalorixá (chefe espiritual e administrador da casa) pai Karlito de Oxum. 




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