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A arte que transpõe as grades

Projeto inédito no Estado leva aulas de literatura, cordel e teatro a presos do CDP de Diadema

Por Cadu Proieti
Do Diário do Grande ABC
04/11/2013 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Ao entrar no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Diadema, o barulho do abre e fecha dos portões de ferro, os gritos dos detentos e o cheiro desagradável tornam o clima tenso. A apreensão continua no primeiro contato visual com os presos, que observam a chegada da equipe do Diário com olhos desconfiados. No entanto, as palavras dos professores Carlos Lotto e Manoel Moreira Júnior, conhecido como Moreira de Acopiara, quebram o gelo. Ambos participam de projeto inédito no Estado dentro da unidade prisional do município, onde lecionam literatura e cordel para os detidos que aguardam sentença.

“Nosso trabalho é voltado para inserção. Essas pessoas precisam de acolhimento. Na hora da aula, eles esquecem um pouco que são presos e criminosos, e pensam apenas como alunos”, afirmou Lotto.

A ação teve início em 2010, quando um antigo diretor do CDP, que tinha o objetivo de resolver os problemas de indisciplina no presídio, teve a ideia de introduzir a educação na unidade. Ele apresentou o projeto para a Prefeitura, que aprovou a iniciativa e convidou os dois professores para participarem da ação. Desde então, cerca de 90 detentos recebem aulas de literatura, cordel, teatro e música, que deixou de ser aplicada no início deste ano por falta de voluntários.

“Gostei da ideia. Nos primeiros dias fiquei apreensivo e nervoso. Cheguei a ficar impressionado com a situação. Eles também demoram um pouco para se soltar no começo. Mas, com o tempo, vi que ao chegar aqui a gente encontra jovens que querem aprender. Então, a dica que damos para qualquer um que entra no CDP é deixar o preconceito do lado de fora”, afirmou Moreira de Acopiara.

Mesmo encarcerados, os detentos mostram sinais claros de disciplina, ordem e respeito entre eles e em relação aos professores. “Educação no raio (pavilhão – são 34 no CDP). Todo mundo de camiseta e bermuda. Vamos respeitar as visitas”, grita um deles.

Com a chegada dos mestres para a aula, os prisioneiros vão saindo da cela e se apertando, todos em pé, em um pequeno espaço ao lado do cárcere, onde há grande lousa com várias frases escritas com giz. Um por um, passam e cumprimentam os professores. Alguns deles entregam papéis com versos feitos durante a semana. Na sala de aula, ficam de 20 a 30 alunos. As oficinas são ministradas uma vez por semana.

Para fazer parte do projeto há dois requisitos obrigatórios: ter vontade de estudar e bom comportamento na cadeia. O presídio conta com 1.409 detentos. Portanto, somente 6,3 % participam da ação.

“Tenho mais problemas dando aulas em escolas públicas do que na prisão. O clima aqui é de diálogo e total liberdade, justamente o que eles não possuem aqui dentro. Os detentos adoram que a gente leia o que eles escreveram. Aqui, temos contato com pensadores, filósofos, compositores e artistas. São talentos escondidos, que nunca descobriram que tinham esse potencial”, explicou Lotto.

A cada oficina é trabalhado um tema diferente. No encontro presenciado pelo Diário, os versos feitos pelos detentos foram a respeito do que pensam sobre a escuridão. “A família, por exemplo, é um grande norte para eles, o que os motiva a fazerem as coisas aqui dentro. Alguns participam das oficinas para poder escrever melhor para os familiares. Por exemplo, os temas das aulas são sempre coisas do cotidiano deles. Se não for algo que estão vivendo, não se interessam”, comentou Lotto.

Músico reencontra cultura na prisão e planeja usar aprendizado fora

Há três meses no CDP de Diadema, preso pelo artigo 157 (assalto), R. S. L., 39 anos, era contrabaixista antes de ser detido. Ele diz que entrou no crime por acaso. “Sempre fui trabalhador. Estava em um momento ruim, sem trabalho, e precisava de dinheiro. Um camarada me arrastou para um roubo, acabei aceitando e fui pego. Agora, estou aqui pagando o preço de um erro que aconteceu por fatalidade.”

Atualmente, o detento frequenta as três oficinas oferecidas no presídio, sendo uma delas sua predileta. “Gosto de fazer aula de teatro, é muito bom. Sempre fui muito acanhado, e isso está me ajudando a me comunicar melhor e a me expressar. Acredito que o que tenho aprendido aqui vai me ajudar a arrumar serviço lá fora, quando for fazer uma entrevista de emprego.”

O jovem P. S. F., 20, é outro que já teve contato com a educação fora do presídio. Ele relatou que cursava o 3° ano do Ensino Médio quando foi preso por tentativa de homicídio, há seis meses. “Me interessei pelas oficinas por conta da progressão da pena, mas com o tempo foi despertando mais o meu interesse. Aqui, tenho aprendido literatura de uma maneira tão agradável, muito diferente da escola.”

Arrependimento é uma das palavras mais citadas pelos detentos. “Se Deus quiser, em breve irei embora daqui. Vim parar na prisão por acidente. Quero retomar minha vida, ajudar minha família e ser feliz. Espero que essas oficinas me ajudem lá fora, pois estão sendo importantes para continuar a viver aqui dentro”, disse o detento.

EMOÇÃO

A aula acompanhada pelo Diário foi encerrada com um dos presos tocando violão e cantando, com voz muito afinada, três músicas. “Perdi minha mãe muito cedo. Essa canção dói demais”, disse o músico antes de entoar No dia em que eu saí de casa, da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano.

O professor Moreira de Acopiara, que foi homenageado com a música Asa Branca, de Luiz Gonzaga, disse que se surpreende a cada aula. “Um deles, que é nordestino também, me disse que queria ouvir versos do poeta da terra dele. Então perguntei: ‘mas quem seria’? ‘Moreira de Acopiara’, ele respondeu. Isso foi muito gratificante.” 




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