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Obras de Moisés retratam a vida na periferia
Por Everaldo Fioravante
Do Diário do Grande ABC
02/11/2005 | 08:15
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No hall de entrada do prédio da subseção de Santo André da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), na área central da cidade, há uma cabeça no chão. É uma escultura em sucata de metal feita por Moisés Patrício, 21 anos. A obra, Soldado do Morro, nasceu a partir de uma cena terrível: um traficante degolado na Vila Industrial, em São Paulo, divisa com Santo André, região periférica onde o artista plástico mora. "Esse traficante era meu vizinho e eu o conhecia há tempos. Ele tinha uns 20 anos quando foi morto, em dezembro do ano passado. A frente da escultura é o perfil do rosto, como o vi na rua com a cabeça separada do corpo", afirma Moisés. Essa é uma das obras do jovem negro que formam a exposição que abre às 18h30 de quinta-feira, realizada pela Caad (Comissão de Advogados pela Afrodescendência), braço da OAB andreense. O evento, em cartaz até o fim do mês com entrada franca, celebra o Mês da Consciência Negra.

A mostra traz outras quatro obras, pinturas de formatos variados marcadas pelo uso de materiais inusitados na criação, a maioria elementos reaproveitados – assim como ocorre com a escultura, realizada por exemplo com pregos, parafusos e um suporte para vaso. Em Medo de Nascer, que simboliza uma criança no útero, Moisés usou uma moldura de espelho. "É uma criança com medo de sair da proteção da barriga da mãe e encarar o mundo", diz.

Já em Repouso na Favela, pintura de observação na qual retrata uma poltrona encontrada em um terreno baldio e utilizada no barraco de um amigo, Moisés usou um pedaço de seu próprio cobertor. "O outro pedaço está virando mais uma obra. Minha mãe ficou um pouco brava com essa história, mas já comprei uma coberta nova". Por fim, O Grito no Espelho, um auto-retrato, e Preta da Terra, a simbolização de uma índia.

Aproveitando as discussões acerca da negritude despertadas pelo Mês da Consciência Negra, Moisés falou sobre o preconceito que enfrenta por ser negro e de origem humilde.

"O preconceito mais clássico que sofro é o medo que as pessoas sentem. Essa semana, atravessei a rua e todo mundo fechou os vidros dos carros, pensando que eu estava lá para roubar. Acredito que a cor da minha pele não faz diferença: se cortar, sai sangue, como ocorre com qualquer um. No final das contas, relevo esse tipo de atitude. Acredito que isso seja um problema de falta de educação. Se as pessoas fossem mais bem educadas, isso não ocorreria com tanta freqüência", afirma.

"Às vezes olham minhas obras e não acreditam que eu as fiz. Chegam a pedir para eu pintar alguma coisa na hora, só para comprovar. Sempre questionam minha identidade cultural e meus fundamentos intelectuais", diz Moisés.

Nesta quinta-feira, além da abertura da exposição, Moisés experimenta outro momento especial: é seu primeiro dia de trabalho como professor de Pintura Mural, serviço prestado à Prefeitura de Santo André. Também na OAB andreense, começa nesta quarta-feira uma mostra com sete obras em técnica mista assinadas por Marjaina, de São Bernardo.

Moisés Patrício – Exposição. Subseção de Santo André da OAB – av. Portugal, 236 (próximo ao Paço Municipal). Tel.: 4994-3040. Abertura: nesta quinta-feira, às 18h30. De segunda a sexta, das 9h às 18h. Entrada franca. Até dia 30.




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