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Consumidor fica à mercê de acordo

Sem intervenção do poder público, especialistas sugerem nova aprovação de valores e taxas direto com os fornecedores de serviços

Tauana Marins e Flávia Kurotori
do Diário do Grande ABC
04/05/2020 | 00:01
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A crise provocada pela Covid-19 levou os governos federal, estaduais e municipais a implementarem medidas e benefícios a empresas para tentar minimizar os impactos na economia e no emprego. No caso de consumidores que perderam o trabalho ou sofreram redução salarial, porém, a orientação de especialistas é que devem buscar a negociação direta com prestadores de serviços se não conseguirem manter os pagamentos em dia, casos de planos de saúde e escolas. Ou seja, indicam que é praticamente impossível intervenção do poder público.

Conforme publicado pelo Diário no dia 23 de abril, pesquisa do Observatório Econômico da Universidade Metodista de São Paulo apontou que 46% das famílias do Grande ABC tiveram a renda comprometida após a determinação da quarentena. Entre elas, 20% viram os ganhos caírem em pelo menos 50% até a primeira quinzena de abril.

Diante do quadro, um terço das pessoas ouvidas afirma ter deixado de pagar pelo menos uma conta no período. Não por acaso, as escolas particulares amargam inadimplência em torno de 35%, ante média de 4% em anos anteriores.

As instituições seguem em período de férias ou atendimento remoto, com videoaulas para dar continuidade ao ano letivo. Apesar da inadimplência, as mensalidades seguem inalteradas. A artesã andreense Renata de Souza Ribas, 41 anos, conta que alguns pais fizeram abaixo-assinado virtual para pleitear desconto na escola onde os filhos estudam, pois muitos são autônomos ou comerciantes e estão sem trabalhar. “A resposta é que neste momento não se poderia dar desconto”.

A ex-diretora do Procon São Paulo e de Santo André e advogada especialista em direito do consumidor Ana Paula Moraes Satcheki defende que no caso das escolas e universidades ou faculdades a regra da mensalidade é diferenciada, uma vez que o serviço é contratado no início do ano e dividido em parcelas.

“A unidade escolar precisa prestar o serviço ao longo do ano, podendo adotar providências e reestruturar o serviço que vai oferecer, desde que o aluno não seja prejudicado.”

Oswana Fameli, presidente da Aesp (Associação das Escolas Particulares) ABC afirma que as instituições não conseguem, em sua maioria, oferecer descontos neste momento. “A instituição de ensino vem perdendo muito, e é preciso ter capital de giro. Em alguns casos, claro que haverá conversa com os pais, mas não podemos lidar com oportunismo. Os educadores e demais funcionários precisam ser pagos, assim como as despesas da estrutura física, honradas.”

“Renegociação é o melhor caminho, tanto do lado dos pais quanto da escola, que precisa, muitas vezes, contratar plataforma de serviços on-line, de filmador para aulas em vídeo e até de professores trabalhando fora do horário para dar suporte aos alunos. No caso das escolas com educação infantil e as creches, vale conversar, porque a disponibilidade de aulas on-line foge do que trabalham nesta etapa, que depende mais de socialização”, diz Ana Paula.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) pondera que nos casos de cursos presenciais, em que as aulas ministradas dessa forma estão suspensas por causa da pandemia, é comum que as instituições apliquem meios virtuais. Neste caso, o entendimento em favor dos consumidores é de que nesses casos é possível pedir desconto, uma vez que a lei 9870/99 determina que na rematrícula a instituição inclua todos os gastos do ano, seja pessoal, energia, equipamentos e tributos. 

João Pedro Alves Pinto, advogado especialista em processo civil do Meirelles Milaré Advogados, orienta que ao notar que não conseguirá arcar com a mensalidade, o estudante deve buscar a negociação. “Em razão da substituição das aulas (pelo ensino a distância), a instituição não é obrigada a cortar a mensalidade, mas o aluno pode negociar ou tentar parcelamento das dívidas para o futuro”, explica. O especialista destaca que, mesmo inadimplente, o contratante segue tendo direito à aula. 

NA PRÁTICA 

A Fundação Santo André, por exemplo, que está com as aulas suspensas desde 13 de março, adotou o uso da tecnologia para ministrar as disciplinas pelo sistema. “Os canais institucionais do setor financeiro estão abertos  para acordos e negociações”, afirma o reitor Rodrigo Cutri, em nota.

A Anhanguera esclarece que está custeando investimentos adicionais para que os professores sigam com as aulas virtuais, assim, “entende-se que as mensalidades escolares não devem sofrer qualquer impacto”.

A USCS (Universidade Municipal de São Caetano) anunciou, em março, suspensão do pagamento das mensalidades até junho aos estudantes que tiveram prejuízo salarial. Os alunos podem pagar a partir de 2021; para aqueles que deixarem a instituição, as parcelas começam a vencer em agosto.

Pacote de TV a cabo e adicionais podem ser renegociados ou suspensos no período

Serviço que pode pesar no bolso em tempos de crise econômica é o das operadores de TV a cabo. No caso de planos específicos sob demanda, chamados de pay per view, o Código de Defesa do Consumidor indica que não existe pagamento por serviço não prestado, já que os campeonatos de futebol, por exemplo, estão suspensos.

“Hoje, vivemos uma situação atípica para ambos os agentes (contratante e contratado). Uma alternativa seria trocar os canais de esporte por outros de filme. Mas, se o cliente não quiser, pode pedir a rescisão do contrato. E as operadoras poderiam excluir a multa”, orienta a advogada especialista em direito do consumidor Ana Paula Moraes Satcheki.

“A maioria das empresas está aberta para renegociar diante do cenário que estamos vivendo”, afirma João Pedro Alves Pinto, advogado especialista em processo civil.

Segundo a Proteste, os clientes podem suspender em até quatro meses o serviço por causa da pandemia. Um dos requisitos é que o contratante esteja adimplente. Durante o período da suspensão, o consumidor não pagará a mensalidade ou outras cobranças. E também não precisa pagar para reativar os serviços.

Plano deve manter atendimento, mas precisa ser avisado

Os planos de saúde, após determinação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), não podem deixar de prestar atendimento mesmo em caso de inadimplência. Segundo a  advogada especialista em direito do consumidor  Ana Paula Moraes Satcheki, a regra é clara: caso não consiga honrar com o pagamento, o contratante deve buscar a operadora de saúde imediatamente e documentar a situação. “Só assim a operadora poderá reaver o atendimento, fornecer algum outro plano ou negociar a dívida.”

João Pedro Alves Pinto, advogado especialista em processo civil, ressalta que a renegociação deve ser o primeiro passo. E, principalmente neste cenário, deve evitar o cancelamento. “A operadora precisa estar ciente da situação, e tentar renegociar evita que o problema vire uma bola de neve, acarretando no cancelamento.”

O Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de negociação por fatos supervenientes, como o enfrentado. “Não é recomendável que o consumidor fique inadimplente neste momento, pois isso poderá gerar o cancelamento do contrato caso fique dois meses sem pagar”, explica o Idec.

A aposentada Nanci Trazzi, 79 anos, de Santo André, não conseguiu pagar a mensalidade de março por estar ajudando o filho, que já estava desempregado antes da pandemia. “Antes de vencer entrei em contato e falei com eles. Anotei o protocolo de atendimento e eles deixaram pagar parcelado nos próximos meses. O novo boleto deve chegar por esses dias. Mas é uma despesa que não deixo de pagar mesmo ficando apertada, porque não confio em depender do SUS (Sistema Único de Saúde), infelizmente.”




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