Cultura & Lazer Titulo Dramaturgia
Abreu experimenta novos rumos
14/04/2010 | 07:00
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À primeira vista parece imensa a ambição de Luis Alberto de Abreu. Poeta dos palcos, ele atingiu aquele ponto da carreira em que poderia tranquilamente usufruir de conquistas adquiridas e serenamente tirar proveito de sua maestria no manejo das palavras criando peças no conforto do já sabido.

Porém esse autor de dezenas de textos, entre eles "O Livro de Jó", do Teatro da Vertigem, e o roteiro adaptado da minissérie "Hoje é Dia de Maria", quer mais. Sua inquietação o leva a arriscar-se na experimentação de novos rumos para sua arte.

Abreu persegue uma mitologia capaz de renovar estruturalmente sua dramaturgia, quiçá além dela. Busca tomar como base outros arquétipos em substituição ao herói guerreiro, competitivo e individualista, "figura central e organizadora da cultura", como ele define.

Gostaria de ver atuando sobre a sensibilidade dos espectadores protagonistas cuja força estivesse fundada em valores femininos ou infantis, como a fragilidade e a imaginação.

Utopia? Sim, ele sabe o grau de dificuldade da tarefa que se impôs. "Não concordo que a ambição seja sem tamanho, mesmo porque não creio que seja só minha, nem eu daria conta sozinho dela. Não é a fundação de outra mitologia, mas sim uma procura por colocar à luz os valores e as imagens femininos soterrados por cinco milênios de tradição patriarcal. Não é fácil, é certo. A mitologia das culturas agrárias matrilineares do neolítico não foi escrita e muito dela se perdeu e foi modificada e usurpada pelo patriarcado", diz.

Mas encontrou um grupo disposto a iniciar o que promete ser, para Abreu, uma longa aventura. E na noite de quarta-feira, às vésperas do feriado de Semana Santa, a reportagem foi até São José dos Campos acompanhar a estreia de "Um Dia Ouvi a Lua", texto em que esse autor experimenta a inversão dos valores do ‘macho adulto branco sempre no poder' a partir das narrativas de três composições muito conhecidas do cancioneiro popular brasileiro recriando-as do ponto de vista feminino.

A história da primeira canção, "Adeus, Morena, Adeus", do violeiro que prefere seguir errante a casar-se é abordada do ponto de vista das crianças que observam ‘a louca da estação', a mulher presa ao passado.

Não há ‘virada de jogo', o que o autor expõe é a dor causada pelo cumprimento do ritos masculinos, não só no casal, mas também no pai cumpridor do dever de ‘surrar' a filha. Na segunda, "Cabocla Tereza", a mulher igualmente não escapa de seu destino, mas ainda que ‘morta' ela aparece altiva, ganha voz e conta seu trágico fim de seu ponto de vista, com seu matador já transformado em penitente.

E é só na última história, "Rio Pequeno", que a intervenção vem forte. A menina sai da casa do pai no cavalo do amado, mas no caminho observa a violência masculina na forma de esporear o cavalo e foge, não por acaso, para o mato. Ali faz sua individuação. O homem a reconquista não pela força, mas justamente por ‘deixar escapar' sua fragilidade.

"Ao abandonar a trajetória do herói, abandono também uma forma dramática tradicional, mas a forma dessa ruptura ainda não sei qual é. Estou flertando com o teatro Nô. Esse espetáculo tem muito de inspiração do Nô, não o Nô formal, mas da essência dele." É conferir esse e aguardar os próximos.




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