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Parque São Bernardo, lugar de gente simples

Bairro da periferia de São Bernardo reúne moradores que há décadas lutam por melhorias

Angela Martins
Do Diário do Grande ABC
21/11/2011 | 07:00
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Em meio às ruas esburacadas, postes carregados de ‘gatos' e paisagem desoladora de ocupação irregular, população composta por gente simples leva a vida com alegria no Parque São Bernardo. A maioria das casas está inacabada e há sérios problemas de infraestrutura. Nem por isso quem mora no bairro deixa de carregar sorriso no rosto e a esperança de que um dia se tenha condições dignas de moradia.

"Esse é um pedacinho do céu", diz a empregada doméstica Simone Monteiro Veneto, 46 anos. Incapaz de apontar problema do bairro no qual mora há 20 anos, ela pede ajuda ao amigo que caminha ao seu lado. "Falta espaço de lazer para as crianças e os jovens. Quantas praças você vê por aqui?", pergunta o pintor Ademilton Félix, 40, nascido e criado ali.

Félix, no entanto, mostra-se outro entusiasta do bairro. "Gosto daqui, mas poderia haver mais estrutura para os moradores. Somos sobreviventes. Lutamos todos os dias para transformar esse lugar em algo melhor", define. Mestre da bateria mirim da escola de samba Renascente de São Bernardo, ele ensina música para 60 crianças, entre 4 e 14 anos. As aulas ocorrem todos os fins de semana, na Escola Estadual Professora Palmira Grassiotto Ferreira da Silva, uma das sete unidades educacionais que atendem à população do Parque São Bernardo.

Em busca de diversão, os jovens procuram outros pontos da cidade para as partidas de futebol. Muitos vão ao Parque Cidade-Escola da Juventude Città Di Marostica disputar espaço nas pistas de skate. No bairro não há locais para a prática de esportes. Os únicos dois campos de futebol que existiam foram eliminados para a construção de piscinão. "Prometeram construir novo campo e nada", lamenta Félix.

SAÚDE

Filas, demora no atendimento, falta de remédios e especialistas. Essas são as reclamações de quem procura a Unidade Básica de Saúde Parque São Bernardo. "Enfartei duas vezes e preciso marcar cardiologista. Tive de ir ao Pronto-Socorro Central para conseguir o encaminhamento para a consulta, que só será realizada em três meses", relata o aposentado Alcide Leitão, 71. A reivindicação é por uma unidade 24 horas. "Porque doença de pobre só aparece de noite, já reparou? É só anoitecer que as crianças e os velhos começam a passar mal", enfatiza.

Já o comércio vai de vento em popa. Sobram clientes em uma área apinhada de gente, com movimento expressivo nos fins de semana. O que falta mesmo é uma agência bancária. "Não temos bancos ou casas lotéricas. Mas não podemos reclamar, porque o local é ótimo para o comércio", garante a proprietária do Brechó da Vovó, Maria de Lourdes Gomes, 60.

Benzedeira recebe 500 pessoas por dia

Com voz calma e corpo franzino, Ana Maria Lemes, 56 anos, recebe pacientemente a visita de cerca de 500 pessoas diariamente. Gente da cidade, da região e até de outros Estados. Todos à procura de bênção, de conselho ou de cura para doenças ou problemas pessoais. Ana não nega ajuda a ninguém.

Desde os 12 anos, quando herdou o dom da bênção de seu pai, Antônio, ela atende a população, a partir das 7h. "Faço atendimento enquanto houver pessoas aqui. Sem hora para acabar", explica. Solteira e sem filhos, Ana dedica a vida a ajudar o próximo. "Faço porque gosto. É bom poder ajudar as pessoas. Só tenho a agradecer."

SOLIDARIEDADE

Na família Lemes não é apenas Ana que dedica seu tempo e energia para transformar o Parque São Bernardo em lugar melhor. A matriarca, Maria do Carmo, 84, conhecida como mãe Cotinha, distribui 40 refeições por dia a moradores de rua que procuram o alimento na porta de sua casa.

"Começou há uns três anos. Um senhor pediu comida e eu dei. Depois apareceram outros e hoje virou tradição", explica. A mesma comida servida para a família é distribuída para os necessitados. Para manter as panelas cheias, aceita-se doações. Os alimentos arrecadados também servirão para manter outra tradição, a do almoço de Natal. Há 15 anos a família prepara para a comunidade uma refeição no dia 25 de dezembro. No último ano, 2.500 pessoas cearam juntas no pátio de uma escola no bairro.

Filho de mãe Cotinha, José da Silva Lemes, 47, quer transformar um espaço particular construído por ele em escola de música e centro cultural para jovens e crianças. "Falta incentivo do poder público para ajudar iniciativas como essa. Mas nosso sonho vai virar realidade", acredita.

E com a certeza de quem tem canal direto com o ‘andar de cima', Ana afirma que as coisas só tendem a melhorar no Parque São Bernardo. "Deus vai resolver os nossos problemas."

Obras de urbanização serão concluídas em 2014

Com 50 anos de existência, a favela faz parte da lista de bairros que receberão R$ 105 milhões para obras de urbanização. No Parque São Bernardo está prevista a construção de 778 unidades habitacionais por meio do Programa de Aceleração do Crescimento 1. Também serão atendidos os núcleos Alto da Bela Vista e Novo Parque.

No total, serão beneficiadas 3.123 famílias. O projeto, que deve ser concluído em 2014, inclui a construção de centro de educação profissional e práticas esportivas, centro comercial, pista de skate e, inclusive, paisagismo da Passagem do Oleoduto.

As lentas conquistas, a ação coletiva...

Urbanisticamente, o Parque São Bernardo faz parte de uma série de loteamentos populares assentados em terras do antigo Sítio dos Vianas, propriedade rural cujos registros datam do século 19. Esses loteamentos foram abertos a partir de 1949, data em que surge o primeiro deles, denominado Chácara Rialto. Antes, as terras, baldias e rurais, tinham como referência duas estradas legendárias, a dos Vianas e a Carijós, esta em área de Santo André.

Como bairros urbanos próximos, dois casos, ambos da década de 1920: Vila Baeta Neves e Nova Petrópolis. Nos anos 70, Vila Baeta é elevada à categoria de bairro, justamente para abrigar o Parque São Bernardo e os demais loteamentos, entre os quais as Vilas Tupi (1952) e Viana (1954). O equipamento mais antigo e próximo é a Chácara Silvestre com seu casarão, construção dos tempos da família Pujol e que serviu como casa de campo do banqueiro Wallace Cochrane Simonsen e família.

A Prefeitura identificava o Parque São Bernardo como favela na virada da década de 1970 para 1980. Era uma das três maiores de São Bernardo, ao lado das de Vila Ferreira e Jardim Calux. Segundo o Departamento de Promoção Social, a população do Parque São Bernardo chegava a 3.039 moradores, com 641 barracos. 
Naquele tempo, esboçavam-se dois novos núcleos, o do Jardim Silvina e o Pai Herói, no Jardim Petroni.

Não existiam, por exemplo, os núcleos de Vila São Pedro, antecedida pela Vila Esperança, próxima ao antigo lixão dos fundos da Vila do Tanque, e o do Cafezal, na Estrada do Montanhão.

No caso do Parque São Bernardo, a população começa a conquistar melhorias importantes apenas em 1981, como a luz elétrica e água encanada. Até então, a luz era clandestina e a água obtida em poços rasos.

Em 1989, o Diário participou de projeto no Parque São Bernardo para registro da memória dos mais antigos moradores. Deixaram depoimentos gravados 22 pessoas. Houve um encontro na Escola Municipal Aldino Pinotti e outros dois no bairro - um deles na favela do Parque São Bernardo, que se formou em torno do loteamento inicial. Prevalecia a população originaria de Minas Gerais. O gosto gastronômico era frango com quiabo, que a equipe saboreou na casa dos Silva Lemos. (Ademir Medici)




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