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Orientação, mobilidade e o mundo do trabalho

Participei do Seminário de encerramento do curso de Orientação e Mobilidade

Carlos Ferrari
Do Diário do Grande ABC
07/06/2014 | 07:00
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No dia 31 de maio, participei do Seminário de encerramento do curso de Orientação e Mobilidade, promovido pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em parceria com o Instituto de Cegos do Brasil Central. Fui convidado para falar sobre a empregabilidade de pessoas com deficiência visual, e fazer uma relação com a formação que estava terminando.

Após aceitar o desafio e pensar um pouco sobre como construir uma boa fala, cheguei à conclusão que deveria partir de minhas experiências pessoais e de meus conhecimentos acadêmicos na área de gestão. Assim, elaborei uma apresentação que colocou a orientação e a mobilidade enquanto paradigma transformador do indivíduo para o mundo do trabalho.

Hoje compartilho com vocês os cinco pontos que me fizeram chegar a esta conclusão, na expectativa de provocar reflexões que reafirmem ou contestem essa minha abordagem.

Comecemos pela proatividade. Para uma pessoa cega se locomover com qualidade, seja utilizando um cão, uma bengala, ou qualquer outra ajuda técnica, deve desenvolver esta habilidade. Faz-se necessário ser proativo para pedir informações, arriscar um novo caminho, mesmo não tendo clareza total da qualidade desta decisão, ir até um ônibus e perguntar o número ou nome da linha em momentos que não há ninguém no ponto para dar essa informação.

A segunda habilidade é a observação. Cheiro de farmácia, barulho de uma fabriqueta qualquer, piso esburacado, tudo isso passa a se configurar como grandes detalhes para constituição de referenciais. Quando caminhamos pelas ruas, temos que literalmente ler os diferentes ambientes, observar e eleger cada novo ponto como orientador para futuras incursões.

A disciplina foi apontada por mim como a terceira habilidade que adquirimos depois de alguns quilômetros rodados. Um cego deve ser rigoroso no uso de suas técnicas, visto que dentre outras coisas, estamos falando da própria segurança. Passamos por viadutos, escadas rolantes, estações de trem, dentre outros lugares que não são nada simples. Logo, ser disciplinado é quase uma questão de sobrevivência.

A penúltima habilidade que apontei em minha conversa com os alunos da querida professora Nicinha foi a resiliência. Não dá para esmorecer diante da constatação de que acabamos de pedir informação para um objeto, imaginando que falávamos com alguém. Temos que compreender aquela senhorinha que nos ajuda atravessar a rua e logo em seguida passa a tentar nos convencer que o pastor de sua igreja nos operará uma cura, daquelas de ser catalogada em bíblia. Tornamo-nos resilientes, pois aprendemos a conviver com loucos, santos e pseudonormais a cada passo pelas ruas.

Por fim, falei do protagonismo que conquistamos quando decidimos ser independentes, autônomos, ou porque não dizer, livres. Somos o tempo todo ajudados quando caminhamos, porém somos nós que escolhemos o caminho. Com a ponta da bengala ou mesmo com a ajuda do cão, somos nós, pessoas cegas, que escrevemos a nossa história.

Por meio deste texto, homenageio os muitos profissionais de Orientação e Mobilidade, que com muito conhecimento e amor puderam transformar a vida de milhões de pessoas cegas há décadas por todo o mundo. Em especial, ofereço essa coluna a minha professora Sonia, que há quase 25 anos foi a responsável por tudo o que aprendi no manejo de uma bengala longa, e ao povo de Uberaba, que tão bem nos acolheu.

Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde). 




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