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Gorjeta 'gorda' atrai meninos da zona Leste a semáforos da região
Gabriel Batista
Do Diário do Grande ABC
19/03/2006 | 08:16
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 Três e meia da tarde de quarta-feira. Duas mulheres bem vestidas, na faixa dos 30 anos, passam de Corsa pelo semáforo do cruzamento das avenidas dos Estados com Antônio Cardoso, em Santo André. Encostam o carro e se encantam com 12 crianças e adolescentes mirrados, de 10 a 16 a-nos, que carregam rodos e garrafas com água para limpar o pára-brisas dos carros e pedir gorjeta. Com dó, as moças do Corsa desembolsam generosos trocados. O que as mulheres não sabem é que essas crianças moram no Parque São Rafael - zona Leste da capital -, não freqüentam escola e correm o risco de ser mutiladas nas caronas que pegam na rabeira dos trólebus. Tudo para ganhar os trocados de Santo André, mais fartos que na zona Leste.

A maioria dos meninos que migram, via trólebus, mora no Conjunto Habitacional São Francisco, no Parque São Rafael. Começaram a vir para cá há cerca de dois anos, mas a migração se intensificou de outubro para cá. Atualmente, vêm praticamente todos os dias, em grupos de até 30 garotos. São matriculados em escolas, mas a maioria não vai às aulas. Eles buscam dinheiro para se alimentar bem, comprar chinelos e roupas, e para ajudar os pais, geralmente desempregados.

Para eles, em Santo André há ma-is dinheiro. Um garoto arrecada, em média, R$ 30 por dia na avenida dos Estados. "Aqui dá mais dinheiro", definiu um menino de 13 anos na quarta-feira. Outro, da mesma idade, tinha a esperança de receber alimentos da reportagem. "Vocês vão dar comida ou não? Sei que são ricos." Ao receber resposta negativa, retrucou com firmeza: "Então, vão me dar prejuízo! Estou perdendo tempo conversando."

Eles elegeram o cruzamento das avenidas dos Estados e Antônio Cardoso, entre o Carrefour e o Sam's Club, como o melhor ponto para arrecadar esmola. O local fica a um quarteirão da parada Itamarati do trólebus, onde as crianças terminam a viagem pelo coletivo. Algumas pagam a passagem (R$ 2,10). Outras dependuram-se nas cordas da traseira dos veículos (recuperadores) e ali percorrem o corredor, de trecho em trecho.

A atitude das crianças tem provocado transtorno nas atividades da concessionária Metra, que administra o trólebus. Além do risco de atropelamento, os meninos podem perder os dedos ou a mão se não forem ágeis no momento de soltar a corda. Com a prática, é comum a alavanca da rede aérea se soltar e, assim, paralisar a operação do trecho. Alguns motoristas do sistema apresentam quadro de estresse em razão dos meninos, pois temem atropelar um deles.

A Prefeitura de Santo André e a Subprefeitura de São Mateus - responsável pelo bairro São Rafael - ainda não encontraram soluções para o problema, embora tenham feito reuniões. A encarregada de atenção à infância da Prefeitura de Santo André, Andréa Couto, afirma que a posição do município tem sido a de cobrar medidas do Conselho Tutelar de São Mateus. "A Prefeitura de Santo André tem de gastar com quem vive aqui. Se nos responsabilizarmos por meninos de fora, podemos atrair outros."

Várias vezes, os meninos foram levados ao Conselho Tutelar de São Mateus, que os entregou às suas famílias. No dia seguinte, os meninos estavam de volta ao semáforo. Os programas sociais não oferecem mais dinheiro do que as crianças conseguem na rua. "A Subprefeitura inseriu as crianças em programas, mas nosso cobertor sempre é curto, é uma área carente. A política de assistência tem de ser metropolitana. Foi-se a época em que cada um cuidava do seu quintal", diz o supervisor de assistência social da Subprefeitura de São Mateus, James Lemos Abreu.



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