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Respeito à identidade de gênero ainda engatinha

Apenas Santo André e Mauá garantem direito do uso do nome social por travestis e transexuais

Por Natália Fernandjes
27/11/2017 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


 Embora sejam perceptíveis avanços nas discussões relacionadas à luta por dignidade e respeito por parte da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) em todo o País, no Grande ABC, as políticas públicas voltadas à garantia dos direitos deste grupo, ainda vulnerável e vítima de violências, deixam a desejar. Exemplo disso é que apenas duas das sete cidades – Santo André e Mauá – garantem, por meio de decreto, o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais em toda a rede municipal de serviços.

Na prática, significa dizer que grande parcela da população LGBT ainda não tem garantido o direito à personalidade, de ser chamado pelo nome com o qual tem identificação, a menos que enfrente processo burocrático e lento na Justiça para evitar o constrangimento de ser tratado pelo nome civil, mesmo quando sua condição humana não corresponde a ele.

“Ainda estamos falando de um avanço muito pequeno, mas que já garante o respeito de não precisar passar por situações difíceis no médico ou em serviços públicos”, considera a cabeleireira Pamela Rogers, 33 anos. Travesti, ela destaca que está em processo de troca do RG, com o nome civil, para denominação social escolhida desde os 15 anos. “As pessoas não vão mais ficar me perguntando qual o meu nome de verdade. Não vou mais passar pelo constrangimento de receber ingresso de teatro com nome masculino”, diz Pamela.

Em Santo André, a assinatura do decreto 16.530/14 se deu ainda na gestão Carlos Grana (PT), quatro anos depois da publicação estadual 55.588/10, pelo então governador José Serra (PSDB), e dois anos antes da determinação federal 8.727/16, promulgada pela presidente Dilma Rousseff (PT). Mauá adequou sua legislação no dia 9, com o decreto 8.362.

RECONHECIMENTO
Os documentos garantem o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional. A pessoa pode requerer a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e registros dos sistemas de informações da administração pública a qualquer momento.

“É uma demanda da sociedade atendida pelo poder público e o reconhecimento de que essas pessoas existem”, define a secretária de Promoção Social de Mauá, Rosi de Marco. Para ela, o decreto corresponde ainda ao primeiro passo para que sejam incorporados dados sobre a população da cidade e, posteriormente, criado censo municipal.

A construção de censo da população LGBT no Grande ABC é, inclusive, uma das pautas em discussão no Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. O objetivo é filtrar as necessidades da comunidade LGBT entre as sete cidades e, a partir das informações, construir políticas públicas. Não há, entretanto, prazos para que o mapeamento saia do papel.

Entre os demais municípios, apenas Ribeirão Pires destacou que trabalha na elaboração de legislação semelhante ao decreto federal 8.727/16, no entanto, não detalhou prazos para colocar em prática a garantia de direitos. São Bernardo informou que o sistema de gestão de pessoas municipal permite o cadastro do nome social do servidor e que atualmente há um cidadão registrado.

‘Direito por meio de decreto é paliativo’
Apesar de destacar que o respeito à identidade de gênero por parte do poder público se trate de avanço, o presidente da ONG ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual) e ativista político Marcelo Gil destaca que o reconhecimento de um direito de cidadãos, no caso dos travestis e transexuais, é uma obrigação posta em prática de forma “atrasada e paliativa”.

“O Grande ABC deveria estar mais avançado nessas questões. Quando se desconhece a existência de uma população, ações como essas são consideradas milagrosas, mas na verdade são paliativas. Temos um direito sendo forçado por meio de decreto e nenhuma continuidade em políticas públicas”, aponta.

A principal dificuldade enfrentada, para o ativista político, é a falta de representatividade da comunidade LGBT nos órgãos públicos, algo necessário, segundo ele, para que haja não só olhar, como planejamento e execução de políticas públicas capazes de resolver problemas que vão desde a violência e o desrespeito contra pessoas LGBT até a dificuldade para conseguir emprego.

LEI
Além dos órgãos públicos federais, como universidades, o nome social já é assegurado por lei a estudantes travestis e transexuais na rede estadual de ensino. Desde o ano passado, algumas entidades de classe incluíram o tema no debate, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que aprovou resolução em âmbito nacional, e o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo).

Existe expectativa, ainda, da aprovação do projeto de lei de identidade de gênero, ou Lei João Nery (PL 5002/2013), do deputado Jean Wyllys (Psol). João Nery foi o primeiro transexual homem a ser operado no Brasil. A proposta, que tramita na Câmara dos Deputados, é baseada principalmente na lei de identidade de gênero argentina (Ley 26.743), considerada uma das mais avançadas do mundo. Pelo projeto, a alteração de documentação no cartório não necessitaria de cirurgia, tratamento hormonal ou laudo psiquiátrico, como ocorre hoje.




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