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‘Respeitamos as escolhas sem julgamento’

Carla Capuano é psicóloga formada pela Universidade Metodista de São Paulo, com MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Getulio Vargas, consultora de parto e pós-parto e doula

Por Vanessa Soares
Do Diário do Grande ABC
22/10/2018 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


 Idealizadora da Casita – primeiro espaço de convivência para gestante à primeira infância do Grande ABC –, Carla Capuano é psicóloga formada pela Universidade Metodista de São Paulo, com MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Getulio Vargas, consultora de parto e pós-parto e doula.

Criou o espaço, localizado em Santo André, dedicado ao atendimento humanizado a mulheres, mães, gestante e bebês em momento delicado da vida, o pós-parto.

Com quase seis anos de existência, mais de 1.500 famílias já passaram pelo local, que virou referência na região.

Quando e onde surgiu a ideia de criar a Casita?

A Casita surgiu com o encontro pós-parto semanal e gratuito. A ideia surgiu durante o meu pós-parto. Morando em Santo André, frequentava encontros de pós-parto no Espaço Nascente, na Capital, todas as segundas-feiras. Tinha aquela preguiça e medo da cria chorar no percurso – e como chorava –, mas mesmo assim eu ia. Era o dia mais esperado da semana e como me fazia bem. Durante o tempo que participei dos encontros, conheci muitas mulheres que passavam pelo mesmo que eu. Só por isso já não me sentia sozinha.

Há quanto tempo o espaço existe? 

Existe desde 2012, quando o pediatra do Espaço Nascente, Carlos Correa, Cacá, me sugeriu montar um grupo no Grande ABC. Me faltava um apoio nesta fase tão desorganizada na vida da mulher, o pós-parto. E, desde então, os encontros acontecem todas as quartas-feiras, das 14h às 17h, com temas livres, mediados por psicólogas ou temas específicos pedidos pelas mães que frequentam a Casita. Aos poucos e organicamente, fui fazendo parceria com profissionais conceituados em sua área de atuação. Atualmente, contamos com colaboradores humanos, escolhidos a dedo, que considero essenciais para estarem junto à nossa equipe. A Casita é espaço aconchegante, possui salas com janelas para o jardim, espaço para os menores engatinharem, gramado para os maiores também se divertirem. A Casita é cheia de detalhes e cores. Lugar para estar. Aqui as pessoas se sentem em casa.

Qual o principal objetivo do espaço? 

Informar e acolher. Acreditamos na importância de se apresentar os caminhos para uma maternidade e paternidade conscientes, reais e respeitosas, sempre alinhados com as mais recentes pesquisas científicas. A família que frequenta nosso espaço tem a oportunidade de conhecer as práticas que estão em linha com a Organização Mundial da Saúde e, assim, ter autonomia para decidir qual caminho escolher. Respeitamos as escolhas sem julgamento. Cada um tem sua história.

Qual a importância de se ter um espaço como esse no Grande ABC?

Mais que dar acesso a informações baseadas na ciência com profissionais que amam o que fazem é proporcionar atendimento próximo, de escuta, empatia e vínculo. Nossos atendimentos levam em média uma hora e meia. Não existe relógio no local, parece que o tempo aqui é outro. A Casita é casa e em nada se parece com clínica ou hospital. Os frequentadores daqui não são chamados de pacientes, são mulheres, gestantes e bebês. Ao longo desse tempo, temos construído história no atendimento humanizado para a região, desmitificando o medo do parto normal, mostrando que a mulher é capaz de ter o seu bebê de uma forma respeitosa, fisiológica e com segurança. Para isso, acreditamos na disseminação da informação. Quando falamos em humanização, falamos em proporcionar para a família informações e possibilidades. Somos um espaço que acredita que a informação, o apoio e o autoconhecimento empoderam a família para tomar a decisão sobre o seu parto e na maneira que escolhe para criar seu filho. Nosso ativismo é pela disseminação da informação. Por não permitir que a mulher seja enganada e que tenha seu parto respeitado. Que possa decidir por amamentar e ter todo o apoio da equipe (formada por pediatras, fono, enfermeira, psicóloga, obstetra) pró-amamentação. Nosso ativismo é proporcionar cursos e encontros que fazem as mulheres a não se sentirem sozinhas e que possam conviver com outras que estão na mesma fase de vida.

Quanta mulheres já passaram pela Casita?

Seis anos marcam caminhada de acreditar no que faz e fazer com amor. Temos orgulho de já ter atendido mais de 1.500 famílias nesse período.

Em todo esse tempo, alguma história marcou a senhora profundamente?

São varias as histórias nestes anos. O que mais ouvimos são famílias que se descobriram e mudaram sua forma de encarar a maternidade. A maioria delas chega a nós por meio de indicação de outras famílias que já frequentaram o espaço. Chegam em sua maioria com 25, 30 semanas de gestação, querendo trocar de ginecologista ou com problema na amamentação no primeiro mês de vida do bebê.

Atualmente vivemos uma era de total falta de compreensão com a escolha do outro. Como vocês lidam com as diferenças quando o assunto é parto?

Toda família tem o direito de receber informações baseadas nas mais recentes pesquisas e seguindo as orientações da OMS. Sabemos que os riscos da cesariana incluem prematuridade, necessidade de internação na UTI, problemas no sistema de defesa do bebê, que podem levar ao desenvolvimento de doenças como asma, obesidade e doenças autoimunes ao longo da vida. Para as mães, há risco de hemorragia, infecção e reação à anestesia durante a cirurgia, problemas para amamentar; aderência da placenta ao útero, principalmente se houver novas cesarianas; endometriose e problemas com a fertilidade. Parto normal é sempre melhor para mãe e bebê. Esse é o nosso papel, informar para dar autonomia para as famílias decidirem o que é melhor. A OMS emitiu em fevereiro deste ano novas diretrizes estabelecendo padrões de atendimento globais para mulheres grávidas saudáveis e reduzindo intervenções médicas desnecessárias, recomendando que as equipes de obstetrícia não interfiram no trabalho de parto de uma mulher de forma a acelerá-lo, a menos que existam reais riscos de complicações. Essas diretrizes incluem também o direito à mulher ter um acompanhante à sua escolha durante o trabalho de parto e o respeito pelas opções e tomada de decisão na gestão da sua dor e nas posições escolhidas durante o trabalho de parto e, ainda, o respeito pelo seu desejo de parto natural, inclusive na fase de expulsão. Mesmo após todas as orientações, a mulher tem autonomia para escolher qual via de parto e local é mais seguro para ela. Cada um tem sua história. De qualquer forma, na Casita, 95% das gestantes buscam parto normal.

Por que é importante falar de maternidade real?

De um lado está a maternidade idealizada, perfeita e incrível, que aparece nos comerciais e mídias sociais, e, do outro, está a maternidade real, que é intensa, solitária – na maioria das vezes – e difícil. Aqui na Casita, através da consultoria de parto e pós-parto e rodas para casais grávidos, mostramos a realidade, incentivamos que exista uma rede de apoio e proliferamos o mantra ‘vai passar’. Com informação, a mulher saberá que não está sozinha, evitará frustrações e culpa.

Como prevenir a depressão pós-parto?

De acordo com uma pesquisa realizada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), uma em cada quatro brasileiras sofre com a depressão pós-parto, que interfere na capacidade da mãe em cuidar do seu bebê e lidar com outras tarefas diárias. Os sintomas geralmente se desenvolvem dentro das primeiras semanas após o parto, mas podem começar mais tarde – até seis meses após o nascimento. Temos uma combinação de fatores físicos e emocionais que levam a ela. Mudanças hormonais, privação de sono, falta de apoio familiar, complicações obstétricas/estresse durante a gravidez, incluindo a aceitação da gravidez, parto traumático, morte neonatal, histórico de depressão ao longo da vida, rede de apoio fraca e problemas com amamentação. Para nós, da Casita, a prevenção está associada a informação de qualidade, pré-natal bem assistido, o que pode ser recomendada a psicoterapia para a mulher e/ou casal e apoio no pós-parto. Não podemos deixar de falar sobre o baby blues, ou tristeza materna, como também é conhecida. Estima-se que entre 70% e 80% das novas mães são afetadas. Isso é comum, e as mulheres precisam saber que passa.

Quais os principais sintomas?

Humor deprimido ou mudanças de humor severas, choro excessivo, dificuldade de desenvolver ligação amorosa com o bebê, afastamento da família e dos amigos, incapacidade de dormir (insônia) ou dormir demais (hipersônia), intensa irritabilidade e raiva, ansiedade grave e ataques de pânico, pensamentos relacionados a prejudicar a si mesma ou ao bebê, pensamentos recorrentes de morte ou suicídio. Se não for tratada, a depressão pode durar vários meses. O tratamento pode incluir psicoterapia, encontro pós-parto em grupo, acupuntura, antidepressivos e tratamentos alternativos.

Na sua opinião, por que ainda existe tanto preconceito e receio de se falar de depressão pós-parto?

As pessoas têm receio de falar de tudo que é tabu. É esperado que a mulher se sinta plena e realizada por ter se tornado mãe. Ainda vemos o preconceito de ser uma doença que por vezes necessita de acompanhamento medicamentoso. Existem pessoas que ainda acham que é frescura, e outras que não sabem como lidar com as pessoas que estão com depressão.

Quais cursos a Casita oferece?

Curso de Gestante e Cuidados com Bebê, com certificado para licença-paternidade de 20 dias, shantala e banho de balde, amamentação e volta ao trabalho, introdução de alimentos, desmame gentil, consultoria de carregadores de bebê, oficinas de leite vegetal e culinária divertida, musicalização para bebês de colo e andantes, dança materna e ioga para mulheres e gestantes. Temos rodas gratuitas para os casais grávidos, ou àqueles que querem engravidar, e encontro pós-parto com temas variados. Todos os nossos cursos oferecem caminhos e possibilidades. Falamos de todos os tipos de parto, das mais diversas maneiras de introdução de alimentos, de atividades que promovam o vínculo mãe-bebê-pai.

Quais especialidades mulheres e mães têm acesso na Casita?

Ginecologia, doulagem, amamentação, pediatria, homeopatia, acupuntura, drenagem, fisioterapia feminina – preparação para o parto, disfunções sexuais, incontinência urinaria –, psicoterapia individual e casal e nutrição. 

Os cursos e palestras são todos pagos?

Temos atividades pagas e gratuitas. Os encontros de pós-parto para quem frequenta o espaço regulamente, as rodas de gestantes que acontecem a cada 15 dias, diversos eventos que realizamos durante o ano, além do pré-natal integral, são todos gratuitos.




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