Esportes Titulo Torcedora do ano
Em busca da igualdade para todos

Mauaense Silvia Grecco almeja ao lado do filho, Nickollas, condições iguais às pessoas deficientes

Dérek Bittencourt
25/12/2019 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Imagine a cena: você está no estádio quando, de repente, um desconhecido se aproxima, te abraça e começa a chorar copiosamente. Ao soltar, explica o motivo: naquele dia, levava o filho pela primeira vez ao local e creditava à sua iniciativa o encorajamento. Esta passagem aconteceu com a mauaense Silvia Grecco, mãe do jovem Nickollas, dentro do Allianz Parque, onde a dupla ganhou visibilidade quando o hábito de ela narrar os jogos para ele, que é deficiente visual e autista, rendeu a ela notoriedade mundial e culminou no prêmio de Torcedora do Ano pela Fifa. “Fiquei até constrangida, não sabia o que estava acontecendo. Quando me soltou, ele me mostrou o filho de 18 anos que tem síndrome de Down e era a primeira vez que o estava levando. Me disse que foi encorajado pela gente. Aí chorei junto, pensando: ‘olha o que está acontecendo, estamos alcançando nosso objetivo e outras pessoas estão fazendo o mesmo’”, celebrou ela.

A luta é diária, constante, enfrentando barreiras até no próprio círculo social. “Não foram uma ou duas, mas muitas as pessoas que me falaram ‘coloca um radinho, para quê você narra? Por que levar um cego ao estádio?’ Ouvi isso muitas vezes e até mesmo sem ser de forma preconceituosa, de gente do nosso convívio que pensa assim. Mas o melhor é incluir de verdade. Não adianta me dar uma cadeira no estádio em espaço reservado só para ele. Incluir é ele estar no meio da torcida. Viver a experiência. E é fantástico. Ele ir ao estádio é transformador. Ele não para os 90 minutos. Eles podem, sim”, decretou.

Ao fim de uma temporada de muitos prêmios, homenagens, encontros, palestras e entrevistas, mãe e filho recepcionaram a reportagem do Diário no apartamento onde moram, em Santo André. Primeiro, receberam a escultura do garoto feita pelo ilustrador Fernandes – que ganhou destaque na prateleira, logo ao lado do prêmio da Fifa. Depois, em determinado momento, quando questionado sobre o que gostaria de ganhar de presente neste Natal, Nickollas deu resposta que deveria ser encarada com normalidade, mas surpreendeu.

“Um chocotone ou um Charge (chocolate)”, disse, com simplicidade, o garoto de 13 anos. “Natal é época de reflexão e meu desejo é que as pessoas tenham o olhar que tem o Nickollas como deficiente, que não vê o valor material, não vê beleza física. A essência é o que se tem de melhor. O belo é relacionado à bondade. Então o maior presente era poder que as pessoas enxergassem com o coração. Um chocotone ou chocolate vai fazer ele tão feliz quanto um menino que vai pedir um video-game de última geração”, disse.

Natal tem tantos significados e é possível dizer que um deles é Nickollas Grecco. “(Ele é um) Milagre de vida. Nasceu para vencer, tenho certeza disso. Até pela condição que nasceu, pela batalha para sobreviver. Ele veio com uma missão. Hoje me vem à cabeça a voz do médico me contando sobre a parada cardíaca que o Nickollas teve, que assinaram pelo óbito e depois ele estava ali, praticamente ressuscitado e continuou (vivo). Ele tem motivo muito grande para ter lutado tanto pela vida. Então estou aqui para apoiar, para ser os olhos quando precisar, mas não sou eterna, então tenho de capacitá-lo para que viva a vida dele”, concluiu Silvia.

Missão da dupla está apenas no começo

Se o ano de 2019 foi repleto de compromissos, 2020 deverá ser ainda mais. Isso porque Silvia Grecco vai ampliar os planos e projetos de inclusão e igualdade para as pessoas com deficiência, inclusive junto à CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Assim, a mauaense não acredita que sua tarefa já tenha sido concluída.

“Não posso dizer que foi cumprida porque agora é que comecei a missão, que vou poder falar para as pessoas que eles (com deficiência) existem, que podem, que precisam de oportunidade. Que não pode falar ‘coitado’, ter dó, porque não precisa. Onde achar o melhor lugar para serem felizes, é lá onde têm que estar. Achei para o meu filho no futebol e na música, então tudo quanto é show e jogo que puder levar, que tiver ao meu alcance, vou fazer. Se não fosse palmeirense, levaria para ver outro time também. Mãe é isso. Não sou diferente de outras, mas muitas sofrem por medo, insegurança, mas onde quiserem podem estar”, declarou a Torcedora do Ano.

Durante a premiação da Fifa, Silvia conversou com o presidente da CBF, Rogério Caboclo, para ampliar o projeto e dar oportunidade às crianças. O mandatário da entidade recebeu mãe e filho no Rio de Janeiro e, em 2020, a dupla terá uma tarefa: “No ano que vem o Nickollas vai percorrer os jogos do Brasileirão levando crianças deficientes de outros times, para fomentar a cultura da paz. Vamos fazer com que outras crianças tenham oportunidade. Isso para mim também foi um prêmio”, exaltou.

“A gente teve muita visibilidade, agora é usá-la para ações concretas. Será ano puxado. Vamos para a Florida Cup. Fomos convidados para ir à Bulgária, onde tiveram casos de racismo recentemente, para fomentar a cultura da paz também. Vamos para a final da Liga dos Campeões. É missão mesmo. Não vamos parar. Tentaremos estruturar, porque a intenção é essa: dar oportunidade para outros”, emendou Silvia.

A palmeirense disse ainda ter outra meta, esta bastante particular – e ousada. “Não sei se vou conseguir, mas gostaria de fomentar a cultura da paz. Gostava na minha juventude de ir para clássico com duas torcidas. Ia com amigos de Mauá, entrávamos numa Kombi corintianos e palmeirenses, chegávamos no Morumbi, cada um ia para um lado, depois voltávamos no mesmo carro e não tinha (problema). Hoje em dia sei que é pela segurança, mas um pouco daquela vibração do futebol se perde. Gostaria que voltasse.” 




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