Política Titulo 60 anos
‘Deus me chamou muito cedo’

Dom Pedro Carlos Cipollini foi escolhido bispo da Diocese de Santo André em 27 de maio de 2015

Francisco Lacerda
Do Diário do Grande ABC
18/03/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


 Nascido em Caconde, Interior de São Paulo, dom Pedro Carlos Cipollini foi escolhido bispo da Diocese de Santo André em 27 de maio de 2015, mesmo ano em que se mudou ao Grande ABC, região pela qual declara ter tido ‘amor à primeira vista’. Confidencia que sempre quis ‘seguir Jesus Cristo’. Por isso, segundo ele, Deus o chamou ‘muito cedo’ para o sacerdócio, em 1972, com o noviciado nos padres Paulinos. Ingressou no Seminário Central Imaculada Conceição em 1973. Desde então leva a palavra de Deus a todos os cantos. “Penso que a missão é continuar promovendo a solidariedade e ajudando o povo a ter esperança através do Evangelho.”


A estreia de dom Pedro Carlos Cipollini, 65 anos, nas páginas do Diário deu-se em maio de 2015, quando da nomeação dele a líder da Diocese de Santo André, responsável pelas sete cidades da região, após renúncia de dom Nelson Westrupp. Doutor em Teologia Dogmática pela Universidade Gregoriana de Roma, na Itália, ele escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, em coluna no caderno Setecidades desde 24 de agosto de 2015, na qual discorre sobre variados assuntos. O combate à violência e a cultura da paz foram os temas abordados inicialmente. “Muitas pessoas dizem-me serem leitoras dessa coluna.”

Onde o senhor nasceu? Onde se formou?

Nasci na cidade paulista de Caconde, segundo filho de Alzira e João Cipollini. Quatro irmãos e duas irmãs. Fiz meus estudos primários na cidade natal. Cursei Filosofia, Pedagogia e Teologia na FAI e no Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo, depois tive oportunidade de fazer doutorado em Teologia no Exterior.

Como o sacerdócio entrou em sua vida e que diferença fez no crescimento como ser humano?

Desde pequeno desejei ser padre, nunca quis ser outra coisa. Não tenho explicação para isso. Deus me chamou muito cedo e me deu força para seguir em frente vencendo os obstáculos. Neste itinerário formativo e também no exercício do ministério, cresci muito, aprendi mais ainda. Estou certo de que fiz a escolha correta, sinto-me realizado.

O senhor sentiu a necessidade de fazer a diferença na vida de outras pessoas?

Eu sempre quis seguir Jesus Cristo, servir a Deus de qualquer maneira, mesmo sabendo de meus defeitos. Ajudar as pessoas a encontrar Deus e vê-las felizes me deixa gratificado. Padre é o que tem vocação para servir o próximo e isso implica compromisso exigente, um não se pertencer.

Quando mudou-se para o Grande ABC e por qual razão? Como a região o acolheu?

Mudei-me para cá em julho de 2015, vindo de Amparo (Interior de São Paulo), onde fui bispo por seis anos. Antes tinha sido padre em Campinas mais de duas décadas. Ali fui pároco e professor de Teologia na PUC (Pontifícia Universidade Católica). O motivo de minha vinda foi a transferência determinada pelo papa Francisco, que me escolheu para suceder dom Nelson (Westrupp). Fiquei muito surpreso, a tarefa é imensa. Pensei que outros poderiam fazer melhor que eu, mas me asseguraram que era eu quem tinha que assumir essa missão. Meu receio desvaneceu quando percebi a acolhida calorosa que o povo do Grande ABC me dispensou.

Quais as primeiras impressões sobre o Grande ABC e sobre o trabalho a ser desenvolvido nos sete municípios?

Amor à primeira vista. A realidade é complexa, uma síntese de tudo o que é uma cidade grande em um processo de conurbação. O povo é bom, acolhedor e trabalhador. A sociedade é dinâmica, propositiva, com boa participação do povo, na sua maioria carente, mas cheio de esperança. O trabalho pastoral aqui é grande, nossa diocese é uma das maiores do Brasil, abrange toda a população do Grande ABC. Já visitei a Diocese (de Santo André – responsável pelas sete cidades da região) toda e constato que há muito o que fazer a cada dia, pois trabalho chama trabalho.

Quais tipos de sofrimento que o senhor observou por aqui?

Noto que as questões mais críticas, causadoras de sofrimento para o povo, são a precariedade na área da Saúde, na Segurança e em moradia. A violência sacrifica a população e a Segurança pública é questão social e não somente policial. Um terço dos assassinatos aqui é de jovens. Penso que sem saneamento básico, por um lado, e um eficiente sistema de Educação, pelo outro, não conseguiremos acabar com tanta pobreza, sofrimento e perda de vidas.

Qual o papel da Igreja Católica para reverter isso?

A missão da Igreja não é política, mas religiosa. Porém, a fé tem incidência na vida: “Eu vim para que todos tenham vida e vida plenamente” (Jo 10,10), disse Jesus. A Igreja aqui sempre esteve envolvida na promoção da pessoa, dos direitos humanos e deu muito apoio a operários que se organizavam, em especial durante a ditadura militar. Penso que a missão da Igreja é continuar promovendo a solidariedade e ajudando o povo a ter esperança através do Evangelho.

Em 2016, pesquisa encomendada à USCS (Universidade Municipal de São Caetano) pela Diocese de Santo André para diagnosticar as transformações do Grande ABC desde os anos 1960 até agora apontou que a Igreja Católica vem perdendo fiéis. Quais mudanças que o senhor notou nesse período pós-pesquisa?

As mudanças na Igreja seguem mudanças de toda a realidade do Grande ABC, que era caracterizada pela indústria e hoje é mais por serviços e o comércio. Mudou o contexto social, mudou a configuração eclesial. Há muita troca de fiéis entre as denominações religiosas. A Igreja Católica, que era majoritária na região, hoje conta com 46,8% de pessoas que se dizem católicas.

A quais motivos o senhor atribui migração a outras religiões?

Primeiro é preciso constatar que nossa região é feita de migrantes, acostumados a mudar de lugar, e isso leva também a mudanças, não só de religião, mas em todas as áreas da vida. Há busca por resultado imediato na religião, não se espera o ‘tempo de Deus’. Busca-se fé de resultados práticos e imediatos de um lado e decepção com algumas realidades da Igreja, além da falta de formação e conhecimento do conteúdo da fé.

O que tem sido feito pela Igreja para reconquistar esses fiéis?

Na direção das propostas do papa Francisco, nossa Diocese está se abrindo mais à acolhida e à missão. Estas, aliás, são as propostas para o trabalho pastoral, são diretrizes escolhidas pelo Sínodo Diocesano que acabamos de realizar com a participação de toda a Diocese.

Qual a importância do diálogo com outras religiões?

Está em formar para a fraternidade e união entre as diversas religiões, que devem todas promover os valores básicos e imprescindíveis para a realização da pessoa e para a paz. Devemos promover o respeito entre as religiões, com diálogo.

Como o senhor avalia a relação da Igreja com a política?

Entendo política não como política partidária, mas como política que é a busca do bem comum. Neste sentido a Igreja deve colaborar com todos os organismos que promovem a vida para todos. Temos procurado aproximação com as inúmeras entidades e as muitas pessoas de boa vontade que trabalham promovendo o bem. A Igreja, por exemplo, através da Pastoral do Migrante, colabora com o poder público na acolhida de imigrantes, em especial haitianos. A Pastoral da Criança colabora com o esforço da sociedade e do poder público para a promoção das crianças.

Como o senhor enxerga a morte de vereadora no Rio de Janeiro, essa questão da violência?

O assassinato da vereadora Marielle Franco tem indícios de crime planejado, execução. É condenável em todos os sentidos. O Rio em termos de violência é o retrato do Brasil, que está em guerra civil disfarçada, na qual morrem mais pessoas que na Síria. A causa maior desta ‘guerra’ é a idolatria do deus dinheiro, que gera corrupção e violência. Preferir o lucro a qualquer custo tem um custo: a destruição do ser humano pela concentração da riqueza nas mãos de poucos. Denunciar este estado de violência estruturada é perigoso, a vereadora denunciou e pagou com a vida. Na ditadura do dinheiro, assim como na ditadura política, quem defende o ser humano e seus direitos corre risco. Mas Deus está do lado das vítimas e da primeira delas, que é Jesus. A vitória de Cristo no seu fracasso é prova de que a causa da justiça um dia vencerá. Esta morte não será em vão, assim como a de Jesus Cristo não o foi. 

O senhor se lembra quando teve o primeiro contato com o Diário?

Lembro sim. Foi em maio de 2015, assim que saiu minha nomeação. Eu e o Nilton Valentim (editor executivo) trocamos e-mail. Ele mandou perguntas para eu responder em forma de entrevista. 

Lembra-se também quando o Diário publicou a primeira reportagem a seu respeito e por qual razão?

Se não me engano foi em 28 de maio de 2015, por ocasião de minha nomeação. Depois escrevi uma mensagem publicada no jornal em 1º de junho daquele ano intitulada ‘Abraço ao Grande ABC’.

Em algum momento de sua carreira o Diário foi útil de alguma maneira?

Recordo-me de que, quando cheguei, fui visitar vários organismos da cidade e visitei a Redação do Diário. Fui muito bem recebido. Na ocasião fizeram uma entrevista comigo, publicada em agosto de 2015. Isso me ajudou a ser conhecido logo que aqui cheguei e foi muito bom para meu trabalho.

O senhor acredita que o Diário tem ajudado na formação da sociedade e a região?

Acho que tem ajudado bastante com seu compromisso com a promoção da Educação, Segurança, integração regional, cidadania e no combate à corrupção, pelo menos é o que percebo lendo o jornal. Cito como exemplo a série de reportagens sobre a Mata Atlântica, a Represa Billings e a luta para preservá-las, em uma série de ótimas reportagens se não me engano publicadas em setembro de 2017 (Setecidades).


Como o senhor avalia a importância do Diário nos desenvolvimentos econômico quanto social da região?

Acho que o Diário contribui muito com o desenvolvimento econômico e social quando faz da Educação uma de suas bandeiras. Sem a Educação eficiente a sociedade ficará patinando. Nunca cansarei de repetir que sem sistema educacional eficiente não diminuiremos a pobreza de forma duradoura. A falta de ensino para todos limita o avanço pessoal e o crescimento econômico, até o FMI (Fundo Monetário Internacional) já reconheceu isto. Sem Educação não há senso crítico e, sem ele, não avançamos como sociedade.


O senhor acredita que o Diário tem sido o porta-voz da população do Grande ABC?

Creio que tem sido um dos veículos que dão voz ao povo, focando em questões sérias e úteis à população, evitando cair em brigas de comadres e polêmicas inúteis. O jornal tem postura e foco. Deve manter este nível e dar sempre mais voz aos mais miseráveis, porque é do modo como são tratados os pobres em uma sociedade que poderemos perceber para onde ela se encaminha.


O senhor publica uma coluna quinzenal no Diário, a Palavra do Bispo. Qual tem sido a repercussão desse trabalho?

Não tenho como avaliar, porém encontro muitas pessoas que dizem ser leitoras da coluna. Dias atrás encontrei grupo de senhoras que disseram ler a coluna juntas, quando se reúnem em um grupo de reflexão do qual participam há tempos.

Na sua opinião, o que mais o Diário pode fazer para fortalecer a região?

Penso que deve levar a sério a questão religiosa nesta época de pluralismo, focando na tolerância para evitar conflitos. O povo da região é religioso, está à flor da pele. A quantidade de nordestinos, mineiros, paranaenses, entre outros, que aqui vieram residir, trouxe a alma sertaneja impregnada de espiritualidade e da certeza de que Deus não está morto, está presente nesta região. É preciso defender soluções conjuntas, porque a complexidade dos problemas da região não poderá ser resolvida daqui para a frente sem ser em conjunto. E não se esquecerem de publicar fatos positivos que mostram o valor da solidariedade em ambiente urbano. Solidariedade, que é o oposto da corrupção, que tanto prejuízo nos traz.




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