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Taekwondo com objetivo social em Diadema
Por Ângela Corrêa
Do Diário do Grande ABC
20/02/2005 | 16:44
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Mestre da cortesia, da integridade, da perseverança, do autodomínio e do espírito indomável. É sobre o dobô (quimono) branco de Michel Saimon Martins, 18 anos, que pesa a responsabilidade de ensinar gratuitamente 200 crianças a viver sob os cinco princípios de uma arte marcial criada há pelo menos dois milênios na península hoje dividida entre Coréia do Norte e do Sul. Que está anos-luz distante da realidade de família humilde oriunda de Belo Horizonte e residente há sete anos em Diadema.

Michel, filho único de Reinan e Rosângela Martins, acostumou-se a desafiar os limites do próprio corpo desde pequeno. Aos 3 anos, aprendeu com o pai os golpes poderosos e ágeis com mãos e pés, que hoje executa em câmera lenta, esperando que os alunos também façam cada golpe com perfeição. E todos encaram com muita seriedade a luta. Os pequenos inclusive fazem cara de mau, imitando a expressão compenetrada do professor.

Aos 6 anos, durante um campeonato regional em Minas Gerais, levou a pior no início de uma luta contra um garoto maior, logo em sua estréia em competições. “Levei chutes na cabeça, chorei e fiquei muito bravo. Mas eu nunca desisto. Quando voltei, fui para cima do garoto só com os braços, esqueci até de chutar, como a luta exige”, lembra. Foi assim, no braço, que ganhou o primeiro de seus quase 50 títulos. Aos 8, foi o brasileiro mais jovem a atingir a faixa preta de taekwondo, a 11ª e última graduação do esporte.

Mas não foi com força pura que ele conseguiu atrair e manter os aprendizes com os quais convive hoje. Quando começou a comandar turmas de alunos, aos 11 anos, também não tinha tamanho para se impor, a exemplo do que aconteceu em sua primeira luta. Sua academia era a pequena casa para a qual a família se mudou no Jardim Luso, limite da capital com Diadema. “Meus amigos da rua pediram para eu ensinar os movimentos para eles. A maioria era de meninos maiores e mais velhos que eu. Foi difícil no início impor moral às aulas. Mas houve um momento em que tive que fazer isso. Se um grandão fizesse gracinha, tinha que pagar dez flexões no chão”, conta, rindo.

Em pouco mais de um ano, a mãe teve que afastar os móveis da pequena sala e eliminar até o sofá. “Éramos em 30 treinando no lugar. Não tinha a mínima condição. Foi quando conseguimos o espaço no centro comunitário no Jardim Rosinha para treinarmos. Continuava ensinando, mas como trabalho voluntário mesmo”, afirma. A famosa disciplina inerente a todas as lutas orientais está lá. “Um jovem que faz taekwondo é mais centrado, calmo e não desiste fácil de nada”, ensina Michel.

O adolescente esportista, estudante do último ano do ensino médio, vive para o esporte, assim como demonstram seus objetos no quarto. Destoando das medalhas e dobôs, só mesmo os adesivos de bandas de reggae, que ele se permite ouvir em casa.

Sonhando em consolidar o taekwondo em Diadema, ele também deseja difundir uma mentalidade que, uma vez introduzida em muitos núcleos carentes de diversas cidades, pode render transformações profundas, principalmente relacionadas à mobilidade social, aposta o garoto. “Sei que é batido, sempre falo isso, mas se cada um fizer um pouquinho, vai ser maravilhoso. Se todos investirem com conhecimento, é muita coisa no fim”, diz.

É assim, tentando passar a filosofia das salas de aula para o dia-a-dia difícil das ruas, que ele permanece atraindo mais alunos – o mais novo tem 4 anos e a mais velha, 63. A casa dos pais, alugada no Jardim Rosinha, próxima ao Centro de Diadema, é também uma síntese do objetivo da luta marcial que é desencorajar a opressão do fraco pelo mais forte, sempre aberta a receber os alunos de todos os perfis. “Depois que comecei a dar aulas, me vi obrigado a crescer de vez. Era muita responsabilidade, muita gente precisando do que eu tinha para ensinar”, considera, de maneira polida, serena. Um verdadeiro mestre, sem olhos puxados.



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