Setecidades Titulo Família do médico
'Alguém tem que pagar por isso' família quer justiça
Por Natália Fernandjes
19/05/2014 | 07:14
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Arquivo pessoal


 Os planos e sonhos de uma família deram lugar à sensação de impunidade e tristeza. Essa é a realidade do casal de comerciantes Celso Iwao Assanome, 52 anos, e Regina Uzato Assanome, 54, e da enfermeira Cintia Akemi, 28. Eles são pais e ela, noiva, do médico Ricardo Seiti Assanome, 28, que morreu no dia 28 de abril, um dia após levar um tiro na cabeça durante confusão no 2º DP (Camilópolis) de Santo André.
 

A família do pediatra resolveu quebrar o silêncio e recebeu a equipe do Diário para entrevista exclusiva. Apesar de abalados com o acontecido, eles fazem questão de não deixar com que o episódio caia no esquecimento. “A coisa que a gente mais quer é que isso não venha a acontecer com outra pessoa, muito menos em uma delegacia”, destaca Assanome. 

A versão oficial dos fatos, dada pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Estado, é de que o agente de telecomunicações André Bordwell da Silva, 38, teria confundido a entrada de um policial à paisana no DP com uma invasão e iniciado série de disparos. 

Os tiros atingiram, além do médico, o professor de Educação Física Ricardo Grillo Perche Mahlow, que segue internado no Hospital Bartira, após ser baleado cinco vezes. O agente de telecomunicações foi atingido no peito por um colega de trabalho, o investigador Akiyoshi Jorge Santos Honda, e foi autuado em flagrante por homicídio doloso e será preso assim que receber alta médica.
 
Passado o período de reclusão, a primeira atitude da família foi contratar um advogado para acompanhar o caso. “A gente quer responsabilizar alguém. Alguém tem que pagar por isso”, defende o pai. Segundo ele, a principal indignação foi o filho ter sido atingido por um disparo na cabeça. “Ninguém se defende atirando na cabeça. Todo mundo sabe que quem quer se defender atira na perna, para imobilizar a pessoa”, diz. Inconformada, a mãe ressalta que a delegacia deveria ser espaço seguro. “Teoricamente você vai pedir proteção onde? Para a polícia. O que meu filho fez? Ele estava correndo para se esconder”, lamenta. 
 
Ricardo e Cintia estavam na delegacia para registrar boletim de ocorrência de acidente de trânsito ocorrido na quinta-feira anterior ao crime. “Ele fez o boletim pela internet, mas no dia seguinte recebeu um e-mail informando que o documento havia sido indeferido. Isso foi o que nos levou à delegacia”, explica a noiva. Sem querer entrar em detalhes sobre o que de fato aconteceu na noite do dia 27 de abril, ela confirmou apenas que eles estavam no local há cerca de meia hora quando começou a confusão. “Teve muita coisa. Prefiro nem falar o que aconteceu porque dói muito”, conta.
 

O episódio levantou discussão acerca do treinamento ofertado aos policiais civis de São Paulo. “O Estado teria que responder por isso. Acho que tem que colocar pessoas capacitadas para trabalhar”, aponta Assanome. O pai usa a nora como exemplo. Cintia exerce função de enfermeira em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas está afastada de suas funções por considerar não ter condições de trabalhar. “Ela poderia ir, mas já pensou quantas pessoas poderiam ser prejudicadas? Essa responsabilidade faltou ao Estado”, compara.


A família ainda enfrenta dificuldade para retomar as atividades do dia a dia e dar prosseguimento à vida. “Nós não conseguimos trabalhar, não conseguimos dormir. Nossa perspectiva era o que? Era meu filho, meus netos. E acabou”, lamenta Regina. De acordo com Assanome, desde que recebeu a notícia da morte do filho, não houve uma noite em que conseguisse dormir. “A gente vive à base de remédios”, revela ele.
 Filho único, Ricardo estava sempre acompanhado da família. Entre as atividades favoritas nos dias de folga, estava a pescaria. A última viagem ainda é lembrada com saudade pelos pais e pela noiva. Todos estiveram em Palmas (TO) para turismo de pesca em agosto de 2013. “A gente estava marcando a próxima para depois da Copa”, lembra o pai.
 
 A morte de Ricardo também colocou ponto final em outro sonho. Ele e Cintia planejavam se casar no fim do ano, quando ficará pronto apartamento que ambos compraram. “São 13 anos juntos. Quase metade da minha vida”, desabafa a noiva.

Médico concluiu especialização em Pediatria em fevereiro

Regina guarda na memória a última lembrança que teve do filho, naquele sábado à tarde. “Mandei um torpedo para ele avisando que tinha comprado pastel. Ele nem me respondeu e quando vi ele logo chegou.” Após passarem a tarde juntos e conversarem em família, Ricardo e Cintia seguiram para a delegacia. “Eles foram resolver a questão do carro e eu fui para outro lado”, diz.
 

A mãe conta que o médico estava sempre junto da família, em todos os momentos. Ele inclusive havia oferecido o quarto principal do apartamento que comprou para morar com a noiva para os pais. “Ele falou para mim: ‘Ó mãe, a suíte master é sua e do pai’. E eu falei não. Mas ele disse que já havia conversado com a Cintia e que qualquer cantinho para eles estava bom”, lembra, emocionada. “Hoje em dia, onde a gente acha um filho que pensa dessa forma?”, questiona.

DEDICAÇÃO 

 Ricardo se formou pela 38ª turma da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), em 2011, e concluiu especialização em Pediatria em fevereiro. O profissional fez residência médica em Pediatria no CHM (Centro Hospitalar Municipal) e estava cursando residência em pneumopediatria no HC (Hospital das Clínicas) de São Paulo. O interesse pela profissão surgiu na adolescência, influenciado pelo padrinho e tio materno, de acordo com os pais.
 
 “Nós viemos de uma família de nível baixo e o Ricardo sempre soube da dificuldade que iria enfrentar”, observa Assanome. Segundo o pai, o médico contou com apoio moral e financeiro dos tios para seguir na profissão. “Tiraram a vida de alguém que cuidava de outras vidas. Ele fazia com todo amor, era dedicado, estudava os casos em casa”, ressalta a mãe.
 

 “O Ricardo foi feliz, sabe?”, declara o pai. De certa forma, saber que o filho era querido, não só pelos familiares, como também pelos amigos e colegas de trabalho, conforta os pais. “Recebi alguns depoimentos de professores e nem sabia da capacidade dele. De tão simples que ele era, ele não contava. Infelizmente só fiquei sabendo depois do ocorrido”, comenta a mãe. 




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