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Referência, padre Rubens Chasseraux morre aos 80 anos

Pároco, que foi preso cinco vezes na ditadura militar, ajudou a urbanizar a Vila Palmares, em Santo André, e lutou para acolher os menos favorecidos

Miriam Gimenes
Do Diário do Grande ABC
27/10/2019 | 07:00
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Arquivo/Diário do Grande ABC


 Foi em cima de um caixote, a céu aberto, que o padre Emílio Rubens Chasseraux rezou a primeira missa na Vila Palmares, em Santo André. O ano era 1962. O bairro, formado por favela, viu com a chegada do pároco não só a reafirmação da fé como uma mudança significativa: ele fundou a Paróquia Nossa Senhora das Dores, a creche João XXIII, ajudou na urbanização local e trabalhou incansavelmente pelos menos favorecidos.

Mas ontem padre Rubens descansou, aos 80 anos. Depois de 100 dias internado, morreu de insuficiência respiratória. E na mesma igreja que ajudou a erguer, com material de demolição, foi velado, em frente ao crucifixo que o guiou, durante todas as missas feitas no local, no 53 anos em que praticou o sacerdócio. Hoje, às 9h, haverá missa de corpo presente, celebrada pelo bispo da Diocese de Santo André, dom Pedro Carlos Cipollini. O enterro será no Cemitério da Vila Pires, por volta das 12h.

“Ele me ajudou muito. Passei por uma época de aperto na minha casa e ele mandou um rapaz lá para ver o que eu estava precisando. Depois disso, passei a ajudá-lo sempre. O padre Rubens foi tudo na minha vida”, disse, emocionada, Maria das Dores Silva Belato, 80, que mora no bairro Prosperidade, em São Caetano, mas, durante 30 anos, foi à Vila Palmares para acompanhar o pároco em suas orações.

Depoimentos como o da dona de casa se repetiam entre os presentes. Um deles foi o de Rene Chasseraux, sobrinho de Rubens e criado pelo tio. “Ele descansou. Teve uma vida inteira pensando nos outros. Quando cheguei aqui (ao velório), vi uma fita que isolava o caixão e pedi para tirar. O meu tio gostava do povo perto dele.”

O padre Jacson Henrique da Silva, que há dois anos toma conta da Nossa Senhora das Dores, disse que o legado de padre Rubens é vivo dentro do espaço. “Quando eu estava no início do processo de formação (para ser padre), ele foi até a casa onde a gente estava e contou a história do que viveu aqui, das lutas, dos desafios que enfrentou para construir o que hoje nós temos. O bairro, a igreja, tudo isso é resultado do trabalho dele. Se temos onde exaltar a fé, devemos a ele.”

TRAJETÓRIA
Padre Rubens nasceu em Santos e teve uma vida humilde. Foi para o seminário com 10 anos e, já maior, estudou teologia. Começou a exercer a sua consciência política e passou a criticar o que via de errado na igreja. Ainda assim, conseguiu se formar, com muita dificuldade, e foi parar na Vila Palmares. “Vim para Santo André com a intenção de ajudar os moradores da favela. Quando cheguei, dormia enrolado em um encerado no meio do mato. Não tinha esgoto, água, farmácia, escola, asfalto. Não tinha nada”, disse, ao Diário, em 2008.

No bairro, ficou à frente da Sociedade Civil Quilombo dos Palmares, grupo de 131 famílias que trabalhou pela urbanização. Passou a chamar a atenção dos militares, que o taxavam de comunista. Em uma passeata, que fez para Praça da Sé com operários, se deu a primeira prisão. Depois dessa, foram mais quatro – ele sofreu variados tipos de tortura. “Fiquei um ano e cinco meses sem documento, me apresentando toda segunda-feira no Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Às vezes, ficava lá ou passava por interrogatório. Vivi prisão domiciliar. Não podia sair. Eles (militares) ficaram morando no meu quarto para ver se havia alguém suspeito comigo”, contou, em 2013.

Em sua última entrevista ao Diário, concedida em 2015, em ocasião que lembrava das agruras pelas quais passou e falava sobre o abrigo que deu para Herbert de Sousa, o Betinho, à época da ditadura, disse, emocionado: “Nesta vida tudo que eu tenho é aquilo (apontou para o crucifixo no alto da sala onde morava).” Ele deixa, assim, todo seu legado de humildade e amor ao próximo.




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