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Na expectativa da votação

Indústria automotiva da região acompanha eleição presidencial na Argentina, realizada hoje, com atenção

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
27/10/2019 | 07:19
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André Henriques/DGABC


O peso da crise econômica na Argentina tem sido fortemente sentido pelas montadoras do Grande ABC. Isso porque o país vizinho é o principal parceiro comercial da região. Com dificuldades de recuperação do mercado interno, as exportações são importantes válvulas de escape para manter a produção. Porém, com a brusca redução das compras por parte dos hermanos, que fez com que o total de veículos embarcados aos argentinos caísse de 75% para 53% no último ano, as fábricas já negociam mecanismos como lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho) e antecipação das férias coletivas para passar pelo período. A expectativa é a de que, com a escolha de um novo presidente, que inclusive pode ser decidido ainda em primeiro turno hoje, a economia do País volte a entrar nos eixos.

Atualmente, a GM (General Motors) negocia mecanismos de flexibilização com o sindicato por causa da queda de produção, mesmo com vinda de modelo de Gravataí para São Caetano, Joy Plus (nova versão do Prisma Joy). Na planta da região, eles seguem com 350 a 400 profissionais ociosos no chão de fábrica, e a partir de novembro, em vez das 42 horas semanais, os colaboradores devem trabalhar por 40 horas. A Volkswagen, por sua vez, já anunciou férias coletivas de um mês em dezembro para 2.500 trabalhadores e lay-off para 1.400 a partir de janeiro, por até cinco meses. A Scania vai dar férias coletivas a 2.500 operários de amanhã a 6 de novembro. Todos prejudicados pela queda no volume de pedidos principalmente da Argentina.

As pesquisas mostram Alberto Fernández, que tem como vice Cristina Kirchner, candidatos de esquerda, à frente do atual presidente Maurício Macri. Embora anseiem por mudanças e melhorias, sindicalistas demonstram preocupação com a postura do presidente Jair Bolsonaro (PSL) se as projeções se confirmarem, já que ele declarou que “bandidos de esquerda começam a voltar ao poder” e ameaçou reformular o Mercosul dependendo do resultado da votação – leia mais abaixo.

“O maior perigo é como ficará o relacionamento com o Brasil, uma vez que o governo atual já deu declarações contrárias”, afirmou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano, Aparecido Inácio da Silva, o Cidão. Segundo ele, a expectativa é a de que, pós-eleições, o país “volte a retomar o caminho só em 2020”.

O presidente do SMABC (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) Wagner Santana, o Wagnão, classificou a fala de Bolsonaro como uma “idiotice diplomática e econômica”. “A Argentina é nosso maior parceiro econômico (do setor automotivo) de exportações e importações. Qualquer declaração nesse sentido atenta contra interesses econômicos e industriais do Brasil”, disse.

A Volkswagen afirmou que a Argentina é o principal parceiro da montadora no País. De janeiro a setembro de 2019, as exportações para o país foram cerca de 40% menores na comparação com o mesmo período de 2018.

Para compensar, a empresa tem trabalhado em desenvolver novos mercados de exportação a partir do Brasil, o que é, inclusive, indicado por especialistas como saída para o atual momento. “Por exemplo, anunciamos recentemente a exportação de Virtus (8.000 unidades) e T-Cross (6.000) para o México”, informou, em nota. Nenhum dos modelos é feito na planta fabril de São Bernardo.

“Estamos trabalhando com um cenário conservador para a Argentina, mantendo para 2020 os volumes totais da indústria praticados em 2019, que deve fechar o ano com cerca de 415 mil unidades vendidas – que será 45% abaixo do mercado em 2018. Ou seja, o mercado de automóveis leves na Argentina caiu praticamente pela metade”, afirmou a Volkswagen. Se for considerado o mercado total de veículos na Argentina, dos usuais 800 mil a 1 milhão de unidades, a previsão é de 400 mil para este ano.

A Mercedes-Benz também garantiu que o país é um dos principais destinos de exportação e, com a crise, as vendas externas têm caído cada vez mais. A queda nas exportações de caminhões e ônibus no acumulado janeiro a setembro deste ano em relação ao ano passado foi de 61%. Somente caminhões sofreram redução de 72% e, os ônibus, de 33% no período. “Esperamos que as questões políticas sejam resolvidas logo para esse mercado se restabelecer”, afirmou a montadora, em nota.

Questionadas, a GM (General Motors) e a Ford disseram que não iriam participar da pauta. Scania e Toyota não responderam aos questionamentos do Diário.


Para especialistas, problemas vão além da política

Para especialistas, as eleições representarem momento decisivo, de como a política econômica deve se desenhar no futuro. Porém, é importante lembrar que os problemas na Argentina vão além da esfera política, e possuem, principalmente, raízes cambiais.

De acordo com o coordenador de MBA em gestão estratégica de empresas da cadeia automotiva da FGV, Antonio Jorge Martins, a crise não é considerada de curto prazo. “Existe uma redução no poder de compra da sociedade argentina como um todo. O país está com problemas cambiais (desvalorização da moeda local) e falta de divisas (escassez de dólares nas reservas do país). A questão cambial foi amenizada com o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), mas mesmo assim o problema não se resolveu”, afirmou ele, destacando que o resultado eleitoral inicia a definição de um novo cenário.

O especialista também falou da importância do país vizinho para a indústria automotiva da região. “Algumas dessas montadoras, até por causa das suas estratégias internas, distribuem parte da produção e comercialização entre Brasil e Argentina, que acaba complementando alguns itens da produção”, contou.

Outra questão vista com preocupação pelos especialistas é a possibilidade de reformulação ou fim do Mercosul – bloco econômico formado pelos países Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela –, já sinalizada pelo governo federal. “O Mercosul representa quase 50% das exportações do Grande ABC, e essas exportações são de média complexidade tecnológica, portanto, têm dificuldades de serem substituídas por países mais avançados. E o fato mais grave é essa possibilidade de saída devido a motivos eleitorais e ideológicos, o que não justifica essa perda”, disse o economista e professor coordenador do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Jefferson José da Conceição.

Para o coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, a declaração de Bolsonaro contribui à piora de um cenário. “Agora, a primeira coisa é esperar o resultado da eleição e observar qual o discurso que os vencedores farão. A partir da posse, temos que esperar as primeiras medidas. Quando o Macri ganhou, estas primeiras ações foram boas, mas, no caminho, perdeu a força”, classificou.

INCENTIVAUTO

O IncentivAuto, programa destinado à indústria automotiva, foi sancionado na última semana pelo governador João Doria (PSDB). Porém, a iniciativa chega menos robusta e com vetos que poderiam incentivar o crescimento da geração de emprego em toda a cadeia automobilística.

O programa prevê a concessão de até 25% no ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre novos produtos para as montadoras. Para ter acesso ao benefício, elas precisam investir a partir de R$ 1 bilhão – porém, devem atingir montante de R$ 10 bilhões para ter o benefício máximo – e gerar pelo menos 400 empregos.

No entanto, ficaram de fora concessões de condições diferenciadas para empresas que investissem: na ampliação ou implementação de etapas fabris no Estado (alcançando oito, no mínimo); em programas de desenvolvimento para a melhoria da eficiência energética e também em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). 




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