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Uma vida toda dedicada com carinho à arte
Vínícius Castelli
Do Diário do Grande ABC
17/03/2018 | 07:00
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DGABC


Ser humano que tem o dom da palavra, da escrita, Manoel Moreira Junior, conhecido como Moreira de Acopiara, é nordestino do sertão cearense. Adotou o nome da cidade Acopiara para uso artístico, tamanha sua paixão pelo lugar, e é figura que mantém firme a riqueza da Cultura do Nordeste no Grande ABC, seja por meio da poesia, do cordel ou xilogravura.

Mas isso ainda é pouco para falar do escritor. Radicado em Diadema, é dono de 22 livros, o primeiro saiu em 1993 e o último, ‘Atitudes Que Constroem’, em 2017. Como arte-educador, é grande incentivador para que as crianças e adolescentes leiam e tenham um futuro decente.

Moreira de Acopiara e o Diário
Acopiara se lembra de quando teve seu primeiro contato com o Diário. Foi em 1992, por conta do show de um grande amigo seu, Belchior. Ele faria uma apresentação em São Bernardo e convidou o escritor de Diadema para declamar um poema durante o espetáculo. O cantor contou de Acopiara ao jornal, que guardou seu nome.

No ano seguinte, quando lançou seu primeiro livro, o jornal publicou reportagem a respeito. Desde então, a parceria nunca mais parou. “Em todos os momentos da minha carreira como autor de livros o Diário foi importante para mim.”

O senhor nasceu no sertão do Ceará, na cidade que adotou para ter como nome artístico. Como era a vida lá quando era criança?
Nasci numa grande casa sertaneja, no pé da Serra do Flamengo e às margens do Rio Trussu, a quase 50 quilômetros da sede da cidadezinha de nome Acopiara, Interior do Ceará. Era um lugar tranquilo. Sem energia elétrica e sem TV. Mas com muita liberdade e segurança. A casa tinha terreiros enormes para compridas e saudáveis brincadeiras ao lado dos meus irmãos e dos outros meninos do lugar. Logo à frente tinha um grande açude, que nunca secava. Ali nós tomávamos demorados banhos e pescávamos os melhores peixes. Tinha também muitos pés de saborosíssimas frutas. Fui alfabetizado ali mesmo, por minha mãe, e desde que comecei a tomar conhecimento das coisas tive contato com contos populares e poesia, especialmente o cordel, justamente por causa de minha mãe, que gostava muito e era quem lia para mim e para os demais moradores da fazenda. Foi nesse ambiente saudável que vivi infância e adolescência, e dali saí depois que completei 19 anos.

Como era o acesso à cultura quando o senhor era criança ainda no Nordeste?
Minha mãe tinha 30 anos quando se casou com meu pai, que tinha 50, era viúvo e pai de nove filhos, sendo o mais novo com menos de 3 anos. Ela era professora na zona rural de Iguatu, cidade vizinha. Parou de trabalhar e foi cuidar dessa família. Levou na bagagem alguns livros clássicos, e muitos folhetos de cordel. Na casa dos meus avós a prática da leitura era comum. Ao começar vida nova ao lado do meu pai, ela inicialmente alfabetizou os enteados e os moradores da fazenda, pois não tinha escola por perto. À medida em que eu e os meus dois outros irmãos fomos crescendo ela foi nos contando muitas histórias e lendo muito para nós. Lia de tudo, mas o cordel era a principal. Também ouvíamos muito rádio. Por aquela região circulavam alguns cantadores repentistas e cordelistas. Quando eu tinha uns 13 anos comecei a escrever os primeiros versos, sob orientação de minha mãe, que tinha noção de versificação e me ensinou o que sabia. Ela amava poesia. Recebi influência também dos vaqueiros, que só trabalhavam cantando e improvisando versos. Na estante lá de casa tinha livros de Castro Alves, Gonçalves Dias, Camões, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos. Muitos livros infantis e de contos populares. Por esse mesmo tempo conheci Patativa do Assaré, para mim o melhor poeta popular nordestino de todos os tempos. Ele fazia o que faço hoje, ou seja, andava pelas cidades ali do entorno, sempre divulgando seu trabalho em escolas, teatros, praças, bibliotecas, bares e casas de família, declamando, vendendo livros e cordéis. Meus pais também gostavam muito do trabalho dele. Declamava muito bonito. Depois nos aproximamos e ele me passou muitas e boas lições. No fim da vida dele fizemos alguns trabalhos juntos.

Quando se mudou para o Grande ABC e por qual razão?
Quando completei 20 anos, sem opção de trabalho na minha cidade, a opção foi emigrar para São Paulo, atrás de ocupação e melhores condições de vida. Precisava construir meu caminho. Tinha uma tia que morava em São Bernardo, e foi ela quem me acolheu nos primeiros meses. Depois ganhei o mundo, até me mudar para Santo André, e mais tarde para Diadema, onde ainda moro.

Como Diadema te acolheu e o que aprendeu com a cidade?
Vim morar em Diadema muito por acaso. Quando comecei a ficar mais conhecido como poeta, e depois do lançamento do meu quinto livro, a Secretaria de Cultura da cidade, que desenvolvia excelente trabalho com os artistas locais, me abraçou também. Durante muitos anos trabalhei muito na cidade. Fazia apresentações nos centros culturais e nas bibliotecas, ministrava oficinas de cordel e xilogravura, e devo ter passado por todas as escolas do município, sempre contratado pela Secretaria de Educação ou pela Cultura. Depois mudou a administração, entrou uma gente com outra visão e a coisa mudou um pouco. Mesmo assim fazemos todos os anos, sempre entre agosto e setembro, um grande encontro de cantadores repentistas. A Secretaria de Cultura nos apoia, o que é muito bom. Mas não estou reclamando, pois não tem me faltado trabalho em cidades como São Paulo, São Bernardo, São Caetano, Santo André e demais localidades de toda a Região Metropolitana.

Hoje o senhor trabalha exclusivamente com arte?
Quando aqui cheguei, sem qualificação profissional, tive que trabalhar em subemprego. Ganhei muito salário mínimo, mas nunca desanimei. Depois que saiu meu quinto livro começou a aparecer muito convite para um recital, uma conversa com alunos em uma escola, uma oficina, então precisei optar por uma coisa ou outra. Foi aí que me desliguei da empresa onde trabalhava e não era feliz. No começo não foi fácil, mas com o passar dos dias fui conhecendo pessoas certas, estando nos locais certos, estudando, trabalhando muito, então portas foram se abrindo, de modo que já faz mais de 20 anos que vivo de literatura. Os direitos autorais ajudam, mas o que me sustenta mesmo são as palestras que profiro Brasil afora, as oficinas e os recitais. Muitas escolas têm adotado livros meus.

Como a arte entrou na sua vida e que diferença fez no seu crescimento como ser humano?
Desde pequeno convivendo com livros, cordéis e cordelistas, as coisas foram acontecendo. Claro que é preciso ter paixão pela coisa, o que muitos chamam de dom. Eu mesmo sempre achei que em toda casa tinha que ter estante com livros, que ler era muito bom, que saber se comunicar era fundamental. Sempre gastei parte do meu salário com livros. Já em São Paulo, fui chamado de tolo por idiotas que achavam bobagem gastar dinheiro com livros, ou investir em cultura. Também precisei renunciar à maconha e a outras drogas que me ofereciam e ficavam com raiva porque eu não aceitava. Sempre achei que a poesia provocava um ‘barato’ maior, melhor, mais saudável e duradouro. De certa forma fui salvo por ela.

Quantos livros o senhor já escreveu?
Em 2017 saiu o meu 22º livro, que se chama Atitudes que Constroem. Trata-se de coletânea de poemas, a maioria falando de ‘valores’. São textos que faço para declamar nas apresentações. Tenho outros livros prontos, ou quase prontos, pois só paro de trabalhar neles quando publico.

O senhor se lembra quando teve o primeiro contato com o jornal Diário?
Em 1992, por ocasião de show do estupendo cantor e compositor cearense de nome Belchior. Ele era meu amigo de longa data. Ainda guardo com carinho um par de botas que ele me deu. Veio cantar num teatro em São Bernardo e me pediu para recitar um poema. Alguém do Diário conversou com ele e comigo e publicou texto bom no dia do show. No ano seguinte publiquei meu primeiro livro de poesia, e de novo saiu bonita matéria no Diário.

Em algum momento da sua carreira artística o Diário lhe foi útil de alguma maneira?
Em todos os momentos da minha carreira como autor de livros o Diário foi importante para mim. Acho que para todos os livros que lancei aqui na região foram feitas matérias maravilhosas divulgando o evento. Sou muito mais conhecido por causa do Diário.

O senhor acredita que o Diário ajudou ou ajuda a Cultura na região de alguma forma?
Com toda certeza. Vejo o Diário quase todos os dias, e sempre leio com atenção primeiramente o caderno Cultura&Lazer, depois vejo o Esporte, e, por fim, os demais cadernos. Conheço muitos artistas da música, literatura e teatro aqui da região, e todos, assim como eu, são muito gratos ao Diário pelo excelente serviço prestado em prol da Cultura.

Na sua opinião o que mais o Diário pode fazer para fortalecer a arte na região?
Se continuar fazendo o que tem feito já está muito de bom tamanho. Vi que o caderno Cultura&Lazer diminuiu o número de páginas, o que achei uma pena. Sinto falta de uma crônica diária.

O senhor é arte-educador?
Sim. Um dos últimos trabalhos meus em Diadema foi como arte-educador dentro do Centro de Detenção Provisória (CDP). Era parceria entre a Fundação Nacional de Amparo ao Preso e a Secretaria de Cultura. Uma beleza de projeto. Eu passava quatro pedaços de tarde com grupo de até 30 alunos privados de liberdade. Produzimos textos emocionantes, como O Valor da Liberdade, Depois Que Eu Sair Daqui, Volta Por Cima, Eu Quero um Brasil Assim e Alcoolismo, dentre outros. Nessa oficina a intenção não era fazer ninguém poeta, mas despertar nos reeducandos o gosto pela leitura, e ao mesmo tempo estudar o cordel, sua origem, como chegou ao Brasil, precursores, principais temas, nomes de ontem e de hoje, e também mostrar o que é rima, métrica e conteúdo, esquemas estróficos e tudo o mais. Por fim escolhíamos democraticamente um tema, e um texto era produzido coletivamente.

Recentemente o senhor foi homenageado em escola pública de Diadema e o Diário acompanhou. As crianças têm no senhor uma inspiração. Como foi esse momento?
Uma coisa maravilhosa, numa escola estadual de Diadema com professores engajadíssimos, alunos bem orientados e projetos interessantes. Fundaram ali Academia Estudantil de Letras e botaram meu nome. Então me convidaram para a inauguração. Foi muito bom declamar para todos aqueles alunos, que me ouviram atentamente. Foi bom ser aplaudido por adolescentes que também gostam de ler, e leem meus livros. Mas tenho os pés no chão, e aprendi que é muito bom observar o pôr do sol e as estrelas, mas não posso deixar de cuidar do meu quintal.

Se o senhor pudesse realizar qualquer feito no Grande ABC, qual seria?
Na literatura, colocaria cordel nas escolas. Com certeza seria bom, pois o cordel sempre foi facilitador dentro da sala de aula, como auxiliar no processo de letramento. E não apenas o cordel, mas poesia em geral.

Que futuro espera para o Grande ABC?
Com mais Cultura, e com valorização dos artistas da região. Os jovens só conseguem gostar daquilo que conhecem. Infelizmente o que estão mostrando por aí é música muito ruim, é cultura de gosto duvidoso. Uma pena.

Quer dizer algo mais?
Que eu ria da vida, e que você ria!/Que eu me emocione ouvindo o seu canto,/Que eu melhore o mundo, que eu seque o seu pranto,/Que eu cuide da terra e do que ela cria./Amor é uma coisa que, às vezes, judia,/Mas é muito triste viver sem amar,/Lutar sem vontade, vencer sem lutar,/Por isso é que eu luto, que planto e que colho,/Que solto as amarras, destranco o ferrolho.../Mas essa entrevista já vai terminar. 




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