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Cristovam Buarque faz sua cruzada
Sérgio Vieira
Do Diário do Grande ABC
21/07/2006 | 08:10
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À distância, o pacato professor universitário de 62 anos nem parece ter condições de capitanear uma proposta aventada por ele por onde passa: fazer uma "revolução educacional no Brasil". Mas, para que a "cruzada", como ele chama, deixe de ser apenas discurso e se transforme em ação concreta, o senador Cristovam Buarque (PDT/DF), candidato à Presidência da República, terá antes de fazer outra revolução, não menos penosa: convencer o eleitorado acreditar em suas promessas. Por enquanto, o esforço tem sido em vão.

Mesmo oscilando entre 1% e 2% na maioria das pesquisas eleitorais, Cristovam não quer ser tachado como terceira via e parece não fazer questão do voto de protesto – eleitores descontentes com o presidente Lula e os descrentes em relação a Geraldo Alckmin (PSDB). "Não vou atrás de voto de protesto. Vou atrás do voto de alternativa".

O pedetista – que deixou o PT após 15 anos de militância – fez campanha quinta-feira na rua Coronel Oliveira Lima, em Santo André, mas poucas pessoas o reconheceram. Antes do corpo-a-corpo, o ex-governador do Distrito Federal e ex-ministro da Educação visitou os Diário, onde falou de suas propostas.

DIÁRIO – Pelo menos nas pesquisas eleitorais, sua campanha ainda não decolou. No levantamento da Toledo&Associados/Diário, entre os dias 2 e 4 de julho no Grande ABC, o senhor aparece com 1,1%. O que pretende fazer para modificar esse cenário?
CRISTOVAM BUARQUE – Continuar fazendo as mesmas coisas, do mesmo jeito. Tem candidato que faz campanha. Eu faço uma verdadeira cruzada. Tenho uma bandeira, uma causa. Quando a gente está em campanha, busca eleitores. Quando tem uma causa, a gente busca também adeptos. 1% de adeptos é muito, ainda que seja muito pouco de eleitores. Eu vou continuar na minha causa, de que o Brasil esbarrou, não tem como avançar, a não ser por meio de uma revolução na educação básica e superior no Brasil. E vou concentrar minha campanha nessa idéia.

DIÁRIO – O que o senhor não conseguiu fazer no período em que foi ministro da Educação (de janeiro de 2003 a janeiro de 2004)?
CRISTOVAM – Eu consegui começar tudo. Mas a revolução educacional leva 15, 20 anos para surtir seus efeitos. O que defendo é uma federalização da educação básica. A educação tem de deixar de ser uma preocupação municipal. A gerência pode ser municipal, mas os padrões têm de ser os mesmos para o Brasil inteiro. Não pode ter 160 mil escolas diferentes. Precisam ter uma padrão mínimo equivalente. Isso eu comecei com o chamado programa de certificação federal do professor. Defendo que as escolas no Brasil tenham horário integral, seis horas de aula por dia. Eu comecei em 29 cidades, mas para o Brasil todo vai precisar de 15 anos. Lamentavelmente, assim que eu saí, o ministro que me substituiu (Tarso Genro, atual ministro das Relações Institucionais), ainda que do mesmo governo, parou tanto o programa de certificação federal do professor quanto o programa que se chamava Escola Ideal, que era para implantar horário integral na cidade inteira. No meu programa, em quatro anos, mil cidades brasileiras vão ter a educação que a gente deseja para o ano 2020. Mas ainda vão ficar faltando 4.561 cidades.

DIÁRIO – Como o seu eventual governo pretende enfrentar problemas básicos, como os baixos salários dos professores e a substituição de escolas de lata em São Paulo, por exemplo?
CRISTOVAM – Isso mostra que é preciso combater o problema. É inaceitável que no tempo em que a indústria do conhecimento tem grande validade a gente tenha escola de lata, escolas com duas horas de aula por dia, o chamado turno da "fome", das 11h às 13h. Não é possível. O país que tem escolas desse tipo é um país condenado, sem futuro, além de ser uma vergonha. O Brasil está cometendo uma espécie de neurocídio, matando o neurônio de milhões de pessoas. Vamos superar isso, federalizando a educação básica e dizendo que a partir da agora, para inaugurar uma escola, é preciso o habite-se federal. Para ser escola tem de ter número de salas proporcional ao número de alunos, computadores, entre outros. E não é possível que um professor seja escolhido apenas com concurso definido pelo município. É preciso ter regras nacionais. E é preciso ter conteúdo. Não é possível que o prefeito ensine o que ele quer. Isso faz com que hoje 52% das crianças na 4ª série não saibam ler. Em quatro anos vamos erradicar o analfabetismo de adultos no Brasil.

DIÁRIO – O senhor acha possível fazer isso em apenas quatro anos?
CRISTOVAM – Por que não? O que impede? Só se não tivessemos alfabetizados em número suficiente para ensinar os analfabetos. Mas nós temos 15 milhões de analfabetos e temos 85 milhões de alfabetizados. Basta contratar 100 mil jovens, dar um treinamento e em quatro anos a gente erradica.

DIÁRIO – Em termos de recursos, quanto seria necessário para executar essas ações?
CRISTOVAM – Precisamos de dinheiro federal e aumentar em R$ 7 bilhões os recursos do Ministério da Educação, o que corresponde a 1% do orçamento da União. E tem dinheiro para isso. O governo federal abre mão de R$ 45 bilhões em incentivos fiscais. Bastaria 1/6 disso. De publicidade, o governo gasta R$ 1,4 bilhão. Não dá para reduzir metade disso e jogar R$ 700 milhões na Educação? O Congresso custa R$ 5 bilhões. Será que ele não funcionaria com R$ 4 bi? Ter dinheiro ou não ter, depende da vontade das pessoas. Mas eles dizem que o cobertor é curto.

DIÁRIO – E a proposta do candidato do PSDB ao governo do Estado, José Serra, de ter dois professores por sala de aula no 1º ano do ensino fundamental, o senhor é favorável?
CRISTOVAM – Acho possível. O Brasil tem os professores, mas a maior parte ainda não está preparada. Seria bom ter dois professores ou um só com número menor de alunos e um computador, senão não adianta.

DIÁRIO – A senadora Heloísa Helena (Psol-AL) tem mostrado um crescimento significativo nas pesquisas. O senhor não acha que esse voto de protesto, ou de terceira via, deveria ser direcionado para a sua candidatura e não a dela?
CRISTOVAM – Eu não vou atrás de voto de protesto, vou atrás de voto de alternativa. Se aqueles que querem protestar acreditam na alternativa que eu proponho, aí eu vou ficar muito contente. Mas votar em mim só por protesto não é o eleitor que eu vou buscar.

DIÁRIO – Mas esse avanço dela o surpreendeu?
CRISTOVAM – O salto me surpreendeu, mas o crescimento não. Ela ainda vai crescer muito.

DIÁRIO – E o senhor tem explicação para ela ter crescido e o senhor não, apesar de terem começado com praticamente os mesmos índices?
CRISTOVAM – Não sei. Não tenho nem tempo de pensar os motivos. E tenho até medo de ficar tentado a fazer o que ela faz. Eu sou diferente.

DIÁRIO – O que ela faz que o senhor não faria?
CRISTOVAM – O discurso dela tem uma ênfase e promessas que eu não faço. Por exemplo, baixar os juros por decreto. O povo está doido para ouvir isso e eu não vou dizer.

DIÁRIO – Na hipótese de um segundo turno entre Lula e Alckmin, quem o senhor apoiaria?
CRISTOVAM – Não vejo menor problema em apoiar um, outro ou nenhum, porque eles são parecidos. Não vejo diferença na proposta de Alckmin com a proposta de Lula. Se eu não vejo diferença, tanto faz votar em um ou outro. Em 1989, votei em Brizola e depois em Lula, que representavam a esquerda na ocasião. Para mim hoje ser de esquerda é querer fazer uma revolução educacional no Brasil.

DIÁRIO – Então, a sua é a única candidatura presidencial de esquerda?
CRISTOVAM – Não vejo proposta de esquerda em ninguém, no meu conceito. Para mim, ser de esquerda hoje é querer fazer revolução.

DIÁRIO – Que sentimento o senhor tem hoje em relação ao PT, seu ex-partido?
CRISTOVAM – Minha frustração é com a acomodação da legenda. O PT hoje é um partido acomodado, que não tem nenhum vigor transformador. Sobre as minhas propostas de Educação, um militante petista diria que não dá para fazer. O partido também se acomodou diante da corrupção. Isso me deixa muito triste.

DIÁRIO – Esse foi o principal motivo de seu rompimento com o partido?
CRISTOVAM – Foi, quando eu senti que não tinha vigor transformador. Quero fazer política para mudar o Brasil e não para ter um carro oficial do Senado. Minha saída do ministério também me frustrou, claro, (Cristovam foi demitido por telefone pelo presidente Lula) porque eu ia erradicar o analfabetismo em quatro anos. Por conta disso, eu saí da História. Não vou entrar mais para a História como o alfabetizador do Brasil.




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